História de Nossa Terra: O primeiro sistema de abastecimento de água de Barbacena
Capitaneada pelo Visconde de Carandaí, a antiga vila livrou-se do penoso serviço dos aguadeiros
Por Silvério Ribeiro
Barbacena, localizada no ponto culminante do planalto da Serra da Mantiqueira, a 1164 metros de altitude em relação ao nível do mar, encravada na região do Campo das Vertentes em Minas Gerais, sempre foi conhecida, principalmente no século XIX, pelo seu agradável clima, mantendo uma temperatura fresca mesmo durante o verão, entretanto, uma região difícil de se encontrar facilmente água de boa qualidade.
Atualmente o sistema de captação, bombeamento e distribuição de água do município de Barbacena se divide em duas grandes estações de tratamento, a mais antiga localizada no Alto do Santo Antônio, no Caminho Novo, e que tem suas origens no antigo sistema de abastecimento de água da cidade construído no início do século XX e a estação de tratamento mais nova, localizada no Alto da Tijuca, inaugurada no final dos anos setenta, no primeiro governo do prefeito Vicente Araújo.
Considerando os aspectos tecnológicos do século XIX e início do século XX, torna-se mais fácil compreender as dificuldades vividas por nossos antepassados. As gerações dos anos 1950-60 ainda se lembram da constante falta d’água na cidade e em relação à irregularidade do sistema de abastecimento.
O professor Altair José Savassi, em 1952, descreveu em detalhes o precário sistema de distribuição de água existente em Barbacena em fins do século XIX, conforme publicado pela Gazeta de Barbacena de 13 de março de 1881:
José de Souza Reis, através da imprensa, noticiou aos habitantes da cidade de Barbacena, a 13 de março de 1881, que comprou ao Sr. Manoel Carvalho dos Reis os seus animais e pipas para abastecimento de água potável, e bem assim que a água que forneceria era da nascente da propriedade do Sr. Albino, a melhor água daquela cidade.
O problema da falta d’água era notório em Barbacena, não apenas aos que ali viviam. Ainda, em 1868, o explorador e escritor britânico Richard Burton, em viagem ao Brasil, de passagem por Barbacena, citou a dificuldade de se encontrar o precioso líquido naquela cidade:
… também fica (a cidade) longe de água de boa qualidade, coisa que não é fácil em Barbacena. A melhor é fornecida por um chafariz situado na parte leste da cidade.¹
O atendimento às necessidades de fornecimento de água se fazia somente através de particulares, como o Sr. José de Souza que, buscava a água na fonte e a fornecia aos moradores da cidade e essa situação se manteve por muitas décadas desde meados do século XIX e o início do século XX, quando se montou o primeiro sistema permanente de abastecimento.
O Sr. Belisário Augusto de Oliveira Pena, o Visconde de Carandaí, conseguiu um empréstimo entre amigos e parentes seus, valor este que repassou à Câmara Municipal, sob a presidência do Sr. Carlos Pereira de Sá Fortes, para que a cidade pudesse construir o seu primeiro serviço regular de abastecimento de água, inaugurado em 30 de dezembro de 1882, ocasião em que foram construídos seis chafarizes e concedidas 120 penas d’água a casas particulares, orçada todas as despesas em 50:000$000 (Cinquenta Contos de Réis).²
O primeiro sistema de abastecimento foi construído para captar água a aproximadamente três quilômetros e meio de distância da cidade, do riacho do Galego, em terras pertencentes à Sra. Maria Antônia Velho.³ Os chafarizes que foram instalados, à época do Visconde de Carandaí, possuíam uma coluna sobre uma base em cantaria ligada a tubos de ferro fundido importados da Inglaterra que se conectavam ao sistema de bicas do Galego. As caixas de recepção se conectavam a pequenos reservatórios intermediários e cada chafariz tinha uma torneira, acionada conforme a necessidade de quem ali fosse buscar água. 4
A instalação das primeiras penas d’água não foi suficiente e tão logo a cidade continuou a sofrer com o problema de abastecimento. Em 1895, houve um contrato com a Companhia A. Suyeux e a Câmara Municipal de Barbacena, para a execução de obras e dos novos assentamentos de distribuição de água na cidade originados de outras nascentes, além da nascente do Galego. A principal dessas nascentes era a da Cruz das Almas. 5
Leone César, em 1980, afirma que a nascente da Cruz das Almas florescia entre as pedras e que sua água corria setenta metros dentro de um bicame – construção do século XIX – até um pequeno reservatório e daí encanada e por gravidade percorrendo quatro a cinco quilômetros até atingir a antiga Praça Dr. Jardim, situada no antigo Bairro da Glória, quando ali era a água armazenada em um reservatório de 300 mil litros, situado ao lado da Igrejinha da Glória, próximo a Escola Agrícola. A canalização, partindo deste reservatório, seguia até o centro da cidade proporcionando a instalação de um número maior de penas d’água para as residências da Rua XV de Novembro. 6
O serviço de geração e distribuição de energia elétrica foi construído em 1904 e somente por gravidade poderia ser concebido um sistema de abastecimento de água encanada, em 1882, que atendesse o centro da cidade. A instalação de bombas hidráulicas elétricas aconteceu somente após o ano de 1910, após a instalação da segunda máquina geradora na Usina de Ilhéus.
O bombeamento manual de água também era possível, destinado apenas para pequenos reservatórios e sob muito esforço físico. As casas de um ou dois pavimentos, principalmente aquelas situadas no centro da cidade, tinham duas caixas d’água de ferro, uma localizada no piso inferior e outra no telhado ou piso superior. Os aguadeiros traziam a água das nascentes em potes de barro, isto ainda no século XIX e, em vasilhames de ferro no início do século XX, despejando a água limpa na caixa inferior e bombeando manualmente o precioso líquido para a caixa superior.
O sistema de abastecimento de água construído em 1882 foi acrescido por um complexo maior, partindo de um manancial localizado em Pinheiro Grosso, que era canalizado e trazia água por gravidade para o reservatório do Botafogo, edificado no Alto da Boa Vista. A tubulação que partia deste reservatório, se manteve intacta por décadas, abastecendo o centro da cidade.7
A data de construção do reservatório do Botafogo não nos foi possível precisar e temos somente a afirmativa de Leone César de que o prédio do reservatório foi mesmo construído na século XIX e, provavelmente, a adutora de Pinheiro Grosso tenha sido construída pela Companhia A. Suyeux, cujo contrato citado anteriormente, foi firmado com a Câmara Municipal em 1895.
No Alto da Fábrica, atual Bairro São José, existia outro reservatório, este com capacidade para armazenar 700 mil litros d’água e que foi construído no final da década de 1970. No trabalho de demolição do antigo reservatório menor ali existente foi empregado até dinamite. Leone César afirma que provavelmente este reservatório antigo bém teria sido construído em fins do século XIX. Massena, em 1985, parece nos confirmar tal afirmativa nos informando que o local vulgarmente era chamado de Caixa D’água, espaço próximo onde hoje se localiza a Basílica de São José Operário.
O certo é que, em 1911, já existia um sistema maior de tubulações que atendia inclusive a Praça Conde de Prados, com duas horas de água/dia, o que equivalia a aproximadamente 100 litros de água diários por residência. O serviço de distribuição não era satisfatório e para se ter uma ideia clara da situação, às 10 da manhã o registro era aberto para fornecer água à Praça Conde de Prados, sendo fechado às 12 horas, para que a água pudesse ser direcionada para a Rua José Bonifácio.
Na Câmara Municipal, em 1911, existia planta, orçamento e relatório sobre estudos realizados em um dos afluentes do Rio das Mortes, o Córrego do Cará, localizado no atual município de Alfredo Vasconcelos, onde constataram à época ter ali água de qualidade e quantidade suficientes. O projeto previa um vultoso investimento que atenderia no futuro população dez vezes maior.
A Represa do Cará teve sua obra iniciada somente em 1941, juntamente com a construção da primeira estação de tratamento de água inaugurada em 1947. Até esta data, a água da cidade não recebia qualquer tipo de tratamento químico e o trabalho da municipalidade consistia em dar condições de se canalizar e filtrar a água das nascentes até as residências, eliminando o antigo e dispendioso trabalho dos aguadeiros.
NOTA DA REDAÇÃO: Silvério Ribeiro é Pesquisador e Escritor.
Notas:
1 – BURTON, Richard Francis. Viagem do Rio de Janeiro a Morro Velho. Editora Itatiaia. São Paulo, 1976, pág. 87
2 – MASSENA, Nestor. Barbacena: a terra e o homem – Belo Horizonte. Imprensa Oficial, 1985. Volume II, pág. 288.
3 – Gazeta de Barbacena, Barbacena. Edição de 9 de outubro de 1881, pág. 2.
4 – Ibid. Edição de 26 de agosto de 1883, pág. 2
5 – Ibid. Edição de 2 de janeiro de 1883, pág. 3
6 – CÉSAR, Leone. A Política e o Problema do Abastecimento de Água em Barbacena. Gráfica e Editora Cidade de Barbacena. 1980, pág. 13.
7 – Ibid.,pág. 9.
Fontes:
Livro:
RIBEIRO, José Silvério. História Econômica do Município de Barbacena. 2012. Editora Cidade de Barbacena.
LEIA TAMBÉM:
História de Nossa Terra I: Domingos da Fonseca Leme e a Borda do Campo
História de Nossa Terra II: O casebre e a capelinha do Campolide
https://barbacenaonline.com.br/historia-de-nossa-terra-ii-o-casebre-e-a-capelinha-do-campolide/
História de Nossa Terra III: Os Inconfidentes da Borda do Campo
https://barbacenaonline.com.br/historia-de-nossa-terra-iii-os-inconfidentes-da-borda-do-campo/
História de Nossa Terra IV: A fantástica versão do resgate de Tiradentes
História de Nossa Terra V: A Belíssima Dama da Fazenda da Cachoeira
https://barbacenaonline.com.br/historia-de-nossa-terra-v-a-belissima-dama-da-fazenda-da-cachoeira/
História de Nossa Terra: A Fábrica da Mantiqueira
https://barbacenaonline.com.br/historia-de-nossa-terra-a-fabrica-da-mantiqueira/
Comunique ao Portal Barbacena Online equívocos de redação, de informação ou técnicos encontrados nesta página clicando no botão abaixo: