Andar em carros de aplicativos pode ser uma aventura

Maria Solange Lucindo Magno

Quem gosta de escrever tem o hábito de observar tudo, valorizar cada detalhe, refletir, e acaba transformando em história tudo que vê. Nada lhe passa despercebido. E foi por isso que eu resolvi escrever sobre algo que poderia ser incorporado ao nosso folclore, bem como fazer parte de sessões de terapia: andar em carros de aplicativos. Não sei em outros países, mas, por aqui, costuma render situações divertidas ou trágicas.

As pessoas que nos conduzem são as mais variadas em todos os sentidos: desde as mais simpáticas até as mais experientes. São homens, mulheres, taciturnos, falantes, jovens, mais velhos, gentis e as nem tanto, e por aí vai. Assim como variam os veículos também: uns bem cuidados, com tudo no lugar; outros mais sujos e faltando o básico.

Alguns condutores ficam altamente irritados quando o bendito cinto do banco de trás está emperrado ou é inexistente. Nessa hora rende uma boa discussão comigo, pois eu não aceito a falsa explicação de que não faz falta ou de que não tem perigo. Quando acontece um acidente, o que está sem o cinto vai levar a pior. A gente não sai de casa pensando em sofrer um acidente, mas eles acontecem.

Convenhamos que utilizar esse serviço é cômodo e ele precisa ser seguro e confortável. Mas nem sempre tudo dá certo. Há algum tempo as plataformas tiveram que fazer adaptações, serem mais rígidas, considerando algumas ocorrências que estavam colocando em xeque a segurança e a qualidade do atendimento. Sem falar que alguns motoristas precisam muito desse trabalho e a onda negativa estava afetando a todos.

Não é incomum acontecer de motoristas de aplicativos levarem mulheres para lugares desertos e as estuprarem, outros tentam drogá-las com cheirinhos mágicos. Outros ainda correm demais, deixando tenso quem está sendo conduzido. É sabido que as mulheres, principalmente as mais jovens ou alcoolizadas são as vítimas perfeitas para motoristas mal intencionados. Contudo, a eles não é permitido dar “cantadas”, tocar nas mulheres ou ter uma conversa mais invasiva. A despeito disso, dizem que costuma “rolar uma paquera” através do espelho retrovisor interno. Bem, aí já é um problema da mulher!

Há aqueles que se envolvem em situações polêmicas. Recentemente, foi manchete em todo país um motorista de aplicativo em Belo Horizonte que deixou uma moça desacordada na rua. Ele não a estuprou, mas facilitou para que um marginal o fizesse. Não houve jeito, foi indiciado também. Naquelas condições, a moça encontrava-se totalmente vulnerável e o motorista, mesmo não sendo a sua obrigação, deveria a ter deixado em segurança. Que fizesse um BO depois.

O caso Kayky Brito, também de repercussão nacional, tumultuou bastante a vida do pobre motorista de aplicativo que o atropelou. Porém, o motorista foi inocentado porque estava certo em sua conduta e não teve culpa de nada. Foi feita a justiça e as investigações foram arquivadas. Kayky estava tão fora de si, que já havia se livrado de ser atropelado por outro veículo pouco antes.

No ano passado um ex-BBB sofreu também um acidente gravíssimo porque estava sem o cinto do banco de trás, o motorista de aplicativo cochilou e enfiou o carro na traseira de um caminhão.

Ainda no mês de julho do ano passado, o motorista da Uber em que eu estava, arrancou com o carro antes que eu descesse, me arrastando pelo passeio. Sinceramente, até hoje não entendi exatamente o que aconteceu naquele dia. Coloquei as pernas do lado de fora para descer e no instante seguinte estava sendo arrastada. Bati com os braços, quadril e por pouco não bati a cabeça. Meu irmão ficou nervoso demais, mas eu não dei queixa do rapaz, que desceu do carro desesperado com o que tinha feito. Ele me pediu mil desculpas, queria me levar ao hospital. Enfim…

Eu lastimo a vida que esses motoristas levam: trabalham muito, recebem pouco, se estressam, eventualmente se envolvem em brigas de trânsito, são assaltados, sequestrados ou mortos. São jovens ou senhores complementando renda, chefes de família. E sem falar que conduzem pessoas de todos os tipos que, sabemos, muitas vezes são pouco educadas e impacientes.

Eu demorei para aderir ao uso porque, pessoalmente, tenho receio de entrar em carros de aplicativos sozinha. Só o fiz umas duas vezes, assim mesmo bem preocupada. Nada contra eles, mas a má fama de uns atinge a todos e eu, desconfiada que sou, fico com o pé atrás.

No entanto é um serviço muito prático. A gente chama o motorista pelo aplicativo. Costuma aparecer um bem rápido, assim como pode demorar. Outros ainda costumam desistir. Daí visualizamos os detalhes do carro, o nome do motorista e a placa. Aguardamos ansiosos, conferindo a placa e a aparência dos carros que passam, até que chega o motorista, que pode ser um homem ou uma mulher e a gente cumprimenta: bom dia, boa tarde ou boa noite! Alguns respondem efusivamente, outros, de maneira morna. Por aí já se tem uma ideia se haverá conversa ou não durante o trajeto.

A primeira coisa que eu e o meu acompanhante fazemos é colocar o cinto do banco traseiro. Eu, advinda de dois acidentes, não gosto de correr riscos. Nesse momento, normalmente, ocorrem reclamações quando o cinto não funciona, mas não me delongo para não deixar o condutor irritado.

Há uma regra tácita para que motoristas de aplicativos não se dirijam aos passageiros. Devem ficar calados, respondendo apenas ao que for perguntado. No entanto, na prática é diferente. Pasmem! Eu não sabia que alguns motoristas de aplicativo, em particular, da InDriver, estão fazendo transmissões ao vivo com os passageiros, filmando os seus rostos e gravando as suas conversas para postar no YouTube e/ou TikTok, ganhando um dinheiro extra, através de pix. Quem é mais desprezível: o motorista que filma ou aqueles que pagam para ver? Na maioria das vezes os passageiros nem ficam sabendo que estão sendo gravados e filmados. O mais curioso é que a plataforma não se posiciona de maneira clara quanto à proibição desse comportamento, que é crime. Que negócio é esse? Mais motivos temos para ficar atentos.

Porém, em situações normais, os motoristas logo começam as abordagens e eu me divirto, pois a parte hilária tem início aí. Se eu estou de bom humor a conversa rende. Tenho tido sorte na maioria das vezes porque os motoristas que me conduzem não dirigem em alta velocidade e, portanto, não há tanto motivo para preocupação. Para muitos passageiros o condutor deve ficar atento ao trânsito e não conversar. No entanto, uma conversa pode começar ora pela iniciativa de um, ora pela do outro. O motorista sonda para descobrir se o passageiro é receptivo ou não. Eu penso que é preciso haver bom senso por parte do condutor, não deixando o som ambiente alto, pois o seu gosto musical nem sempre se ajusta ao do passageiro, bem como não abrir excessivamente os vidros do carro. Há relato de pessoas que quase se estapearam dentro de um carro porque o motorista do aplicativo estava ouvindo música evangélica na maior altura e os passageiros não queriam ouvir de jeito nenhum. Quanto a isso, procuro tolerar ao máximo, mesmo não estando gostando porque, como eu disse anteriormente, a vida desse pessoal é sofrida. Que eles ouçam as suas músicas, uma vez que fazem várias e várias corridas, ficam entediados, porém, deveriam manter o som baixo, pelo menos. Agora, quanto aos vidros, eu sempre peço para que fechem se estiver muito ventoso, sem negociação. Deveria haver uma boa formação para esses profissionais de carros de aplicativos, bem como uma análise criteriosa de seu perfil para evitar determinadas ocorrências.

Tive oportunidade de ser conduzida por vários motoristas num curto período recentemente e os classificaria em alguns grupos: os dramáticos, os MacGyver do lar, os estressados, os reclamões, os que fazem apenas “um bico”, os religiosos e boa gente… Muito interessante. Eu vou analisando e entrando no clima da conversa. Eu os deixo falar.

Mas há aqueles que não abrem a cara por nada. Apenas respondem aos cumprimentos na hora da entrada e na hora da descida. Ah, e sempre que dá tempo, eu nunca deixo de lhes desejar um bom dia de trabalho.

Guardo comigo alguns relatos de conversas travadas dentro do carro. É melhor deixá-los falar que fazê-los ficarem nervosos. Tenho por regra de autocuidado e cuidado com os outros nunca deixar um motorista nervoso, pois ele pode se descontrolar e provocar um acidente.

Dessa forma, eu gosto de ouvir o que os motoristas têm a dizer. De tudo que se ouve tira-se um proveito. Eu concluo que o ser humano está muito carente em falar, de ser ouvido. Quantos deles me contaram suas histórias de vida! Expuseram coisas íntimas. Pode até ser mentira, mas são mentiras convincentes. E para mim não faz diferença, pois dificilmente eu encontrarei essas pessoas de novo. Na minha concepção é até um ato de caridade escutar o que os motoristas querem dizer, desde que não traga nenhum perigo para mim. São pessoas solitárias no sentido de não estarem com alguém querido por perto, passam o dia rodando dentro de um carro, se estressam muito no trânsito e com um adicional de preocupação: zelar pela segurança daqueles que eles conduzem. Motoristas que nos levam daqui para lá e de lá para cá atualmente desempenham um papel importante em nossas vidas. Eles escutam as nossas conversas (alguns passageiros não têm a menor reserva), percebem choro, angústia, aflição, ouvem o que é tratado por celular. Também testemunham várias coisas e têm muito para contar.  Alguns são extremamente gentis, paternais, prestativos, joviais. Dão dicas, oferecem serviços extras, informam locais. E há aqueles que são bem secos. Não querem conversa, não perguntam nada, respondem com monossílabos e aí impera o silêncio dentro do carro, tendo como barulho apenas a música de fundo, bem baixinha. Não fico sabendo se o dia dessa pessoa foi ruim ou se ela é assim mesmo. A mim não importa, quero apenas que me leve em segurança para o local que preciso ir e eu, que também sou amante do silêncio, ocupo o meu pensamento com o que vai surgindo. É um momento de folga.

Tive a oportunidade de ouvir algumas conversas do tipo:

do dramático, que disse que precisava trabalhar muito porque a mulher estava numa crise de depressão tão grande que não queria saber de comer, de cuidar do filho, vivia trancada num quarto. Mas estava melhorando depois do tanto que rezaram por ela. Ele estava muito grato a Deus;

do revoltado, que primeiro xingou bastante o governo que aí está, falou da carne que está faltando e disse que se tivesse dez anos a menos ia se tornar um pistoleiro. Quando eu disse a ele que se dependesse de mim, os bichos iriam proliferar, pois eu não mataria nenhum, sequer para comer, ele, nervoso, disse: “E a senhora come o quê, então?”. Eu afundei no banco para rir. E para completar, quando ele nos deixou no local onde aconteceria um evento, discutiu com os manobristas porque ele não podia ter ultrapassado um determinado espaço. Ele mandou multar. Esse não dura muito;

de outro, que contou todas as gambiarras que faz na casa dele, incluindo um varal de correr para pendurar roupas. Tudo em sua casa é improvisado por ele, desde a horta suspensa até os móveis. Para esse eu disse que ele deveria patentear os seus inventos. Fiquei imaginando como seria essa casa;

de um senhor que agradeceu a mim e ao meu acompanhante por nós termos deixado o carro dele tão cheiroso;

de outro ainda, que contou ter levado chifres das duas mulheres com quem se casou. Uma delas o traiu com o próprio irmão dele. Ele as expulsou de casa, pois além de tudo, não gostavam de fazer nada, só de ficar à toa, gastando o dinheiro dele;

de um jovem, que nos deu a entender que ele tinha uma empresa que estava lhe dando prejuízo e que por isso precisava trabalhar com o carro de aplicativo. E contou a história toda;

de um outro senhor, que falou sobre a falta de amor dos filhos para com ele e do ambiente pouco acolhedor que tinha em casa.

de um rapaz, que se mudou para o Nordeste e tornou-se motorista de aplicativo, mas falou muito mal da cidade, querendo o nosso aval por também sermos mineiros. Esse ficou sem graça quando discordamos dele com veemência, pois a cidade era adorável.

Enfim, são tantas histórias, que eu ficaria um longo tempo contando e elas variam em tamanho e em profundidade de acordo com o percurso feito. Eu sempre gosto de ouvir, de interagir, respondendo, opinando, mas jamais me exponho comentando algo pessoal, como muitas vezes eles fazem. Nunca tive nenhum incidente desagradável com motoristas de aplicativos, excetuando aquele em que fui arrastada. Sempre estabeleci com todos um tratamento cordial, respeitando a postura que adotam. Isso se chama civilidade. Contrata-se um serviço, que deve ser prestado da melhor maneira possível, é preciso haver respeito mútuo, ser pago e pronto! Mas todo cuidado é pouco. É necessário estar atento e é mais prudente que mulheres estejam acompanhadas.

Conversando com uma mulher, bastante pedante por sinal, ela me disse que foi a Belo Horizonte levar o marido para uma consulta médica. Precisou chamar um carro de aplicativo para chegar até o consultório. De acordo com essa mulher, o motorista foi falando mal do atual presidente durante todo o trajeto e enaltecendo o anterior. Ela disse que só faltou ter uma crise de nervos, mas se controlou até chegar ao destino. Antes de descer do carro, porém, esculhambou o motorista, humilhando-o, dizendo coisas duras para ele. Foi grosseira, mordaz. Uma militante também. Ambos erraram pelo extremismo adotado. A meu ver não havia necessidade de ela ser tão dura com o homem.

Contudo, essa é a vida e seus relacionamentos. Mas é sempre bom aprender com as vivências dos outros e o mais importante: ouvir as pessoas. Às vezes, o que elas querem é apenas falar de um dia ruim, de algo que as magoaram, de uma saudade, de uma conquista. Façamos o exercício da tolerância!

 

 

Maria Solange Lucindo Magno, casada, sem filhos

Professora da rede estadual de ensino (anos iniciais do Ensino Fundamental – aposentada

Inspetora Escolar da rede estadual de Minas Gerais

Pedagoga tendo atuado como Técnico em Educação na Secretaria municipal de Educação de Barbacena – aposentada

Autora do livro “Escritos com o Coração” – publicação independente e de várias crônicas

Participação em duas Antologias

Possui um perfil na comunidade Scriv, onde tem publicações

Articulista do barbacenaonline

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Instagram: @mariasolluc

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