Se beber, nem pense em conduzir

Jairo Attademo

A criatividade

Dirigir em Portugal pode ser fácil, as estradas são boas, bem sinalizadas, sem buracos. No entanto, há desafios e não são poucos.

O primeiro deles é que aqui ninguém dirige, conduz.

Se o forasteiro quiser ter uma vida boa no trânsito lusitano, arranque assim que o sinal esverdear, porque paciência aqui é coisa rara. Demorou, logo já leva com uma apitadela pelas orelhas.

Há uma coisa que não existe aqui: Blitz de trânsito. Não se anime, aqui isto se chama Operação Stop. Assim como no Brasil, nem sempre é uma experiência agradável. E tome investigação sobre travões, luzes, piscas, IUC, embraiagem e jantes.

Pobre da criatura bípede racional que estiver a conduzir sem carta ou com ela vencida. Se apanhada, vai algemada no carro da polícia (dependendo do estado psicológico), levada para a esquadra, constituída arguida e direcionada ao tribunal.

Se duvida disso, experimente e tenha um bom passeio policial, uma boa entrevista com o chefe de esquadra e um feliz interrogatório na Justiça.

Será que existem mesmo?

Ninguém imagina que, logo pela manhã, ainda com uma tosta mista e uma bica a saberem bem na boca, vai ter de enfrentar uma dessas Stops.  Aliás, é melhor que seja pela manhã, onde, normalmente, não se bebem finos, imperiais, bagaços e tais. Álcool aqui tem um limite que esbarra no zero.

É melhor não ter de soprar o balão.

Trata-se de um momento sem piada e saiba que não é, nem de longe, uma partida de matraquilhos.

Se estiver tudo bem, a coisa não demora, mas se acharem qualquer detalhe, vai ter de dar uma volta ao bilhar grande. E nem adianta se armar em carapau de corrida ou dar grandes voltas. É só fazer o que o polícia pede sem dar bitaites, mandar bocas ou dar uma de graxista.

A coima pode ser paga na hora mesmo, com cartão. E nem pense em ter a lata de negociar. Há muito isso ficou impossível por aqui.

O Código da Estrada é complicado de entender. A sinalização tem importantes diferenças, embora possa ser, em alguns casos, semelhante à nossa e em outros, nada intuitiva.

Para mim, por exemplo, não são nada intuitivas aquelas setas pintadas na estrada ora apontando para um lado, ora para outro. Acho que servem para dizer que a ultrapassagem é permitida ou que a pista dupla vai acabar, mas não acreditem em mim, eu não sei mesmo.

Há um outro sinal nas estradas que eu também não entendia, mas que até é fixe. Sabe as placas que indicam proibição de ultrapassagem ou informam o limite de velocidade? Pois é, se elas contiverem finos riscos acinzentados por cima, isso significa que aquela orientação está dispensada daquele ponto em diante, tipo “acabou, senta o sapato”.

Mentira, não senta nada, tem radar e a coima pode chegar a 120 euros ou mais.

Os nomes variam muito

Fique atento também às passadeiras de peões. Aqui as pessoas nem olham para atravessar. Pisam nelas e vão com tudo. Elas fazem parte do passeio, pode acreditar. Se vir qualquer pessoa se aproximando de uma passadeira, reduza a velocidade e se ela ameaçar colocar o pé nela, senta logo o pé no travão. Se não respeitar e passar, a pessoa pode lançar impropérios que podem ir do parvalhão ao paneleiro. Fora as outras coimas.

E cuidado nas rotundas, que existem aos baldes. A preferência é sempre de quem está a girar nelas e não de quem vai entrar. Aí é assim também, mas aqui isso é levado a sério.

Vejam só essa história que um brasileiro me contou sobre carros e afins.

“Outro dia eu estava nas sete quintas numa tasca com um velho conhecido e mandando postas à vontade sobre essas cenas de trânsito e esses nomes esquisitos que identificam as peças e partes dos carros em Portugal.

O colega, português, ria-se de mim, a dizer que eu estava com melões na cabeça. Para ele, eram os nomes brasileiros que não faziam sentido.

De risada em risada, fui ficando cada vez mais atestado. Tive de deixar o carro ali mesmo e aceitar a boleia que me ofereceu.

Durante a viagem, ainda a se fartar de rir da minha carraspana, o amigo dizia que entendia a minha dificuldade em compreender os termos daqui, mas que um sacrifício era necessário de minha parte para evitar sarilhos futuros com aqueles que nem sempre têm bom feitio.

Assim que chegamos, desci do carro e fiquei ali mesmo, na varanda, esperando melhorar da naça, pelo menos um pouco. Acabei dormindo do lado de fora e acordando pelas dez da manhã na casota do cão.

Tudo queimava. Entrei em casa para um duche e me vi no espelho, cm a cara mais vermelha que um diospiro maduro. Tudo o que consegui, além de uma sede dos infernos, foi uma dor de cabeça de rachar e um escaldão dos diabos.

Voltei ao local do crime, e, como é normal por aqui, lá estava, quietinha, a minha viatura, como a dizer-me “estou até as orelhas contigo, seu ébrio irresponsável”. Imaginei o que a minha mulher ia dizer quando me visse: “estás a caminhar feito Charlô, mas estou-me nas tintas, olha que te dou uma cachaporra”.

Acho que não foi uma boa ideia ficar horas a discutir o Código da Estrada e os nomes das partes dos carros. Leve essa cábula consigo: em Portugal, quando a conversa esquenta, não importa o tema, sempre acaba no vinho. O que não é mau, desde que não apanhe uma carraspana e apanha um escaldão ou uma cachaporra da mulher”.

E aí? Esse brasileiro já fala um bom português de Portugal, mesmo sóbrio.

NOTA DA REDAÇÃO: Jairo Attademo é de Barbacena, mora em Portugal e gosta de se divertir com as diferenças no modo dos dois países falarem o idioma português. Jairo foi radialista e esteve na indústria farmacêutica nas áreas de vendas, marketing e treinamento. Hoje é colaborador da FM Sucesso, da TV Diversa e do BOL.

 

GLOSSÁRIO GLOSSARIUM

Apitadela – buzinada

Atestado – cheio até a testa

Travões – freios

IUC – Imposto Único de Circulação

Embraiagem – embreagem

Jantes – rodas

Esquadra – Delegacia

Constituída Arguida – indiciada

tosta mista – misto quente

Bica – cafezinho.

Saberem bem – ter um gosto bom

Fino -chope (Norte)

Imperial – chope (Sul)

Bagaço – aguardente de uva

Balão – bafômetro

Ter piada – ter graça

Matraquilhos – jogo de boneco, totó, pebolim

Dar uma volta ao bilhar grande – ter um grande problema para resolver

Se armar em carapau de corrida – dar uma de esperto

Dar grandes voltas – enrolar para explicar coisas

O polícia – policial

Dar bitaites – dar palpites (“pitacos”)

Mandar bocas – criticar com indiretas

Graxista – puxa-saco, bajulador.

Coima – multa

Lata – cara-de-pau

Código da Estrada – Código de Trânsito

Fixe – legal, bacana.

Passadeira de peões – faixa de pedestre

Parvalhão – idiota, bobo.

Paneleiro – termo pejorativo para “homossexual”.

Rotunda – rotatória

Estar nas sete quintas – estar muito entusiasmado

Tasca – botequim

Mandando postas – dando opiniões

Cenas – coisas, assuntos chatos

Estar com melões na cabeça – ter uma ideia maluca.

Boleia – carona

A se fartar – estar cansado de.

Carraspana – bebedeira; ressaca

Sarilhos -problemas

Bom feitio, mau feitio – boa educação, má educação

Naça – bebedeira (termo do Norte, Trás-os-Montes)

Casota do cão – casinha do cachorro.

Duche – chuveirada

Diospiro – caqui

Escaldão – queimadura de sol

Estar até as orelhas – estar cheio de alguma coisa; não aguentar mais.

Estar nas tintas – não se importar em nada com o assunto

Cachaporra – cacetada

Cábula – cola que se leva para copiar na prova; gabarito.

Charlô – personagem de Charles Chaplin, Carlitos no Brasil.

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