Copa América e as históricas relações entre esporte e política

Por Francisco Fernandes Ladeira 

O aceite do governo brasileiro em sediar a Copa América 2021, após as recusas de Colômbia e Argentina, foi um dos assuntos mais comentados nos últimos dias em conversações cotidianas, nas redes sociais e em veículos de imprensa; dividindo opiniões país afora.

De um lado, baseado em falas de epidemiologistas, muitos argumentam que a Copa América agravará ainda mais a situação da pandemia de Covid-19 por aqui. Nesse sentido, o objetivo do governo federal com a realização do torneio é criar um distracionismo (principalmente em relação à CPI da Covid) e ainda se beneficiar politicamente de um provável título da seleção brasileira. Por outro lado, os defensores do evento alegam que outros campeonatos já estão em andamento no território nacional. Segundo essa linha de pensamento, o torneio sul-americano, desde que sejam seguidos determinados protocolos, não oferece riscos à saúde pública. Fato é que, historicamente, esporte e política sempre estiveram intrinsecamente ligados. Em 1936, Hitler utilizou a Olimpíada de Berlim para provar sua tese de uma suposta superioridade da raça ariana. No entanto, as ideias doentias do Füher foram cabalmente refutadas pelas quatro medalhas de ouro do corredor negro estadunidense Jesse Owens (diga-se de passagem, também descriminado em seu próprio país). Em 1978, a ditadura militar argentina organizou a Copa do Mundo de futebol, interferiu na convocação da seleção local e se apropriou do título do escrete albiceleste como propaganda ideológica do regime. Durante a Guerra Fria, Estados Unidos e União Soviética levaram a rivalidade geopolítica para a esfera esportiva. Em jogos olímpicos, cada disputa por medalhas entre estadunidenses e soviéticos também eram formas de tentar provar qual sistema econômico era melhor (capitalismo ou socialismo).

Recentemente, a China organizou a Olimpíada de Pequim para mostrar ao mundo que já pode ser considerada uma superpotência. Inclusive, naquela competição, os chineses conquistaram mais medalhas de ouro do que os Estados Unidos (seria um sinal que, em breve, ocorra o mesmo no campo econômico?). 

Para finalizar este texto, uma curiosidade. Em 1918, quando a gripe espanhola assolava o planeta, também havia um torneio entre seleções sul-americanas a ser realizado em nosso país. No entanto, o mesmo foi adiado para o ano seguinte (com o Brasil conquistando seu primeiro título de expressão). Logo, podemos inferir que, pouco mais de um século atrás, autoridades públicas e esportivas se preocupavam mais com a saúde da população do que as atuais. Lamentável retrocesso. 

NOTA DA REDAÇÃO – Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em Geografia pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas).

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