O país real sente o peso do racismo, enquanto o país oficial se refugia em discursos e aparências. Para o Brasil ser inteiro, esses dois mundos precisam se encarar.
Por Jhonatan Rocha
Machado de Assis nos apresentou um Brasil em duplicidade: o Brasil oficial, feito de discursos, estatísticas e solenidades, e o Brasil real, que sobrevive na contramão das promessas não cumpridas. O primeiro se apresenta como moderno e cordial, um país miscigenado e supostamente livre do racismo. O segundo, porém, sente na pele o peso das estruturas sociais que insistem em negar sua humanidade.
O Brasil real é o das mulheres negras que sustentam famílias com duplas ou triplas jornadas de trabalho; das crianças que aprendem cedo o significado da palavra “exclusão”; dos jovens que, mesmo talentosos, enfrentam portas fechadas. É o Brasil que Carolina Maria de Jesus transformou em literatura viva, ao narrar com coragem a fome, o preconceito e a dignidade dos que habitam o país profundo.
Por outro lado, o Brasil oficial é o das frases prontas — “até tenho amigos negros”, “pessoas negras trabalham pra mim”, “meu bisavô era negro” —, que servem para justificar atos, falas e pensamentos racistas e disfarçar a ausência de compromisso com a transformação real. É o país que ainda ecoa as teorias de Gilberto Freyre, ao romantizar a escravidão e sustentar o mito da “democracia racial”. Nesse Brasil, o racismo é sempre um problema do outro, nunca uma questão coletiva.
Esses dois Brasis se observam à distância, mas raramente se encontram. O diálogo é adiado porque o Brasil oficial teme perder seus privilégios. Reconhecer o racismo implicaria rever a estrutura que o mantém — e isso exige coragem política e moral. Ser antirracista não é apenas uma questão de empatia, mas um ato de justiça histórica.
Para que o país seja real e oficialmente antirracista, é preciso antes admitir-se (in)conscientemente racista. Dessa forma, a população negra, muitas vezes, representada será completamente representativa. Quando o Brasil real e o Brasil oficial finalmente se encontrarem, talvez o país possa, enfim, tornar-se inteiro.
Crédito da foto: Hilreli Alves
Formação em Licenciatura em História pela Universidade Presidente Antônio Carlos, Pós Graduação em História do Brasil pela Faculdades Integradas de Jacarepaguá e graduando em Serviço Social pela Universidade do Estado de Minas Gerais.
								
								
															









