BARBACENA, UM LUGAR À BEIRA DO CAMINHO NOVO

POR EDSON BRANDÃO

A ocupação do território da atual cidade de Barbacena data do final do século XVII, quando começa abertura de um caminho que encurtaria a ligação do litoral (Rio de Janeiro) com a região onde sairia a maior produção de ouro e diamantes da América do Sul, no chamado Ciclo do Ouro. Foi a partir do Caminho Novo ( depois Estrada Real) que surgirá, próxima às nascentes do Rio das Mortes, o arraial da Igreja Nova e depois a Vila de Barbacena. Sua emancipação política se dá em 14 de agosto de 1791, com a elevação do arraial à vila que recebeu o nome do então governador de Minas Gerais, o Visconde de Barbacena.

Uma cidade cheia de história

O passado colonial e imperial de Barbacena se diluiu na sua paisagem urbana, que na metade do século XX já não guardava quase nada de sua longa história. A matriz de Nossa Senhora da Piedade hoje denominada Santuário, cujas obras determinaram o traçado da cidade, ainda na primeira metade do século XVIII, teve o risco do brigadeiro José Fernandes Pinto Alpoim (1700-1765), também responsável pelo projeto do Palácio dos Governadores, hoje Museu da Inconfidência de Ouro Preto, o Aqueduto da Carioca (Lapa), no Rio de Janeiro, todos erguidos por ordem do Conde de Bobadela.

A Câmara Municipal, sobrado adquirido em 1789, para ser a sede da Câmara e Cadeia de Barbacena, função que lhe cabe até hoje, é um dos raros testemunhos remotos da fase em que Barbacena era parte a “América Portuguesa”. A cadeia velha, hoje Casa da Cultura, também ainda sinaliza o Caminho Novo, que ganhava uma bifurcação na Praça Conde de Prados deixando a opção ao viajante do passado seguir rumo a São José e São João del Rei, avançando pela  rua da Boa Morte e a Estrada do Faria, ou descendo a Rua Direita, a atual rua XV de Novembro, em direção ao Barro Preto (Pontilhão) até o Alto do Cangalheiro (bairro Santo Antônio), rumando então para o norte atingindo Queluz, a serra de  Ouro Branco e finalmente, Ouro Preto.

Uma breve paisagem urbana e humana

O casario neoclássico sobrevivente no centro de Barbacena, na verdade tem fachadas coloniais disfarçadas pela alvenaria, fruto da capacidade dos pedreiros e artistas italianos que assim como agricultores e outros oficiais vieram da Itália, ocupando a Colônia Rodrigo Silva, desde 1888, quando o governo imperial, prevendo o fim da escravidão dos povos africanos, buscava outra mão-de-obra para suprir o mercado interno, estimulando a imigração em massa para o Brasil. Da colônia italiana, surgiu a Estação Sericícola de Barbacena, que até a primeira metade do século XX, produzia seda natural e desenvolvia a técnica de manejo do bicho da seda e o cultivo das amoreiras. Coube à família Savassi, tendo à frente Amilcar Savassi (1876-1973) a implantação desse centro de pesquisa tecnológica e industrial, mantida pelo Ministério da Agricultura, que também não resistiu às disputas políticas e infindáveis mudanças administrativas na esfera federal de governo até sua total extinção.

Mesmo sendo a “muito nobre e leal vila”, título concedido em 1840, graças à devoção dos políticos locais à monarquia brasileira, Barbacena não hesitou em aderir ao ideário republicano que colocou os militares à frente do governo em 1889, e décadas depois, teve destacada participação na Revolução de 1930 que encerrou a República Velha e a política do “Café com Leite” – revezamento de Minas e São Paulo no poder.

Foi nos primeiros tempos da República que foi inaugurado o Hospital Colônia de Barbacena (1903), o maior hospício de Minas Gerais de triste lembrança por seu passado de superlotação e abandono de seus pacientes. Hoje o local abriga o Museu da Loucura.

Quartel revolucionário, interventores, tropas nas ruas e nos trilhos faz ferrovias compunham o cenário da época. O episódio histórico também marcou a ruptura das duas principais lideranças políticas da cidade que passou a viver dividida. Dois clubes, dois times de futebol… Bias, PSD, Andradas, UDN. Situação e oposição em permanente embate.

A cidade conservadora e fervorosamente católica Barbacena, conviveu com mentes libertárias como a professora Maria Lacerda de Moura (1887-1945), pioneira do feminismo e do amor livre no Brasil. Na poesia, reina o pessimismo sombrio de Honório Armond (1891-1958), que recusa com razão o título de “Príncipe dos Poetas Mineiros”, dado por um jornal da época. A vocação de passagem para o interior das Minas Gerais é mantida. Por aqui passam em 1924, os modernistas – Oswald e Mário de Andrade, Tarsila do Amaral e Blaise Cendrars – redescobrindo o adormecido Barroco Mineiro e expressão maior do conceito da antropofagia cultural.

Um século antes, também tentando descobrir de novo o Brasil, praticamente todos os viajantes estrangeiros que visitaram Minas Gerais passaram por Barbacena, como as expedições do Barão de Langsdorff, James Fox Bunburry, Spix e Martius, Saint Hilaire, Richard Francis Burton e muitos outros. Alguns deixaram valiosos registros visuais como a aquarela feita em junho de 1824, por Johann Moritz Rugendas, até hoje exposta na Rússia. O compositor e maestro francês, Fernand Jouteux (1866-1956), autor da ópera “Os Sertões” passa várias vezes por Barbacena, antes de recolher-se até o fim da vida em Tiradentes. Georges Bernanos (1888-1948) escolhe morar em Barbacena pela sonoridade do nome da fazenda que Virgílio de Melo Franco, lhe dá por empréstimo. É o “Caminho da Cruz das Almas”. Aqui, o fazendeiro Bernanos, católico e crítico feroz do nazismo, recebe em sua casinha bucólica, desde jovens escritores como Paulo Mendes Campos, Hélio Pelegrino e outros, até o consagrado e exilado Stefan Zweig (1881-1942), que pouco depois se suicida em Petrópolis. Na trilha de Bernanos, vem o pintor EmericMarcier (1916-1990). O judeu-romeno, traz a aura medieval do leste europeu para dialogar com os céus cinzentos de Ouro Preto em choque com a luminosidade de Barbacena. Enquanto na Revolução de 30, Carlos Drummond de Andrade, senta praça nas fileiras revolucionárias, paquerando belas barbacenenses no saguão do Grande Hotel, João Guimarães Rosa, faz seus últimos exames como médico do Nono Batalhão da Polícia Militar, para abandonar a medicina e a farda para a carreira diplomática que vai garantir sua possibilidade de ser um dos maiores escritores da língua portuguesa. Inundado pelo nacionalismo, Flausino Rodrigues Vale (1894-1954), músico e compositor nascido em Barbacena, faz seu violino erudito resgatar a cultura popular. Admirado por Villa-Lobos, Flausino é comparado ao virtuose italiano Paganini e até hoje sua música é admirada no mundo todo.

Neste cenário diverso de tradição e intensa movimentação social, política e intelectual é que se insere a Escola Preparatória de Cadetes do Ar que vai trazer de volta um ambiente cosmopolita com pessoas vindas de todas as partes do Brasil, a partir do final dos anos de 1940.  Tal movimento, só pode ser comparado ao que ocorreu nos primórdios, ainda no Ciclo do Ouro quando para se atingir o coração das Minas era preciso antes passar por “um lugar chamado Barbacena”…

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