Uma leitura de Correia de Almeida dentro do contexto da Revolução Liberal de 1842

CORREIA DE ALMEIDA

 

ARAÚJO, Maria Marta. Com quantos tolos se faz uma república?: Padre Correia de Almeida e sua sátira ao Brasil oitocentista. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2007.

 

Resenha por José Geraldo Heleno.

 

Quando se fala em figura símbolo de Barbacena, quase sempre vem à memória o nome do Padre Mestre Correia de Almeida (Barbacena, 1820-1905) . Apesar disso, até hoje, inexiste uma edição atual de sua obra completa. Pouca gente, sabe de fato, quem foi esse padre escritor. Que  era um poeta satírico e irônico dizem alguns poucos que se deram ao trabalho de ler, pelo menos, parte de sua publicação. A obra completa de Correia de Almeida é praticamente impossível de ler, uma vez que seus escritos  andam dispersos por inúmeros lugares; e em qualquer um deles, ela não passa de alguns exemplares, muitas vezes, cópias. Não recrimino Barbacena por isso, uma vez que Correia de Almeida não é um ícone de interesse apenas desta cidade, mas de toda uma região – abrangendo Juiz de Fora, São João del Rei e outras cidades.  Mais ainda: a história de Correia de Almeida se confunde, em grande parte, com a história de Minas Gerais, e, quando o escritor é visto em sua participação nas disputas liberais do século XIX, é uma figura nacional.

Muitos concidadãos tentaram revolver a sombra, e trazer à tona a estatura de Correia de Almeida, numa louvável atitude de reconhecimento do poeta e de sua representatividade. Só que isto é uma tarefa que exige suporte financeiro e acadêmico, e a maioria dos que se propuseram a isso, fizeram-no quase sempre por uma iniciativa louvável, mas individual. Levar a termo um estudo abrangente de uma figura do porte de Correia de Almeida, com uma obra poética tão vasta, com suas imbricações políticas e históricas, é tarefa árdua, que exige dedicação, suporte acadêmico e financiamento.  O pesquisador tem que debruçar-se, como fez Maria Marta, sobre uma extensa bibliografia não específica, para juntar cacos, como na recuperação de uma peça quebrada de cerâmica.  Marta teve que desbravar um terreno deserto em referências bibliográficas específicas. Em muitas das obras citadas em sua bibliografia, foi necessária a leitura de muitas e muitas páginas para encontrar um pequeno trecho de parágrafo aplicável a CA.

Entender a obra de CA, como demonstra Marta Araújo, supõe entender toda a movimentação política no Brasil do fim do Império e dos inícios da República, começando pela crise por que passava o Império e as disputas políticas entre as diversas vertentes liberais e conservadoras. Barbacena estava plenamente envolvida nessas circunstâncias, o que se reflete na obra do Padre. A autora, em seu enfoque histórico-literário, mostra o quanto é oportuno e, certamente, indispensável o estudo simultâneo da obra do Padre, dos eventos que marcaram a Revolução Liberal de 1842, e das movimentações políticas que desaguaram na proclamação da República. Cada um desses enfoques é sempre parte do sentido dos outros. Compreendendo a obra de CA à luz dos esclarecimentos da autora, pode-se avaliar com certa precisão o papel de Barbacena na Revolução Liberal. Além disso, compreendendo-se a Revolução em seus desdobramentos, tanto em Barbacena, quanto no Estado de Minas como um todo, compreende-se melhor a obra do poeta satírico. O conjunto desses viés é indispensável  para corrigir mitos (positivos ou negativos) que possam envolver a história, ou as histórias.

O título de seu trabalho, “Com quantos tolos se faz um república?” , insinua tratar-se  de um estudo sobre A república dos tolos, poema herói-cômico-satírico, obra pela qual CA é mais conhecido. Acredito não ter sido esse o intuito da autora, quando elegeu o título. No entanto, é uma excelente isca. Mas termina aí, porque A república dos tolos não é por si só  a síntese – como mostra a autora – do pensamento de CA. Seu pensamento está diluído em todas os seus 23 livros. E os poemas que compõem 22 deles foram criados e publicados na medida em que os eventos políticos se iam sucedendo. A poesia era o veículo privilegiado através do qual CA expressava seu posicionamento e suas ideias sobre o que estava acontecendo na política. A república dos tolos é uma publicação num determinado momento de sua trajetória político-literária (1881). Possivelmente aquela mais comprometida com a poesia, com o classicismo de CA, enfim, com a arte literária, sem deixar no entanto de continuar política e satírica. O pensamento liberal de CA em momento algum ficou alheio ao que se dava na política brasileira.

A revolução liberal de 1842 – vista tanto pelos olhos das inúmeras fontes bibliográficas usadas por Marta, quanto pela obra poética de CA – parece um ensaio ao que viria em 1889, com a implantação da República, uma antecipação principalmente das consequências. Compreender essas coincidências pode ajudar na referência, tanto à Proclamação quanto à Revolução, evitando-se o uso de chavões sem a compreensão devida de sua significância.

Um aspecto importante que se vê na obra de Marta é também trazer à tona a prosa de CA, desconhecida de muita gente. Essencial para a compreensão do poeta. Artigos publicados no jornal O Farol de Juiz de Fora (periódico fundado em 1867 e transferido para Juiz de Fora em 1872), sob o título de “Correspondência de Barbacena” referidos no livro completam a compreensão  do pensamento do Padre, na medida em que contêm  posições claras e diretas de seu pensamento político e analítico sob os acontecimentos de seu tempo.

Cabe aqui ainda um elogio. A escrita de Marta é de absoluta correção. O texto flui ritmado, com muita clareza, o que demonstra total segurança na abordagem de seu tema; sem solavancos, o que poderia ocorrer sem as devidas concordâncias (sentido geométrico) na transição de uma citação para outra. Uma leitura muito agradável.

(JGHeleno, Barbacena, janeiro de 2021).

 

José Geraldo Heleno: Residente em Barbacena; membro da Academia Barbacenense de Letras; da AJL – Academia JuizForana de Letras. Professor universitário (aposentado); Escritor e Fotógrafo autoral; Auditor Fiscal da Receita Federal do Brasil (Após). Doutor em Estudos Clássicos pela USP; Mestre em Teoria Literária pela UFRJ/UFJF

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