Utopias de um andante

Marcelo Antônio Rocha de Oliveira

Em pleno século XXI, o sonho do país do futuro parece bem longe de se materializar. Andar a pé pelas ruas de Barbacena me dá uma pista de que não estamos tão evoluídos quanto acreditávamos que estaríamos trinta anos atrás.

O trânsito da nossa cidade não faz muito sentido. Os veículos, que deveriam nos servir, são os protagonistas das ruas, como se tivessem vida própria. Em muitas vias, quando há calçadas, ou são muito estreitas, ou escorregadias e esburacadas. Veículos, especialmente motocicletas, circulam a velocidades incompatíveis. Passam entre o meio fio e o quebra-molas, quando não os saltam. Como em uma corrida de obstáculos, ultrapassam os outros veículos, tirando tinta dos retrovisores. O risco de atropelamento é grande, como no recente acidente ocorrido na Praça Iolanda Maia no Caminho Novo, que infelizmente vitimou um pedestre que tentava atravessar a rua.

Em dias de chuva, e choveu muito nos últimos meses, o caos se instala. Até para ir à padaria, no quarteirão ao lado, as pessoas vão de carro. Grandes poças d’água e enxurradas obrigam os pedestres a realizar desvios para dentro da pista. Nem debaixo de chuva os motoristas diminuem a velocidade, espirrando água em quem se arrisca a andar a pé pelas famigeradas calçadas. As pessoas nos pontos de ônibus não tem onde se esconder da água que vem de todos os lados, e nem do sol nos dias mais quentes.

Atravessar as ruas quase sempre é uma aventura. As faixas de pedestre são apenas enfeites para muitos motoristas. Sempre com pressa, esquecem que, quando estacionam e desembarcam, também são pedestres e precisam circular a pé pelas vias. Nem mesmo crianças e idosos esperando para atravessar são capazes de amolecer seus corações. Inebriados, seguem na tresloucada corrida contra o tempo. Sobra até para os motoristas de carros que precisam redobrar a atenção para desviar dos buracos. Não podem mudar muito a direção, já que as motocicletas os cortam por todos os lados.

Andar de bicicleta, então, é uma aventura ainda mais perigosa e pouco convidativa. Muitos motoristas as ignoram nos cruzamentos, buzinam e as espremem na lateral da pista. Nos semáforos ocorre outro fenômeno: se os ciclistas respeitam e param, como devem, quando o sinal abre, os motoristas não têm paciência de esperar que arranquem. Buzinam. Alguns xingam.

Um dilema específico se apresenta para os ciclistas barbacenenses. Como há muitas ladeiras, a bicicleta perde rapidamente o embalo. Acuados e com medo de atropelamentos, a maioria opta por pedalar no canto da via, já que cortesia não costuma ser uma qualidade dos motoristas locais. Contudo, geralmente, a estratégia não se revela acertada devido à presença de valetas, bueiros, buracos e a proximidade da guia da calçada, que aumentam o risco de quedas. Isso ocorre mesmo em trechos planos, o que induz muitos motoristas a acreditar que os ciclistas devem de fato encostar para que acelerem seus veículos. Na verdade, ignoram completamente o Código Brasileiro de Trânsito que diz que devem manter a distância mínima de 1,5m das bicicletas, bem como reduzir a velocidade em caso de ultrapassagem e que fazer diferente disso configura infração de trânsito. Na prática, contudo, não há fiscalização e pouca gente se importa.

De forma análoga às cidades, viajar pelas rodovias brasileiras é um filme não muito bonito de assistir. As estradas são caóticas. Muitas não possuem acostamento em muitos trechos. Se um carro quebra, fica literalmente dentro da pista. É um ambiente hostil, onde pedestres estão desconvidados. Alguns ciclistas se aventuram, inclusive pela contramão. O risco é grande. Grandes caminhões dominam o cenário, em especial nas rodovias mineiras. Como mamutes na savana em um estouro de manada, obrigam os motoristas de veículos pequenos a ficarem espertos. É preciso evitar sua proximidade, sob o risco de ser pisoteado. Eles “comem” faixa, fecham ou trocam de pista sem dar seta, apertam veículos menores nas muretas. As pistas, mesmo muito precárias, servem de treinamento para aspirantes a piloto de competição. Se os caminhões estão a 100 km/h, imagine os veículos menores. Se a placa diz “velocidade máxima 110 km/h”, andam a 140, se a curva é fechada, diminuem para 100. Carrões de todos os tipos ultrapassam pela direita sem qualquer constrangimento. Nos pedágios, se um novo guichê abre, quem está chegando depois acelera, outros trocam de faixa, ignorando quem já está na fila. O que vale é levar vantagem. A lei do mais esperto vale em toda parte.

Por essas e por outras, já nem gosto muito de dirigir. Aprecio muito mais quando o carro estaciona e posso ir a pé. Aliás, andar é terapêutico para mim. No caminho, independente do destino, vejo a cidade e encontro pessoas que passam despercebidas quando estou dirigindo. Outro dia encontrei um amigo que não via há tempos e conversamos longamente. Papear é um prazer insubstituível. Não à toa, os bares da cidade costumam ficar cheios. São refúgios que promovem encontros, coisa que fazíamos nas ruas mesmo, mas que hoje são momentos cada vez mais raros.

Em muitos aspectos, retrocedemos como sociedade, principalmente em questões e causas coletivas. É insustentável o modelo atual de trânsito cuja proporção é de uma pessoa e, às vezes, uma criança por veículo. As nossas ruas estão entupidas de automóveis. Elas precisam de alívio, de ar para respirar. Os bichos devem nos olhar e pensar: – olhem eles. Julgam-se tão inteligentes, mas jogam lixos das janelas dos carros, xingam os outros no trânsito. Buzinam raivosos e estão sempre com pressa…

Em meus devaneios utópicos, imagino a maravilha que seria embarcar em um trem de passageiros na nossa linda Estação Ferroviária de Barbacena e desembarcar no Rio de Janeiro, como nossos avós faziam, há cem anos. E lá chegando, alugar um veículo de passeio e seguir para o litoral. Imagino também um bonde de passageiros descendo pelo canteiro central do pontilhão e seguindo em direção ao centro e bairros. Muitas crianças indo juntas e felizes para a escola, também em ônibus e vans escolares modernas e confortáveis, substituindo o individualismo moderno cuja crença é que ser independente é não depender de nada, nem de ninguém.

Há quem diga que não estamos interessados, que só queremos saber de nós mesmos. É verdade que estamos viciados nas novas tecnologias e andamos por aí perigosamente olhando para telas, como hipnotizados, imersos em mundos virtuais que nem são de verdade. Pior, dirigimos olhando para elas. Temos dado mais atenção para quem está longe, enquanto não vemos, nos esquecemos ou nos distanciamos de quem está fisicamente próximo de nós. Tudo isso alimenta a nossa individualidade. E estamos mais agitados, irritados e reclamando de tudo. Há um certo consenso de que a vida está mais difícil, cara e perigosa e que do jeito que está, não está bom.

Mas, será mesmo que perdemos nossa capacidade de viver coletivamente e em harmonia, como faziam nossos ancestrais? Acredito que não. A natureza, os animais, as plantas, as árvores, o planeta estão a todo momento dispostos a nos ensinar a nos reconectar à sabedoria ancestral que nos habita. Ela está apenas inerte, como um vírus incubado, esperando ser reativada. Também as crianças nos ensinam. Basta ver como se misturam sem preconceitos. Sabem que somos seres integrados, que vivemos juntos em comunidades.

Destarte, a oportunidade de fazer diferente apresenta-se para nós todos os dias. A pergunta, contudo, é o que podemos fazer de diferente em termos práticos. Talvez, um bom começo seja estabelecer um propósito, como ensina Napoleon Hill em sua obra fenomenal Mais esperto que o Diabo. Sem objetivos, nos ensina, andamos em círculos, em um looping infinito. Assim, traçar um objetivo inicial pode ser o primeiro passo: o que queremos ser, onde queremos chegar como sociedade, como comunidade? Por exemplo, queremos o caos no trânsito ou podemos ser melhores que isso? Um bom começo, talvez, seja definir como meta algo como devolver a cidade aos seus legítimos donos: as pessoas e porque não dizer, aos animais e plantas, já que os veículos, pelo menos por enquanto, são máquinas que ainda não têm vida, nem vontade própria.

Podemos pensar em muitas coisas como vias mais arborizadas, calçadas mais largas e bem cuidadas, ciclovias, mais faixas e travessias de pedestres. Em um olhar rápido para a nossa cidade, é possível visualizar o que perdemos com a estruturação e planejamento urbano. A garotada está frequentando os novos e “modernos” loteamentos, para empinar suas pipas e confraternizar. Será porque as praças dos bairros estão abandonadas? Não há quadras e espaços abertos que incentivem a prática de esportes e o encontro das comunidades, que possam reatar o senso de coletividade perdido. O que existe são espaços elitizados, novos e modernos para quem pode pagar. Mas, isso é outra coisa. A praça da Rua Bahia, por exemplo, nunca foi reformada. Sonhando um pouco mais alto, imagino o nosso parque de exposição transformado em um Parque Municipal moderno, arborizado e convidativo para a comunidade, onde possamos levar as crianças para brincar em um espaço aberto e adequado inclusive para a prática de esportes.

Enfim, cabe a nós pensarmos como agir para colocar nosso tijolinho na construção da cidade que desejamos. Fazendo como os investidores – que reza a lenda, vão do mil ao milhão – começando agora, quem sabe nossos netos já vejam alguma transformação.

NOTA DA REDAÇÃO: Marcelo Antônio Rocha de Oliveira é Servidor Público Federal – IF Sudeste MG, Campus Barbacena. Graduado em Administração. Especializado em Gestão Empresarial. Mestre em Educação Profissional e Tecnológica. Músico amador.

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