O Contrato de Fiança: Obrigação Subsidiária ou Solidária?

Cícero B. Mouteira

Não importa quantos livros eu já tenha lido, muito menos quantos artigos e códigos já estudei, sem sombra de dúvidas o estatuto de condutas mais perfeito já redigido é a Bíblia! E desde o antigo testamento, as escrituras já advertem o perigo de ser fiador de outra pessoa: “Não aceite ser fiador de ninguém porque, se você não puder pagar a dívida, levarão embora até a sua cama.” Provérbios 22:26-27

 

Eis que o aluno vem com uma dúvida (que mais parece uma consulta) e conta que seus pais são fiadores de uma locação, sendo que o inquilino está inadimplente faz três meses e agora o proprietário do imóvel está cobrando a fiança antes de ajuizar a ação contra o devedor principal. O acadêmico questiona se o correto não seria primeiro esgotar os meios de cobrança contra o inquilino antes de demandar contra o fiador.

 

Excelente indagação! Vamos lá, então:

 

Conforme Art. 818 do CC 2002, pelo contrato de fiança, uma pessoa garante satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este não a cumpra. A fiança dar-se-á por escrito, e não admite interpretação extensiva.

 

E daí vem a necessidade de corrigir um mito. O fiador, pela regra legal não é um devedor solidário, mas sim uma garantia subsidiária conforme previsão do Código Civil, que ainda lhe assegura o benefício de ordem:

 

Art. 827. O fiador demandado pelo pagamento da dívida tem direito a exigir, até a contestação da lide, que sejam primeiro executados os bens do devedor.

 

Parágrafo único. O fiador que alegar o benefício de ordem, a que se refere este artigo, deve nomear bens do devedor, sitos no mesmo município, livres e desembargados, quantos bastem para solver o débito.

 

 

Ou seja, pela regra legal, o fiador é um devedor subsidiário. Entenda-se: primeiro o devedor principal deve ser cobrado e só na impossibilidade de pagamento e não cumprimento da obrigação é que o fiador será acionado.

 

Ocorre que, a exceção aqui é muito fácil de ser operada. Como o contrato de fiança é negócio jurídico expresso, dependendo sempre da forma escrita, praticamente todo fiador renuncia expressamente o benefício de ordem em alguma cláusula contratual. E nem adianta alegar que assinou sem ler!

 

Conforme sempre é cobrado em Exames da Ordem e/ou provas de concursos, a solidariedade nunca se presume, ela resulta da Lei ou da vontade das partes. E o contrato de fiança é excelente exemplo neste sentido. Pela Lei, o fiador seria uma garantia subsidiária, repito, ou seja, ele está ali em “stand by”, na reserva, primeiro devendo ser esgotada a cobrança contra o inquilino, por exemplo.

 

Contudo, ao aceitar a renúncia expressa ao benefício de ordem, ou claramente dizendo o contrato que ele, o fiador, concorda em ser devedor solidário, daí ele sai do banco de reservas e entra em campo, tal qual o devedor principal. Neste caso, o credor (o proprietário de um imóvel alugado, por exemplo) pode cobrar eventuais dívidas da locação tanto do inquilino quanto do fiador, ou ainda, de ambos!

 

E assim, havendo mais de um devedor, portanto, se um deles (no caso o fiador) vier a pagar totalmente a dívida, não significa em absoluto que ele deva “morrer” no prejuízo, sendo assegurada a sub-rogação para ser ressarcido pelo todo ou pela parte devida pelos demais devedores:

 

Art. 259. Se, havendo dois ou mais devedores, a prestação não for divisível, cada um será obrigado pela dívida toda.

 

Parágrafo único. O devedor, que paga a dívida, sub-roga-se no direito do credor em relação aos outros coobrigados.

 

 

Além da solidariedade, portanto, é fundamental conhecer o conceito de obrigação indivisível onde qualquer um dos devedores é (ou pode ser) obrigado a pagar a dívida em sua totalidade. Fica a dica: não seja fiador!

 

 

NOTA DA REDAÇÃO: Cícero B. Mouteira é advogado, professor universitário e de cursos preparatório, Assessor Jurídico da PMMG e, contrariando seu próprio conselho, é fiador de uma locação, já tendo aparafusado sua cama ao chão, para não ser eventualmente levada embora.

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