Deixar de Pagar Pensão é Crime? A visão do STJ sobre o Abandono Material

Ano novo, vida nova e… alguns velhos problemas de sempre! 

E a pensão alimentícia continua sendo um dos assuntos que mais atrai o interesse do leitor amigo. Entre dúvidas e mitos, eis que essa semana uma aluna egressa me perguntou: “-Professor, deixar de pagar pensão é crime?”

Antes de responder o questionamento da acadêmica, vamos a algumas curiosidades e esclarecimentos sobre o dever de prestar alimentos:

Posso dizer que não há o limite legal de trinta por cento dos rendimentos definidos em lei (Vide Art. 1.694, §1º do CC). Afirmo que a pensão não encerra automaticamente aos dezoito anos de idade do alimentado (é preciso ajuizar a ação de exoneração de alimentos). E rompendo a crendice popular, você não precisa acumulação três meses de alimentos vencidos para entrar com a execução e o pedido de prisão (Vide Súmula 309 do STJ).

Falando em prisão… não precisa ser sequer formado em Direito para saber que a dívida da prestação alimentar é a única hipótese hoje legalmente prevista para prisão civil, conforme previsto no Art. 528, §7º do CPC. 

Nenhum outro débito é punível com a perda da liberdade desde que o Brasil passou a ser signatário do chamado Pacto de San José da Costa Rica, tal qual podemos ver refletido na inteligência do Art. 5º, LXVII da Carta Magna.

Todavia, retornando à pergunta do título do artigo, seria possível, além da prisão civil, a cumulação de prisão penal por abandono material? 

Elucidando o tema, o Informativo nº 758 do Superior Tribunal de Justiça dá verdadeira aula sobre o inadimplemento de pensão configurar (ou não) o crime previsto no Art. 244 do Código Penal.

Oportuno portanto, observar o texto legal, devidamente grifado:

Art. 244. Deixar, sem justa causa, de prover a subsistência do cônjuge, ou de filho menor de 18 (dezoito) anos ou inapto para o trabalho, ou de ascendente inválido ou maior de 60 (sessenta) anos, não lhes proporcionando os recursos necessários ou faltando ao pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada; deixar, sem justa causa, de socorrer descendente ou ascendente, gravemente enfermo: (Redação dada pela Lei nº 10.741, de 2003)

Pena – detenção, de 1 (um) a 4 (quatro) anos e multa, de uma a dez vezes o maior salário mínimo vigente no País. (Redação dada pela Lei nº 5.478, de 1968)

Parágrafo único – Nas mesmas penas incide quem, sendo solvente, frustra ou ilide, de qualquer modo, inclusive por abandono injustificado de emprego ou função, o pagamento de pensão alimentícia judicialmente acordada, fixada ou majorada. (Incluído pela Lei nº 5.478, de 1968)

Assim, a dívida de alimentos, além da prisão civil, pode ensejar gerar um processo penal e consequentemente, outro tipo de prisão! Porém, o Superior Tribunal de Justiça já vinha decidindo que não é todo inadimplemento de pensão que configura o crime de abandono material. 

Em apertada síntese, o crime fica caracterizado quando o devedor tem condições para pagar e dolosamente é omisso quanto sua obrigação: 

“(…) para a imputação do crime de abandono material, mostra-se indispensável a demonstração, com base em elementos concretos, de que a conduta foi praticada sem justificativa para tanto, ou seja, deve ser demonstrado o dolo do agente de deixar de prover a subsistência da vítima”

(RHC 27.002/MG, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, 6ª T., DJe 18/9/2013).

E agora, com o Informativo nº 758 do STJ (publicado em Novembro/2022), transmite com maior clareza o que significa a “justa causa” para deixar de pagar pensão, sem caracterizar o crime prevista no caput do Art. 244 do CP:

Nesse contexto, aquele que não cumpre decisão judicial que fixou os alimentos por absoluta hipossuficiência econômica, verbi gratia, não pratica o crime estabelecido no art. 244 do Código Penal, porque presente a justa causa. Da mesma forma, o mero inadimplemento da pensão não é suficiente, por si só, para, automaticamente, justificar o oferecimento de denúncia ou a condenação pelo delito em comento. Do contrário, estar-se-ia diante de odiosa responsabilidade penal objetiva.

É dizer, o inadimplemento da pensão alimentícia apenas configura crime quando o agente possui recursos para prover o pagamento e deixa de fazê-lo propositadamente. É insuficiente, portanto, a mera afirmativa genérica de que o inadimplemento dos alimentos ocorreu sem justa causa. Tal assertiva deve estar comprovada com elementos concretos dos autos, pois, ao revés, toda e qualquer insolvência seria crime.

A contrário sensu, se as provas demonstrarem que a omissão foi deliberadamente dirigida por alguém que podia adimplir a obrigação – a partir, por exemplo, da comprovação de que o acusado possui emprego fixo, é proprietário de veículo automotor e/ou ostenta uma vida financeira confortável -, está configurada a ausência de justa causa e, consequentemente, o delito de abandono material.

(https://processo.stj.jus.br/jurisprudencia/externo/informativo)

Mas não vamos confundir “Pires de Oliveira” com “pratinho de azeitona”!

Embora deixar de pagar pensão não configure por si só um crime, isto não significa que a prisão civil do devedor de alimentos tenha sido afetada pelo Informativo do STJ!

Por exemplo: o desemprego pode até vir a ser considerado justa causa na esfera penal para livrar o devedor da fúria do Art. 244 do CP, porém a mesma causa de falta de renda não é necessária e automaticamente uma espécie de “salvo-conduto” para deixar de prestar alimentos na esfera cível! Fica a dica!

Ou seja: para searas diferentes, tratamentos e consequências distintas!

Enfim, comento: chega a ser simplório (porém não absurdo) dizer que é mais difícil ser preso criminalmente por abandono material (com pena prevista de 01 a 04 anos de detenção) do que ver “o sol nascer quadrado” por prisão civil (de 01 a 03 meses) decorrente de inadimplemento de pensão alimentícia!

Conclusão facilmente justificável, afinal o Direito Penal é a ultima ratio! Logo, a atual visão do STJ impede que o abandono material seja tão banalizado quanto infelizmente a prisão civil por alimentos acabou se tornando.

NOTA DA REDAÇÃO – Cícero B. Mouteira é advogado, professor universitário e de cursos preparatórios, Assessor Jurídico da PMMG e, deseja a todos os leitores amigos que Deus permita um 2023 absolutamente adimplente!

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