Mariana

Por Luciano Alencar da Cunha e Isabella P. Roman Alencar da Cunha

Mariana é uma menina que gosta de estorinhas e musiquinhas, razão pela qual, vimos contar uma história dela, começando assim:

Era uma vez uma mocinha pré-adolescente chamada Mariana, a Mari, amorosa, alegre, intensa, carismática, impulsiva e que tinha uma docilidade expressada por abraços apertados, inesquecíveis, que distribuía sem moderação!

Com 9 anos, 8 meses e 4 dias, Mariana partiu da Terra e este texto retrata uma história dela, de impermanência e imortalidade, que pode fazer sentido para alguém.

Sua vinda foi planejada, desejada, aguardada com uma compreensível expectativa pela sua família, em Barbacena, no interior de Minas Gerais.

Dona de um grande coração, desde cedo a menina manifestou sua empatia com as pessoas vulneráveis, cuidava dos doentes, idosos, daqueles em situação de rua, e ainda, tinha uma grande ligação de proteção com os animais e plantas. Esta característica chamava atenção em face da sua pouca idade.

Ela morou a maior parte de sua vida em uma chácara, na qual tinha diversas plantas que cultivava em vasos e floreiras. Certo dia, durante um período seco, por volta dos 4 anos de idade, ela pegou um pequeno regador para irrigar suas flores e, perguntada por que estava fazendo aquilo, ela disse que “as plantinhas não têm pernas para ir até a água, por isto que levo a água para elas não ficarem com sede…” Compaixão com os vegetais e outros seres vivos, não é muito comum nas pessoas!

Comunicativa, embora tímida em algumas circunstâncias, seu carisma fazia com que rapidamente se aproximasse das pessoas, na família, entre os amigos, nos grupos de convivência, nas escolas, no escritório, na zona rural, no comércio, nas instituições, no espaço público… para todo lado Mariana tinha um “tio” ou “tia” por quem logo criava vínculos afetivos e, a lista é tão grande, que é melhor não nominar aqui, sob pena de deixar de citar pessoas importantes para ela.

De alguma forma ela sabia que sua passagem neste plano seria rápida, razão pela qual aproveitava todas as oportunidades de viver intensamente, até com ansiedade e insistência que precisavam ser mitigadas.

Na semana que antecedeu seu retorno à pátria espiritual, a escola onde estudava, o centenário “Colégio Imaculada”, fazia uma campanha para doação de roupas para crianças, e Mariana, em um gesto de premonição e desapego, separou as roupas que tinha no armário para doá-las, deixando apenas dois vestidos.

Interpelada pela mãe, de que não poderia doar praticamente tudo, ela respondeu com espontaneidade: – Eu não vou precisar delas mais…

De fato, dos dois vestidos que ela separou, um foi com ela para o hospital, e o outro foi usado para cobrir seu corpinho na esquife do sepultamento.

Ela estava certa!

Ela conviveu profundamente com as pessoas que ajudaram a cuidar dela e educá-la, tendo passado por escolas, acompanhamentos médicos, psicológicos, pedagógicos, fisioterápicos, natação, balé, como é comum nas crianças de sua geração.

Mariana foi acompanhada desde a sala de parto até a sua partida, por um pediatra extraordinário, como pessoa e como profissional, o “Tio Aurélio”, a quem a família é eternamente agradecida.

Deus deu a ela um “anjo da guarda” encarnado, a Edna, que a acompanhou desde o momento em que estava sendo planejada até seus últimos dias entre nós, uma “segunda mãe”, com quem tem profunda ligação e que quando pequenina chamava de “Teti” e depois de “Dinda”.

Nela destacava o seu lado afetivo, era “toda coração”; por outro lado, tinha dificuldades quando não era “aceita pelo grupo” e quando tinha que fazer os exercícios de matemática… Sua vocação era para as áreas humanas e biológicas, o que justificava seu estranhamento com as exatas.

Quando chegou o final do mês de abril de 2024, Mariana teve uma sinusite, que foi tratada com antibióticos, sendo acompanhada de perto pelo pediatra, que cuidava dela em domicílio, pois é vizinho da família e tem enorme carinho por ela.

Mas a doença foi complicando e outras investigações foram sendo feitas, pois havia um surto de dengue, além da possibilidade de covid, influenza, ou outras doenças tropicais.

Era um domingo, 31 de março, a febre e a dor não cediam, começaram alguns vômitos… o pediatra examinou, pediu exames que acompanhou presencialmente analisando dados, sinais, sintomas… todos os resultados negativos. Foram solicitadas análises laboratoriais em caráter de urgência.

Quando chegou a alvorada da segunda-feira, primeiro de abril, Mariana começou a apresentar disfunções neurológicas, perdendo a consciência e sendo levada imediatamente ao pronto atendimento hospitalar na Santa Casa de Misericórdia de Barbacena, referência pediátrica da macrorregião.

Sob os cuidados da equipe do pronto atendimento, liderada pela Dra. Tainá e pela enfermeira Luciana, em esforço heróico, diligente e amoroso, mesmo com os poucos recursos disponíveis, providenciaram novos exames, tomografia, medicamentos…

O caso era muito grave, sala vermelha, indicação para UTI, presença constante e apoio da neuropsicóloga que acompanhou a Mari, a “Tia Valeska”, que estava lá também como amiga e acadêmica de medicina, que a segurava física e emocionalmente.

Parentes e amigos ofereceram seus préstimos e apoio incondicional durante todo o processo, socorrendo naquele momento de provação e dores, com suas presenças, ligações, mensagens e muitas vezes pelos olhares sensíveis, em silêncio, pois as palavras costumam ser insuficientes para expressar o que sentimos e pensamos.

Contudo, naquela hora tinha uma vaga na UTI para quatro crianças com risco de morte na Santa Casa. Qual delas seria escolhida para tentar sobreviver? É um dilema ético e profissional de difícil solução, que as equipes médicas vivem cotidianamente.

O incansável médico que também é intensivista pediátrico, conseguiu uma vaga em um grande hospital de referência na região metropolitana mineira, o Mater Dei.

Barbacena não tinha ambulância UTI pediátrica, sendo necessário buscar o recurso em uma cidade maior, Juiz de Fora.

Era chegado o crepúsculo e a transferência em curso pela BR040, Mariana sedada, viagem tranquila, o pai segurando a mãozinha dela o tempo todo, até a internação na UTI pediátrica de referência; a mãe, o tio Alessandro e a Letícia vinham em um veículo atrás, velando pela viagem.

Uma equipe de treze profissionais esperava por ela. Novos exames, medicação “de ataque”, foi entubada para lhe garantir chances de sobrevivência e conforto. Logo em seguida, duas cirurgias, cuidados intensos, ela no sutil liame entre a vida e a morte corporal…

As cirurgias foram um sucesso, ela começou a reagir, a cada pequena vitória, uma esperança. O time da UTI se revezava a cada doze horas, durante os cinco dias. Profissionais competentes, atendimento realmente humanizado, os melhores equipamentos, todos recursos disponíveis em um espaço amplo, que ficou exclusivamente para ela e, a presença permanente dos pais e daquela que seria a sua madrinha, a Letícia.

Quando chegou quinta-feira, o edema cerebral continuou sua expansão, a pressão craniana aumentando fora do controle, os rins com pouca resposta ao tratamento, os medicamentos não conseguiam debelar as bactérias causadoras da meningite que se instalou…

Nova tomografia na madrugada de sexta-feira e a constatação da irreversibilidade do quadro. Quando as médicas de plantão deram a notícia, a mãe da Mari olhou para o Céu e disse as palavras que Maria de Nazaré nos ensinou: “Eis aqui a serva do Senhor, faça-se em mim segundo a Sua vontade”, pois a vontade e a sabedoria Dele é muito melhor do que nossa limitada e egoísta compreensão.

A família manifestou-se nos grupos de apoio assim: Amados Irmãos e Irmãs, nossa menina Mariana está partindo… A medicina esgotou todos os recursos hoje… Agora só a intervenção de Jesus, que curou a filha de Jairo e tantas pessoas, que poderá nos ajudar, se for da vontade de Deus! Hora do testemunho da fé, afinal, o acaso não existe e para além da morte do corpo há a vida imortal do Espírito. Há pessoas que ficam pouco tempo na Terra, conforme os propósitos divinos. Então, nesta hora crucial, rogamos pela ajuda Dele e de Vocês, suplicando que aconteça o melhor para nossa Mariana…

Naqueles dias inúmeras pessoas estiveram em preces por ela, grupos de oração de diversas crenças e religiões direcionaram a Deus seus pedidos de intercessão em benefício dela, incluindo o dileto Dom Danival, que se desdobrou para apoiar a família espiritualmente, mesmo às vésperas de sua ordenação episcopal.

Amanheceu e o dedicadíssimo coordenador da UTI, Dr. Heraldo, profissional de notório saber e amabilidade, interagiu com profissionais do time, do hospital Albert Einsten em São Paulo e, com seus preceptores no Canadá, buscando alguma alternativa.

As respostas foram unânimes: a ciência humana não tinha mais o que fazer e os recursos possíveis foram esgotados.

Chegou a hora da decisão: obstinação terapêutica ou morte natural?

Nesta hora extrema, princípios, valores, convicções, crenças, são os balizadores da decisão: optamos pela morte natural, ao invés de prolongar a dor…

Quando seriam desligados os aparelhos? A família que determinaria.

A menina tinha sido educada no Espiritismo e, recentemente, estava frequentando uma escola católica, vicentina, na qual preparou-se com profundidade para a Páscoa, manifestando sua vontade de ser batizada na Igreja Católica.

Desde que nasceu demostrava sua devoção por “Maria de Nazaré”, mãe de Jesus, razão pela qual os pais intuitivamente colocaram nela o nome de Mariana.

Por uma inspiração do Alto, a menina estava se preparando com dedicação e sensibilidade para a páscoa (para os Judeus a passagem do Senhor; para os Cristãos, a imortalidade da alma, a vida após a morte, a “ressureição de Jesus”).

Os fatos mostram que ela estava se preparando para a sua própria “passagem” para a Vida Maior.

Diante daquela iminente partida, Mari foi batizada pela Letícia, “irmã” de sua mãe, em uma prece comovida, com poucas palavras ou gestos, mas muitos sentimentos e vibrações do bem, tendo ela passado a ser a sua madrinha, com quem sempre teve e tem profundos laços de amor, provavelmente ligados a existências anteriores.

Esteve presente um presbítero chamado Elson, passionista, uma pessoa espiritualmente elevada, fraterna, profunda, que falou dos ensinamentos do Cristo e de Paulo de Tarso, ungiu a criança com óleos, deu o sacramento da unção dos enfermos, e ao final, uma bênção especial fruto de sua bondade e missão espiritual, permanecendo discretamente até o fim.

A mocinha que estava estática, inclinou suavemente a cabeça e uma lágrima escapou de seus olhos. Segundo o sacerdote, ela estava com Deus…

Na UTI também estavam presentes no plano físico, três amigos/irmãos, que foram nosso esteio naquela hora extrema: Fred, Andréa e Nilton.

Então, Dr. Heraldo começou a desligar os aparelhos e nós abraçamos nossa menina, declarando todo nosso amor, agradecendo por ela ter estado conosco estes anos, as lições do amor filial, pedimos perdão nossas falhas…

O coraçãozinho dela que estava sendo monitorado, saiu de 55 batimentos por minuto para 120; sem os aparelhos, em alguns minutos, ele foi diminuindo a frequência, a mãe aconchegando-a com carinho, o pai com o ouvido no tórax dela, escutando o ritmo cardíaco e ao fundo a musiquinha “Mãezinha do Céu” que ela cantava todos os dias… até a parada. Estava consumado!

Nenhum suspiro, nenhum sofrimento ou som, simplesmente partiu em harmonia como um “espírito completista” que cumpriu sua missão terrena, deixando uma ambiência de paz, serenidade…

Na dimensão espiritual, estavam para acolhê-la a família e os amigos, felizes pelo retorno dela. Era dia de alegria para eles, pela volta do ente amado. Para nós, a lição do desapego, do amor que liberta!

As pessoas presentes relataram que nunca tinham visto algo assim, tão suave que chegou a ter a sua beleza, pois a morte não existe e o que acaba é apenas o corpo, que é um instrumento do Espírito, da Alma que vive por meio dele, sendo necessário encarar o fenômeno com naturalidade.

Hora da despedida, nos abraçamos com o Dr. Heraldo e os irmãos presentes, choramos, manifestamos nossa gratidão a eles e a Deus!

E, como o abraço é a marca da Mariana, demos abraços bem apertados em todos que estavam na UTI; alguns choraram conosco lágrimas de emoções e consolo pelo fim de um ciclo.

Nova mensagem nos grupos de apoio: Irmãos e Irmãs, hoje a nossa menina Mariana libertou-se do corpo físico, retornando à dimensão espiritual, em paz, cercada de muito amor, com uma benção especial, abraçada em nós. Após desligada a assistência da UTI… o coraçãozinho simplesmente foi a 120 batimentos quando nos despedimos dela com declarações de amor, ouvindo uma musiquinha que ela cantava todo dia: “mãezinha do céu”, no Hospital Mater Dei (Mãe de Deus) sem um suspiro ou gemido, apenas uma lágrima… partiu na semana da Páscoa, que marca “a passagem do Senhor” e “a sobrevivência de Jesus para além da morte corporal”. Enfim, partiu como viveu, cercada de amor, nos dando uma belíssima lição nestes 9 anos, 8 meses e 4 dias em que ficou entre nós. Agora, a família espiritual está em festa do outro lado da vida e ela vai poder dar seus inesquecíveis abraços apertados por lá. Amanhã, o corpinho será velado no memorial da Igreja da Boa Morte, provavelmente das 7h às 9h. Fiquem com Deus, lembrando que ao final, resta a fé, a esperança e o amor, dos quais o AMOR é o maior!

Volta para o interior, velório rápido no início da manhã, centenas de pessoas vieram se despedir dela e manifestar suas condolências, abraços apertados novamente, despedidas e o sepultamento do corpo no cemitério municipal, simbolicamente situado na “Igreja da Boa Morte – Nossa Senhora da Assunção”; ao final, um até breve pois a vida continua aqui e nas demais dimensões da humanidade.

Milhares de mensagens nas redes sociais, de solidariedade e fraternidade, que foram respondidas aos poucos. A partida dela causou uma certa “comoção” na pequena cidade, pois nossa cultura ainda tem dificuldades em aceitar a morte, principalmente quando ela é aparentemente prematura…

Depois, o luto, a disciplina para converter a dor, a saudade, a “perda” em lições para a evolução, para o aperfeiçoamento íntimo, o reconhecimento de que nada controlamos, somos impotentes diante da morte, precisamos aprender a humildade e a resignação, estimulados em direcionar as energias ao serviço em benefício do próximo, para a caridade, pois os que ficam merecem o mesmo amor que devotamos aos que partiram.

Embora a dor seja inevitável, o sofrimento é facultativo, pois este dependerá da forma como lidamos com aquela, pois toda crise é fonte sublime de renovação para os que sabem ter esperança.

Diante da morte, emerge mais uma vez aquela antiga dicotomia: ser ou não ser? Há o porvir ou o nada?

O luto costuma ter suas fases, que às vezes ocorrem em um mesmo dia ou em lapsos de tempo: negação/fuga; culpa/medo; revolta/indignação; solução/ressignificação.

Na negação, não aceitamos o fato, esperamos que seja um pesadelo e que iremos acordar em breve e aquilo não terá acontecido, fugimos da realidade.

Na culpa, projetamos a responsabilidade pela morte em nós mesmos (se tivéssemos feito algo, ou se tivéssemos deixado de fazer…); também costumamos imputar a culpa aos que participaram do processo e aqueles que, na nossa ótica, teriam sido omissos; desenvolvemos o “monoideísmo” e o medo de lidar com a situação (como será daqui para frente?).

Na revolta, não aceitamos que tenha acontecido conosco, duvidamos da existência de Deus e de Sua Justiça, dizemos que foi uma “fatalidade”, um “acaso”, enfim, não aceitamos a morte, ficando indignados com o acontecimento.

Na solução, aceitamos o fato que não podemos mudar e podemos escolher como vamos conduzir a dor, integrando-a, ressignificando-a e transformando-a em uma saudade positiva, lembrando os bons momentos e as lições que toda esta forte experiência nos traz, vivendo o luto, sentindo a falta da convivência, mas aprendendo a lidar com a “perda”.

A história da Mariana é mais uma daquelas que comprovam sermos transeuntes, impermanentes e que temos a alternativa de entender que tudo tem uma finalidade justa, que a vontade e os planos de Deus prevalecem sobre os nossos; que nada acontece ao acaso; que a vida continua nos diversos planos da humanidade no multiverso.

Quem de nós estava aqui, no corpo, há um século? Quem de nós estará aqui, no corpo, no próximo século?

Por sermos teístas, a fé (confiança, certeza em Deus) nos sustenta, pois sabemos que a vida plena ocorre fora deste plano físico, não perdemos a nossa individualidade e sobrevivemos espiritualmente após a morte do corpo.

Foi o momento do testemunho da fé, da entrega profunda à Vontade de Deus, de nos colocarmos integralmente ao sustento Dele, de reconhecer a nossa fraqueza e nossa completa necessidade de Sua Graça.

A dor da separação é indescritível, uma parte de nós que morre junto com a criança amada que nos deixa em tenra idade. É uma dor que transcende os sentidos. Contudo, nossos filhos vêm através de nós, mas não nos pertencem, são filhos de Deus e nós co-criadores com Ele.

Porém, maior que a dor é o amor que une de forma indestrutível os elos entre as almas e a misericórdia divina dá o sustento para continuarmos a jornada terrena, contando com o concurso do tempo, que contribui para aquisição das grandes lições da transitoriedade.

Sigamos em frente, vivendo todos os dias por ela, por nós e pelo próximo, não nos deixando “morrer” pelo ocorrido, continuando nossas missões terrenas, pois em breve, estaremos todos juntos.

Por fim, o que fica para sempre, é o AMOR!

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