Pauta em prosa, verso em trova (volume 60)

JGHeleno*

Na tragédia “In nomine Dei”, do escritor português, José Saramago (1922-2010), ele explora as contradições de uma luta ocorrida na Alemanha no século XVI, entre cristãos de denominações religiosas diferentes: católicos e anabatistas. A ironia começa no próprio título: uma guerra religiosa em nome do mesmo Deus (in nomine Dei). Ambas as religiões são cristãs. A maioria das cenas é construída na disputa de um espaço físico insignificante, pelas suas dimensões, dentro da cidade de Münster, tendo como referência a catedral sob domínio dos católicos, e  a igreja de São Lamberto, referência dos anabatistas. Para justificar a guerra e estimular seus participantes, a oratória inflamada e os discursos pomposos ocupam-se de filigranas religiosas, de interpretações bíblicas ocasionais e interesseiras, tudo na ânsia de manutenção ou conquista temporal de poder, de desejos pessoais revestidos de servidão religiosa – de um lado e do outro. Vem tudo enfeixado por um discurso religioso fanático e fundamentalista, que eleva a patamar imerecido questões doutrinais e morais de pouca importância. Qualquer atitude do outro é tratada sempre como ameaça vital e, por menor que seja, analisada às pressas; e, se não reforça as pretensões do próprio grupo, é tratada como coisa do diabo, a que se deve reagir com hostilidade.

Esse discurso não é estranho aos dias de hoje, quando se rouba  a intenção honesta de pessoas que procuram nas religiões, sentido para suas vidas. Esse procedimento falsamente religioso consegue, em nome da religião, espalhar o ódio, em vez de gerar aproximação no amor ao próximo como deveria ser.

“In nomine Dei” é um texto escrito para teatro. Apesar disso, é perfeitamente possível lê-lo fora da representação. Temos procedido de forma semelhante quando, nas canções, retiramos de seu contexto musical a letra para estudo poético.

Lembrei-me, então de Aristóteles: a poesia (ou a arte literária em si) fala de tudo que pode ser, não somente do que é ou que foi, como faz a História. E voltei meu  olhar para a guerra que se dá hoje na Ucrânia envolvendo cristãos ortodoxos (Rússia e Ucrânia) e cristãos ocidentais (Europa e Estados Unidos). A História focaria, segundo Aristóteles,  uma guerra de cada vez, o conflito de Münter, por exemplo, como o conflito OTAN-russo-ucraniano. Já a arte, nas palavras do mesmo filósofo, ao falar de uma guerra, não falaria apenas da guerra focada, mas de sentidos e conotações de uma guerra encontráveis em quaisquer guerras do passado, do presente, ou que venham a existir no futuro, como acabamos de ver. Na arte, a História sempre se repete. (SARAMAGO, José: “In nomine Dei”. São Paulo: Companhia das Letras, 1993.

 

Como tudo acaba em trova:

 

 

Criatura, ou Criador

não querem dor da  maldade;

basta a maldade da dor,

já em si uma crueldade.

 

  • AJL, ABcL, UBT- Barbacena

⚠️ A reprodução de conteúdo produzido pelo Portal Barbacena Online é vedada a outros veículos de comunicação sem a expressa autorização. 

Comunique ao Portal Barbacena Online equívocos de redação, de informação ou técnicos encontrados nesta página clicando no botão abaixo:

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Aceitar Saiba Mais