O “Mercado da Tristeza” e por qual razão tratamos a tristeza como uma derrota?

Por Delton Mendes Francelino, coordenador da Casa da Ciência e da Cultura de Barbacena, Diretor do Instituto Curupira e coordenador do Centro de Estudos em Ecologia Urbana do IF Barbacena. Autor de dois livros. Contato: whats (32) 9 8451 9914

Dedico este artigo à minha amiga, Bethânia, e pela conversa que tivemos e que me estimulou a escrever sobre este tema.

É comum na sociedade contemporânea as pessoas negarem, ou não falarem, sobre a tristeza. Parece que dizer que se está triste, ou que se está passando por momentos de profunda tristeza, é uma derrota. É uma compreensão um tanto estranha, dada a complexidade que é ser uma pessoa e, cientificamente dizendo, um ser vivo extremamente complexo e com emoções e sentimentos tão profundos e variáveis. Não há padrões definitivos para rotular a tristeza; e nem toda tristeza é depressão. Mas estar triste com constância pode indicar a necessidade de investigação sobre depressão.

Falar de tristeza não é corriqueiro, mas, por outro lado, falar de estratégias mirabolantes e “simples” para lidar com ela é super comum. Parece que todos são especialistas quando o assunto é a vida do outro.  São vários os livros e até terapias que, mesmo sem nenhuma evidência científica, buscam auxiliar “a não deixar a tristeza vir, e nem ficar”. Somente nos últimos meses eu tive acesso a discursos e materiais que, sinceramente, são verdadeiros absurdos e que não sei como Conselhos Profissionais, como o de Psicologia, não tomam frente contra isso.

Em geral, o que se perpetua frequentemente, com diferentes abordagens, é que só é triste quem quer ser triste; ou que se você está triste é porque não está se esforçando, como outras pessoas, para ser feliz. E claro: coloca-se a felicidade como uma escadinha do sucesso, que você precisa correr atrás, trabalhar, trabalhar, para alcançá-la e mantê-la. Parece que a felicidade sempre está no futuro. Meritocracia para dar e vender, como se vê. E vende: livros e podcasts que falam sobre isso e falsas ciências, perpetuando discursos assim estão sempre entre os mais ouvidos e/ou comprados. Profissionais sem formação em graduações, como psicologia, medicina psiquiátrica, dentre outras,  também têm sido amplamente procurados. A tristeza, e a negação dela, como se ela fosse uma fraqueza nossa, virou mercado; virou fonte de renda para muita gente por aí. É um verdadeiro, e pérfido, mercado da tristeza.

Eu tenho passado por momentos profundamente tristes.  Percebo que, realmente, nesses momentos, ficamos fragilizados; extremamente fragilizados. Ficamos expostos a discursos vários que podem nos confortar. Tornamo-nos, muitas vezes, narcisísticos, egoístas, pois até culpamos outras pessoas pelos nossos problemas e nossos pesares e isso se torna uma espécie de “totem”; precisamos disso para “seguir em frente”.  É natural, eu acho, esse processo de culpar os outros. Por outro lado, natural, mas nada saudável é, com o passar do tempo, mantermos esta percepção. Chamo de “ritual da meritocracia”, esse roteiro tão apregoado por tanta gente de que “se você quer, você consegue”. Superar a depressão? Segundo as pessoas que perpetuam este “ritual”, que é quase um mantra, é só uma questão de querência: “nossa, mas tal pessoa passou pelo mesmo problema é não ficou assim, em casa e desanimado. Dá um jeito!”. Percebem como isso é grave? Eu não tive depressão diagnosticada, mas em meus momentos de profunda tristeza, por diversos motivos, encontrei em pessoas que confiava, este tipo de discurso. Raso e insensível. Cada pessoa é um universo e falas assim em nada ajudam.

Para piorar a situação, mesmo quando queremos falar sobre nossas tristezas, é difícil encontrar pessoas abertas a simplesmente ouvir. Isso é o que tenho notado, por experiência própria. As pessoas estão mais preocupadas em responder e falar de si mesmas e seus problemas, que ouvir, ou seja, antes mesmo de terminarmos de falar, elas já estão pensando na resposta que darão e, nossa, isso é péssimo. Ouvir e buscar entender o outro, para poder, então, oferecer acolhida, é fundamental. Percebo, em muita gente, a incapacidade de acolher. Terá esta sociedade, deste milênio, tornado-se a mais egoísta de todos os tempos?

Vivemos num mundo que é uma verdadeira fábrica de tristezas. As pressões, o trabalho, o modelo de sociedade, o capitalismo meritocrático, as relações amorosas, as relações entre pessoas em geral, a toxicidade do mundo acadêmico no Brasil, têm sido muito difíceis. Há anos trabalho com coletivos de pessoas e, percebo, que cada vez mais torna-se difícil coordenar grupos. Além disso (e aqui não há nenhum estudo científico sobre isso, então é pura opinião minha), percebo que em geral as pessoas têm se fechado em si mesmas para superar suas tristezas, lançando as pessoas que estão próximas e que lhes queriam bem, a um patamar de inoperância social. Na tristeza, precisamos de espaços, precisamos de outros tempos, mas o que mais me preocupa são os discursos de que “eu sozinho dou conta de todos os meus problemas”. Procurar ajuda psicológica, com psicólogos que tenham abordagens baseadas em evidências científicas é muito importante (tenho visto profissionais do campo que trabalham com constelação familiar e outras pseudociências,  dão orientações com base em crenças religiosas, e isso me preocupa).

Por fim, o fato é que todos passamos ou passaremos por momentos de tristeza. Alguns desses momentos serão mais constantes, outros virão e terão prazo de validade. Outros poderão acarretar em sentimentos e emoções que precisarão de ajuda profissional para serem lidados; e é sempre preciso ficarmos atentos à depressão. Se estamos num mundo que fabrica muitas tristezas, por que não lutarmos por um mundo que também fabrica felicidades? Não a felicidade do mercado, comprável e medível, mas esta que nos faz sentirmo-nos parte de algo, satisfeitos com quem somos? Seria uma utopia?

Apoio Divulgação Científica: Samara Autopeças e Jornal Barbacena Online

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