Dois mitos sobre a Lei Maria da Penha

Por Victor Emídio.

Olá, amigo(a) leitor(a) do Jornal Barbacena Online! É um prazer retornar a este espaço, agora para a escrita de artigos jurídicos!

No dia a dia, quando o assunto é a Lei Maria da Penha (Lei 11.340/06), muitas vezes somos levados a acreditar que ela somente se aplica aos casos nos quais um homem agride fisicamente uma mulher, por meio, por exemplo, de socos, empurrões, puxões de cabelo, etc.

dois equívocos na crença apontada acima.

Quais são eles?

O primeiro deles é acreditar que somente o homem está sujeito às consequências previstas na Lei Maria da Penha nos casos envolvendo violência doméstica e familiar contra a mulher.

Em outras palavras: muito embora não seja tão comum, é possível que uma mulher se submeta às sanções previstas na Lei Maria da Penha. Para isso, é necessário que ela pratique violência num contexto doméstico e familiar contra outra mulher.

Em temos mais claros, a Lei 11.340/2006 será aplicável quando a mulher é violentada pelo simples fato de ser mulher. É a chamada violência de gênero, que independe da orientação sexual (art. 5º, parágrafo único).

Tanto é verdade o que se acaba de dizer que o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) já entendeu que “a Lei Maria da Penha […] é perfeitamente aplicável quando a violência doméstica decorre de relacionamento homoafetivo entre mulheres”.

Basta haver uma relação de vulnerabilidade entre a pessoa que pratica a violência e a vítima, como no caso de uma dependência financeira. Além disso, deve haver entre elas uma relação doméstica, familiar e/ou de afeto.

Recentemente o Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu que a Lei Maria da Penha é aplicável à violência cometida contra a mulher trans [2]. Interessante, não!?

No caso em questão, a mulher havia sido agredida pelo próprio pai na residência da família. O homem é usuário de drogas e álcool. Ele Chegou em casa alterado, agarrou a filha pelos punhos e a atirou contra a parede. Além disso, tentou agredi-la com um pedaço de madeira e a perseguiu pela rua. Por sorte, ela encontrou uma viatura da Polícia Militar.

O caso chegou ao STJ e a Corte aplicou medidas protetivas de urgência para protegê-la.

Qual o segundo equívoco?

O segundo grande equívoco quando o assunto é a Lei Maria da Penha está na crença de que ela somente se aplica aos casos envolvendo violência física.

A Lei é bem mais ampla do que isso!

Além da violência física, ela prevê a violência psicológica, a violência sexual, a violência patrimonial e a violência moral. Todas elas tratadas no seu artigo 7º, que as conceitua da seguinte forma:

  • violência psicológica, entendida como qualquer conduta que lhe cause dano emocional e diminuição da autoestima ou que lhe prejudique e perturbe o pleno desenvolvimento ou que vise degradar ou controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, vigilância constante, perseguição contumaz, insulto, chantagem, violação de sua intimidade, ridicularização, exploração e limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que lhe cause prejuízo à saúde psicológica e à autodeterminação;
  • violência sexual, entendida como qualquer conduta que a constranja a presenciar, a manter ou a participar de relação sexual não desejada, mediante intimidação, ameaça, coação ou uso da força; que a induza a comercializar ou a utilizar, de qualquer modo, a sua sexualidade, que a impeça de usar qualquer método contraceptivo ou que a force ao matrimônio, à gravidez, ao aborto ou à prostituição, mediante coação, chantagem, suborno ou manipulação; ou que limite ou anule o exercício de seus direitos sexuais e reprodutivos;
  • violência patrimonial, entendida como qualquer conduta que configure retenção, subtração, destruição parcial ou total de seus objetos, instrumentos de trabalho, documentos pessoais, bens, valores e direitos ou recursos econômicos, incluindo os destinados a satisfazer suas necessidades
  • a violência moral, entendida como qualquer conduta que configure calúnia, difamação ou injúria.

Ainda assim, há outras formas, como a chamada violência espiritual e, até mesmo, a violência política. Ambas são motivadas por questões de gênero.

A violência psicológica é um ótimo exemplo de como a Lei Maria da Penha pode ser aplicável às situações em que a pessoa agressora não encosta um único dedo na vítima, mas, ainda assim, é capaz de provocar nela um enorme abalo emocional, muitas vezes irrecuperável.

Com o intuito de evitar e punir essa forma de violência, foi editada no Brasil, em 28 de julho de 2021, a Lei 14.188/21.

Essa lei passou a considerar como sendo crime, punível com uma pena de 06 (seis) meses a 02 (dois) anos de reclusão, e multa, a conduta de “causar dano emocional à mulher que a prejudique e perturbe seu pleno desenvolvimento ou que vise a degradar ou a controlar suas ações, comportamentos, crenças e decisões, mediante ameaça, constrangimento, humilhação, manipulação, isolamento, chantagem, ridicularização, limitação do direito de ir e vir ou qualquer outro meio que cause prejuízo à sua saúde psicológica e autodeterminação”.

Por exemplo, se uma mulher, dona de casa, desenvolve depressão após ser constantemente humilhada pelo marido, provedor do lar, temos, em tese, configurado o crime de violência psicológica contra a mulher, que está previsto no artigo 147-B do Código Penal.

Nesses casos, o melhor a se fazer é procurar a Delegacia da Mulher, ou o Ministério Público, relatar os fatos e requerer a proteção jurídica adequada.

É preciso conhecer os seus direitos. E lutar por eles.

Se você chegou até aqui, muito obrigado pela leitura! Até o próximo texto!

 

Fontes:

[1] Disponível em: http://www8.tjmg.jus.br/themis/baixaDocumento.do?tipo=1&numeroVerificador=100241011903460012015972501. Acesso em 13 de maio de 2022.

[2] Disponível em: https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/05042022-Lei-Maria-da-Penha-e-aplicavel-a-violencia-contra-mulher-trans–decide-Sexta-Turma.aspx. Acesso em 13 de maio de 2022.

Sobre o Autor:

Victor Emídio Cardoso é Advogado Criminalista (OAB/MG 215.531), escritor e criador de conteúdos jurídicos para a internet. Contatos: WhatsApp: (32) 99163-7035 e E-mail: [email protected]

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