Caça palavra

Otávio Henrique

Estritamente por ser escritamente devoto,me delegava uma incessante caça às palavras que às vezes chegava a ser cansativa. Procurava-as por todo quanto, ficando à espreita como um predador esperando o momento do certeiro bote. Palavras eram e sempre serão fáceis de se achar, são meras embalagens para as intenções e expressões do cotidiano. Sempre achava uma e outra escondida em baixo do sofá,do lado de fora da janela, no espelho, na carteira vazia e até no vaso sanitário, mas eram sempre palavras filhotes ainda. Não possuíam muito sabor além do esqueleto. Preferia procurar outras com mais sulco para se sorver, músculos para se dilacerar, couro para me servir e sentidos para me deliciar. 

Engraçado que eu sempre achava que as palavras mais saborosas iriam estar à distância, assim como as árvores fazem com as jabuticabas, acerolas e carambolas nos galhos mais altos. O homem é o animal que mais aprimorou a técnica da caça à distância. Sua fraqueza e pouca agilidade, frente aos outros animais, foram incisivas para que se desenvolvesse instrumentos que pudessem atingir a presa e dispensassem o conflito corpo a corpo. Arcos e flechas, zarabatanas e estilingues são alguns exemplos das engenhosas soluções que foram pensadas. E eu, tentava atingir as mais longínquas palavras com todos os instrumentos possíveis. Sondava com binóculos, ficava de vigília, fazia arapucas… mas as palavras sempre escorregavam das armadilhas e desviavam das minhas investidas. 

Um dia, estava faminto e sem forças. Precisava escrever mas não tinha caçado nenhuma palavra que pudesse sustentar as fibras dos meus versos. Desfalecia em fraqueza de espírito e carne, enquanto via as distantes palavras dançando (como se fosse para me provocar). Caí ao chão, procurando forças em alguma migalha de palavra… e achei uma semente de verbo. Não deu para ler qual verbo era, mas parecia o verbo “cultivar”. Lembrei que antes da caça, a natureza sempre fartou em cultivos. A terra sempre embalou tudo do pouco que a gente conhece e nomeou com palavras, do início ao fim. Fui levar a semente de cultivo à boca, perdi as forças e ela escorregou e caiu no meu peito. Minhas pupilas dilataram e me saciei do gosto de palavras únicas, orgânicas e artesanais. Levantei e ,ao invés de olhar as distantes palavras, olhei para o solo onde meus pés se firmavam. Desde então, preferi o cultivo ao invés da caça. Por isso hoje falo, que palavra lavrada no solo do peito… sempre achará um jeito de brotar poesia.

⚠️ A reprodução de conteúdo produzido pelo Portal Barbacena Online é vedada a outros veículos de comunicação sem a expressa autorização. 

Comunique ao Portal Barbacena Online equívocos de redação, de informação ou técnicos encontrados nesta página clicando no botão abaixo:

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Aceitar Saiba Mais