Cresci num ambiente familiar onde o futebol imperava. Cada integrante da família tinha uma preferência por um time de Minas Gerais, Rio de Janeiro e São Paulo. A diversidade de preferência tinha o intuito de apenas zoar o perdedor. Nada de briga; discussões aconteciam às vezes. Para trocar as preferências, rolavam discursos persuasivos, compra de revistas infantis, doces e refrigerantes. Como politiqueiro, agradei a todos fazendo uma combinação, mas confesso que minha grande paixão era pelo Fluminense. O meu cardiologista me ensinou uma tática infalível e ótima para a saúde do coração: torcer sempre pelo time que ganhar. O coração agradece. Conclui que ele estava certo.
Do meu casamento, nasceu o primogênito Alexandre. Era evidente que eu tentaria convencê-lo a gostar dos meus times prediletos, sem nunca forçar a barra. Será? Tirem suas conclusões. Quando ele completou seis anos de idade, eu o levei a Juiz de Fora para assistir a um jogo entre o Fluminense e o
Sport Clube. Ele relutou em ir. Durante a viagem, disse que só foi para atender a um pedido da mãe para me fazer companhia. Fomos os primeiros a chegar ao estádio do Sport, local do jogo. Ele me perguntava a todo o momento:
– Pai, vai demorar muito? Pai! Estou com fome!
– O que você quer comer?
E nesse momento, chegou ao estádio a tradicional torcida tricolor, a “Young Flu”, lançando nos ares de Juiz de Fora fumaças tricolores, fragrâncias maravilhosas, muitos fogos de artifícios e uma charanga com poucos integrantes, mas muito barulhenta. Vibrei aplaudindo tudo e me emocionei. No
mesmo instante, entra em campo o time do Fluminense com sua tradicional camisa tricolor: verde, branco e grená. Que surpresa ao olhar para meu querido filho e perceber que ele estava de costas para o campo. Isso mesmo, de costas para o campo!
– Alexandre! Alexandre! O jogo vai começar!
– Estou com fome, só olho se comprar para mim algodão-doce branco.
Chamei o vendedor e comprei o algodão-doce que ele devorou rapidinho, de costas para o campo.
– Alexandre, você prometeu ver o jogo se eu comprasse algodão-doce. Eu comprei, você comeu e continua de costas para o campo!
– Então compra algodão-doce vermelho.
Chamei o outro vendedor e comprei o bendito algodão-doce vermelho. Ele liberou um sorriso lindo e pegava pedaços e os colocava na boca, até me ofereceu, mas continuou de costas para o campo. Nem o primeiro gol do Fluminense o fez olhar. Gritei, vibrei e pedi a ele que olhasse as fumaças multicoloridas ou então o jogo. Acabou o primeiro tempo. Os times foram para os vestiários. No campo, só os repórteres e alguns reservas dos dois times e o Alexandre continuava totalmente alheio ao que estava acontecendo. Os times retornaram. Começou o segundo tempo.
– Filhinho! Filhinho, olhe para o campo. Já começou o segundo tempo.
– Estou com fome.
– De novo? O que você quer comer dessa vez?
– Pipoca.
Chamei o vendedor e comprei para ele um saquinho de pipoca branca. Ele devorou em poucos minutos. Pedi novamente:
– Filhinho, olhe para o campo! O Fluminense está ganhando de dois a zero e você não viu nenhum dos gols!
– Só olho se o senhor comprar pipoca colorida.
Chamei o vendedor e comprei a bendita pipoca colorida. Fim de jogo, os jogadores se cumprimentaram, vibraram e saíram de campo. De mãos dadas, saí do estádio frustrado e decepcionado com meu amado filho. Depois de muito pensar sem chegar a nenhuma conclusão, resolvi lhe perguntar:
– Alexandre, diga para o papai: por que você ficou de costas para o campo e não viu o jogo?
– O senhor lembra que eu disse que não queria vir a Juiz de Fora ver o Fluminense jogar? Lembra? É por isso! Eu não gosto do Fluminense!
– Filhinho, eu lhe dei guaraná, maçã do amor, pipoca branca, pipoca colorida, cocada, algodão-doce branco, algodão-doce colorido e você nem sequer olhou para o campo?
– O senhor está pensando que só porque comprou as coisas para mim eu sou obrigado a gostar do que o senhor quer que eu goste?
Diante dessa resposta, me calei. Nunca mais tentei convencê-lo a gostar do que eu gosto. Primei sua vida pela honradez de caráter, amor próprio e viver com sabedoria. Deixei que ele torcesse pelo time de sua predileção. Eu lhes garanto que para o Fluminense ele nunca torceu.
Francisco de Santana