É bom parar e arrumar a casa

Jairo Attademo

Hoje é dia de faxina e de colocar as coisas em seus devidos lugares.

É que eu venho escrevendo aqui há algum tempo e, dias atrás, fiz algumas visitas ao que já publiquei e encontrei dois pontos que, analisados friamente, estavam meio fora de lugar por não dizerem o que exatamente eu penso.

É preciso faxinar para o bem da minha consciência.

Um dos pontos foi sobre o trânsito caótico do Cairo, no Egito, e como isso “pode ser divertido”.

Outro foi sobre “olharmos o passado com as lentes de hoje”, pois “não somos as mesmas pessoas dos séculos de colonização”.

OS TUC-TUCS NO TRÂNSITO CAÓTICO

Vamos então ao MEA-CULPA 1:

De fato, o trânsito do Cairo é um mistério para nós, que nos acostumamos a seguir regras específicas sobre sinais, faixas, rotatórias, cinto de segurança, ultrapassagem, velocidade e estacionamento.

Para nós, dirigir naquela metrópole egípcia pode ser um pesadelo, quase uma aventura suicida. Para os motoristas de lá parece ser normal.

Eu tenho uma teoria sobre isso e não me aprofundei direito quando escrevi lá atrás: os motoristas do Cairo nunca se estressam porque não há tanta rigidez nas regras e na fiscalização. Calma, eu explico.

Segundo a teoria que tirei sei-lá-de-onde, a rigidez de nossas normas, fiscalizações e multas faz de cada um de nós meio que um fiscal do comportamento alheio (se eu tenho de seguir, por que aquela não segue? Vou xingar!).

Lá uns ajudam os outros com pequenas buzinadas que parecem, em vez de agressividade, qualquer coisa como “estou aqui, cuidado”, “vai em frente, eu espero”.

Há uma certa harmonia naquela zoeira aparentemente desregrada. São carros, caminhões, camionetes, micro-ônibus, tuc-tucs, motos, triciclos (e qualquer outra coisa que tenha rodas) andando em ziguezague, costurando e quase encostando uns nos outros.

Quase, não. Encostam e muito.

Apesar daquele caos ser aparentemente divertido, a Organização Mundial da Saúde informou que o Cairo é uma das cidades do mundo com o maior número de acidentes de trânsito, que faz, anualmente, mais de doze mortes para cada cem mil habitantes.

Regras duras e “chatas” não estão por aí à toa. Mesmo estressando motoristas, que se vigiam e se xingam, a legislação e a fiscalização na Europa contribuem para reduzir a taxa de acidentes. Por aqui a média anual de mortes no trânsito ronda entre 3 e 5 para cada cem mil habitantes.

Já no Brasil, apesar dos números – aleluia – estarem caindo, as mortes por acidente de trânsito passam de 16 pessoas por cem mil habitantes anualmente. É uma chacina. Por incrível que possa parecer, São Paulo não é a culpada, pois apresenta, por ano, pouco mais de 6 mortes em acidentes de trânsito para cada cem mil pessoas.

A fiscalização é forte, as multas aparecem, mas a desatenção, o uso de álcool ao dirigir, o desrespeito à sinalização, o excesso de velocidade e o sono são as cinco maiores causas de acidentes em nosso país. As informações não são minhas, mas do IPEA, Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada.

Está bem, o trânsito na Europa é bem melhor, é um Continente organizado, cultural, tecnológico, histórico e lindo, mas nem tudo é maravilhoso por aqui.

Há problemas, como falta de diversidade, racismo disfarçado (às vezes nem tanto), ascensão de uma direita ultraconservadora resistente à flexibilização das políticas migratórias e, agora, uma guerra na Ucrânia logo após a pandemia, tudo contribuindo para o aumento nos preços de quase tudo e uma crise energética impensável há menos de quatro anos.

No entanto, muitos latino-americanos, asiáticos e africanos continuam sonhando com uma vida na Europa, longe dos graves problemas estruturais que existem em seus países, e que foram provocados pela colonização… europeia. Por isso, segue a…

A BELEZA NÃO VALORIZADA

MEA-CULPA número 2:

Num outro artigo, sobre xenofobia, eu dizia que as pessoas de hoje não são as mesmas dos tempos da colonização e que, portanto, precisávamos ver o mundo com as lentes do conhecimento de agora. Eu quis falar sobre a importância da inclusão para um futuro melhor, trazido pela diversidade, não apesar dela.

No entanto, lendo recentemente alguns pensadores atuais, senti um frio na espinha e dei-me conta que aquela escrita parecia dizer que deveríamos esquecer um passado colonizador que enriqueceu muita gente através do sofrimento de muitos mais.

Alguns de nós herdamos privilégios que usamos há séculos e nem nos damos conta, enquanto outros mal têm os seus direitos mais básicos respeitados. Todos herdamos o espólio do período das colonizações, uns recebendo muito e outros, até hoje, nada. Ou quase nada.

Vão me dizer que os povos originários do Brasil são culpados pela vida que seus descendentes têm hoje? Ou que os escravizados vindos da África se ofereceram para tomar chicotada em troca de um dinheirão para os seus descendentes? Papo furado.

Já está ficando antiga a discussão sobre as compensações que os países colonizadores devem dar aos colonizados. Alguns ensaios até acontecem, como tímidos pedidos de perdão ou devolução de obras de arte e artefatos históricos saqueados.

É pouco. Há aqueles que defendem a ideia de não pagar nada porque não fizeram nada, enquanto outros acham necessário fazer alguma coisa. E isso vai longe.

Os europeus precisam sinalizar que não concordam com o que seus ancestrais fizeram. Já sabem que houve muita dor, embora haja propaladores de um pensamento excludente e populista, por notória ignorância, maldade ou medo de perder privilégios.

Hoje vivemos sob uma luz infelizmente bruxuleante de paz e democracia, mas há muitos que se esforçam para convencer os demais a aceitar e abraçar os ex-colonizados.

CENAS QUE NUNCA DEVIAM TER EXISTIDO

A ideia de hoje foi deixar claro que: 1 – defendo a importância de regras rígidas para domar a violência no trânsito, pois isso evita morte e invalidez. 2 – ao me referir às diferenças entre pessoas de ontem e de hoje, a ideia era o combate a xenofobia, pois o fato de não sermos as mesmas pessoas é que nos faz entender muito bem quem sofreu e quem fez sofrer. Só assim o futuro poderá ser mais justo.

JAIRO ATTADEMO é de Barbacena. É advogado, trabalhou nas rádios e jornais da Região e foi da indústria farmacêutica, onde treinou mais de mil profissionais. Hoje colabora com a TV Diversa e com o jornal Contato Direto da Sucesso FM, apresentando o boletim internacional às segundas, quartas e sextas-feiras.

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