Humanidade, natureza e crise climática

Por Delton Mendes Francelino

Muitas pessoas dissociam o ser humano da ideia de natureza e, não raramente, compreendemos o “mundo natural” como um fator externo, algo do qual não fazemos parte. Tal discussão, uma vez ampliada, pode revelar as raízes para grande parte dos problemas ambientais mundiais, inclusive a crise climática e até o despontar do próprio Sars Cov 2, o novo coronavírus, que não é um problema apenas de saúde pública, mas também, ecológico.

A perda de valores ambientais

Sabe-se que muitos povos antigos tinham uma relação profunda com a natureza: entendiam as estações do ano com maestria, o ciclo das águas, o ritmo de vida de muitas espécies de seres vivos e, claro, de seu grupo social. Entretanto, desde a Revolução Industrial, ocorrida no século XIX, notou-se, além do crescimento das cidades, do tecido urbano e da quantidade de indivíduos no planeta, o aumento do abismo entre a noção de pessoa, humanidade e a compreensão de natureza. Por que não dizer: começamos a perder muito mais valores ambientais milenarmente construídos.

A sociedade passou a se estruturar num ritmo industrial que se perpetuou rapidamente por todo o globo, lançando perspectivas de trabalho, cultura, educação e consumo nunca antes vistas, alçando novos modos de convívio e práxis sociais. Pouco tempo depois, já no século XX, com o advento de tecnologias, aprimoramento de veículos automotores, eletrodomésticos, rádio e TV, por exemplo, o modo de vida tipicamente urbano se transformou, diferenciando-se muito da maneira como as pessoas viviam e compreendiam a si mesmas e as relações socioambientais um século atrás. Sem dúvidas, a Revolução Industrial, associada a outros movimentos, foi elementar na estruturação da ideia da natureza como uma fonte de recursos, algo que apenas usamos e descartamos.

Conceber a natureza como algo externo, dissociado de nós, é um erro e tem consequências graves

Hoje, entrando na terceira década do século XXI, o que se vê é um hiato entre a necessidade de conservar regiões do planeta onde há riqueza natural e a urgência das pessoas compreenderem a dinâmica da vida, perceberem a Terra como um todo indissociável de nossa espécie. Nesse sentido, algo que é muito negativo é o fato de que estamos culturalmente alicerçados na concepção de natureza como uma ideia abstrata, de tal forma que, por exemplo, quando afirmamos que a humanidade é uma espécie animal, mamífera e primata, muitas pessoas se assustam e até contra argumentam severamente. Claro, aspectos religiosos não podem deixar de serem mencionados, principalmente após o fortalecimento de algumas vertentes nos recentes anos, mas, a verdade é que um resgate, um retorno à uma associação profunda entre nós, sapiens sapiens, e a complexidade natural da qual fazemos parte, é elementar para a construção de uma sociedade de futuro que seja crítica, sensível e aberta às perspectivas de sustentabilidade.

A crise climática, sem dúvidas, é um dos temas que mais dificilmente é compreendido pelas pessoas e, de certa forma, não é culpa delas. Não fomos estimulados a pensar, sentir o planeta como parte de nós e nós como parte dele. Entender, perceber no dia a dia, fenômenos naturais que são globalmente formados, ou decorrentes, como os relacionados ao clima, é algo não só incomum, mas praticamente impossível de ser projetado por muita gente. A solução para isso não é fácil, mas acredito que, em primeiro lugar, precisamos transformar o conhecimento científico em políticas públicas, investindo, inclusive, em divulgação de ciência e educação. Depois, e até mesmo concomitantemente, é fundamental investir na formação de lideres, tomadores de decisões, governantes que tenham consciência ambiental. Se não conciliarmos ciência, divulgação científica à elaboração de políticas públicas e formação de líderes conscientes, dificilmente teremos boas perspectivas para o futuro e, até mesmo, para o presente de nossa espécie e da ampla maioria das formas de vida existentes na Terra. Sensibilidade, respeito e compreensão holística da natureza e de nossa espécie são alicerces fundamentais que definirão como será o nosso futuro nesse planeta.

NOTA DA REDAÇÃO – Delton Mendes Francelino é Biólogo, Linguista, professor e pesquisador. Coordenador do Centro de Estudos em Ecologia Urbana do IF Barbacena e Diretor do Instituto Curupira

Apoio divulgação científica: Samara Autopeças e Jornal Barbacena Online  

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