Pandemia, pandemônio e a peste

A Crônica de Francisco Santana

O novo coronavírus está preocupando a nossa população que se resguarda em suas casas dos seus ataques que vem matando milhares de pessoas. Mesmo com essa mortandade, há quem prefira burlar o isolamento social para perambular pelas ruas sem o uso de equipamentos de proteções individuais propagando a doença que ainda não possui medicação para sua cura. O que me impressiona é que mesmo confinados, encontramos momentos de humor e descontração que nos aliviam da ansiedade, estresse, medo e dos pensamentos negativos.

 

Batíamos em casa um papo descontraído sobre a peste quando o meu neto, Bernardo, 3 anos, muito atento e questionador me perguntou se eu era velho. Eu lhe respondi que eu era um idoso. Ele me olhou com tristeza e quase chorando me perguntou: “Quer dizer que você vai virar uma estrelinha igual ao Léo?” Léo é nosso cachorro que morreu há um mês e que para ele só aparece à noite em forma de uma estrela. Diante da sua percepção, mudamos de assunto.

 

No meu isolamento a televisão tem sido minha parceira. Já assisti a mais de 20 entrevistas com médicos de várias especialidades que nos ensina como lavar as mãos, o uso correto das máscaras e como evitar contrair o vírus. Tem máscara confeccionada até de cueca. Você já percebeu a ênfase de alguns comunicadores quando se relata o número de mortos por países? Espanha “X” mortos; Estados Unidos “Y” mortos; Itália “S” mortos e Brasil “F” mortos. Um colega me disse que a mídia só falta dizer que bateremos o recorde mundial com mais 100 mortos. “Será em que Estado da nossa federação morrerá o centésimo testado positivamente para o corona? Envie a sua resposta para a nossa redação pelo telefone, twitter ou pelo facebook. Vamos lá, Brasil, rumo ao recorde mundial!. Aguardamos o seu voto”.

 

Num telejornal, a apresentadora perguntou a um médico se a prática sexual é proibida nessa fase de pico do coronavírus. O médico sorriu, elogiou a pergunta e disse que o sexo pode ser praticado naturalmente, mas que devemos tomar cuidado com a boca, com a língua por causa da saliva. A apresentadora deixou escapar uma palavra labial: “Impossível!”.

 

E o pico da doença? Até então eu só tinha ouvido falar dos Picos do Monte Everest, Neblina, 31 de março, Bandeira e das Agulhas Negras. O do coronavírus só vamos conhecer sua altura e consequências lá pelo segundo semestre. Quem viver, verá. Os isolados estão se modificando fisicamente, já percebeu? Tenho visto muitos homens e mulheres de cabelos brancos, descorados e amarelos. Tem mulheres aderindo à moda de unhas enormes à lá Zé do Caixão. Como faz falta em tempos de isolamento social um salão de beleza funcionando! Quem era magro está gordo, quem era gordo está um balofo. Os meus parcos cabelos cresceram tanto que me apelidaram de João Felpudo (personagem do livro As mais belas histórias) e de Beato Salu (personagem vivido por Nelson Dantas na novela Roque Santeiro).

 

Muitos prefeitos e governadores querem baixar uma norma para todos usarem nas ruas, máscaras de proteção. No texto isso tem que ser muito bem explicado, a grande maioria da população já a utiliza no seu dia a dia. São tantos lobos travestidos de ovelha…

 

Essa praga nos apagou da mente temporariamente a trajetória brilhante do Flamengo, da caída do Cruzeiro para a segunda divisão do futebol brasileiro, feminicídios, homicídios e perguntas como: quem mandou matar a vereadora Marielle Franco? O Ronaldinho Gaúcho continua preso no Paraguai?

 

Minha esposa tem mania de limpeza e higienização. Nesses tempos de corona, a obsessão aumentou, se isso for possível. A campainha da minha casa soou, olhei pela janela, era o motoboy trazendo o meu marmitex. Eu a peguei depressa, entrei na casa e fechei a porta. Quase fui atropelado pela esposa que me esperava atrás da porta com um borrifador de álcool e me deu um banho. Pedi calma, que ela não acendesse o fósforo e que me transforme numa tocha humana! Rimos muito. O marmitex, a chave e o puxador também foram lavados com álcool.

 

Num populoso condomínio de São Paulo, uma família de moradores resolveu inovar para espantar a melancolia e alegrar a vizinhança. Que gesto bonito! Pai, mãe e filho, todos ligados à música foram ao varandão e proporcionaram um belo concerto. Muito talento! Repertório de músicas variadas. A vizinhança resolveu apagar as luzes de seus apartamentos, foram para a janela e acenderam a lanterna do celular. Num belíssimo e afinado coral eles vaiaram estrepitosamente os três artistas gritando que preferiam o coronavírus àquela cantoria. A cena durou alguns minutos e de repente os cantores foram ovacionados com uma bateria de alegrias. A brincadeira estava combinada. Na outra noite, todos participaram de um karaokê.

 

Eu tenho um livro de cabeceira que se chama “1968, o ano que não terminou” de autoria de Zuenir Ventura. Se você ainda não o leu, que o faça. É maravilhoso, brilhante. Que tal enviarmos ao nosso Presidente da República a seguinte ideia: terminar num determinado mês o ano de 2020 e pedir ao escritor Zuenir Ventura que escreva outro livro, que se chamaria: “2020, o ano que não terminou”, antes que morram os idosos.

 

Que Deus nos proteja!

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