Como usar o Art.28 do CDC nas relações trabalhistas?

CÍCERO B. MOUTEIRA

A desconsideração da personalidade jurídica da pessoa jurídica de direito privado não é novidade no Direito Brasileiro, muito menos no Direito do Trabalho e no Direito Processual Trabalhista, contudo a aplicação da chamada Teoria Menor é uma construção jurisprudencial que utiliza o Art. 8º combinado com o Art. 769, ambos da CLT, igualando o empregado e/ou o trabalhador à vulnerabilidade que favorece o consumidor nos moldes do Art. 28 do Código de Defesa do Consumidor.

 

Para que se possa compreender melhor o tema, fundamental distinguir quando se aplica a Teoria Maior da disregard, nos moldes do Código Civil de 2002 e, quando se aplica a chamada Teoria Menor, conforme Código de Defesa do consumidor, a saber:

 

 “. a primeira, denominada subjetiva, admitindo o disregard somente nos casos em que esteja comprovado o animus fraudulento ou de abuso de direito por parte da sociedade devedora;

. a segunda, finalística, aplicando-se a teoria da penetração em sintonia com o que dispõe o § 5º do art. 28 do CDC, ou seja, a intenção fraudulenta é presumida com a presença do prejuízo do credor no momento da dificuldade da execução;

. a terceira, objetivista, aplica amplamente o disregard, seja em prol do credor ou mesmo do devedor, bastando a presença da separação patrimonial da sociedade como forma de obstáculo a determinado interesse tutelado pelo direito.”

 

https://www.trt3.jus.br/escola/download/revista/rev_69/Carina_Bicalho.pdf

 

 

Em suma, utiliza-se o Art. 50 do CC somente quando houver fraude e abuso, o que aumenta a discussão jurídica e necessidade de lastro probatório, e consequentemente atrasa a satisfação do crédito da parte frágil, vulnerável e até hipossuficiente. Já o Art. 28 do CDC é aplicado em favor do consumidor, bastando que prove a existência de um crédito que não foi satisfeito. Ou seja, basta a inadimplência da sociedade empresarial para que o patrimônio dos sócios venha a responder pela dívida.

 

Embora o Art. 49-A do CC 2002, seja expresso no sentido que “A pessoa jurídica não se confunde com os seus sócios, associados, instituidores ou administradores.” a aplicação do Art. 28 do CDC protege o consumidor como parte vulnerável da relação jurídica, conforme ensina a doutrina:

 

“O legislador elege valores (axio) que pretende tutelar através da norma, a qual produzirá efeitos com a incidência do caso concreto (fato).

 

No caso em apreço, o legislador do art. 28 do CDC ou mesmo do § 1º do art. 596 do CPC, optou em defender preferencialmente o crédito do terceiro injustamente prejudicado, garantindo-lhe a oportunidade de execução do patrimônio dos sócios, ainda que para tanto corresse o risco de causar outra injustiça: a do sócio de boa-fé (e também prejudicado) que teve seus bens penhorados. Poder-se-ia dizer, em sentido amplo, que a teoria da disregard pune o sócio que se posicionou omisso acerca da fiscalização ou resistência no uso desvirtuado da pessoa jurídica da qual era membro, ou mesmo, do sócio que não mostrou prudente na escolha de seus pares em relação à affectio societatis.”

 

DALLEGRAVE NETO, José Affonso. A execução dos bens dos sócios em face da disregard doctrine. In: Inovações na Legislação do Trabalho, 2. ed. São Paulo: LTr, 2002, p. 330.

 

 

Ainda entendendo que o empregado não é menos vulnerável que o consumidor, a previsão do §5º do Art. 28 do CDC é festejada pela doutrina que defende o papel do juiz em atendimento ao caso concreto, não podendo a pessoa jurídica ser obstáculo para o ressarcimento de danos:

 

“ao incorporar avanço de técnica legislativa, valendo-se de cláusulas gerais e conceitos jurídicos indeterminados, o Código de Defesa do Consumidor acompanhou a tendência de flexibilização do sistema jurídico, reforçando o papel do magistrado na apreciação dos conflitos de consumo. O juiz é então chamado a criar a ‘norma do caso concreto’, preenchendo a sua valoração os comandos. Tem, sem dúvida alguma, mais condições de responder às demandas sociais, sempre novas e crescentemente complexa.

 

CARPENA, Heloísa. Abuso de direito no contrato de consumo. Forense, 2001, p. 3, apud

 

 

Neste sentido, explanado se encontra o “por quê?” da aplicação da disregard, restando enaltecer o “para quê?” em favor do empregado/trabalhador:

 

“é de se repelir a aplicação do princípio da limitação da responsabilidade do sócio à execução no processo trabalhista, pois contra ele se insurge o direito obreiro, sensível à realidade econômica, que vê ‘as graves lutas econômicas que constituem o fundo’ dos contratos de trabalho… O princípio da responsabilidade limitada teve seu papel até o século XIX; desempenha função econômica, ainda no século XX, mas essa função econômica deve restringir-se ao campo do direito comercial.

Em suma, a limitação da responsabilidade dos sócios é incompatível com a proteção que o direito do trabalho dispensa aos empregados; deve ser abolida, nas relações da sociedade com seus empregados, de tal forma que os créditos dos trabalhadores encontrem integral satisfação, mediante a execução subsidiária dos bens particulares dos sócios.

[…] que permaneçam separados para efeitos comerciais, compreende-se; já para efeitos fiscais, assim não entende a lei; não o deve permitir, outrossim, o direito do trabalho, para completa e adequada proteção dos empregados”.

 

ROMITA, Arion Sayão. Aspectos do processo de execução trabalhista à luz da Lei n. 6.830. Revista LTr 45-9, p. 1036

 

 

Eventual questionamento poderia ser levantado quanto à necessidade ou não de alterar a CLT, talvez em seu Art. 878, para incluir expressamente a desconsideração consumerista na legalidade expressa trabalhista, sendo divergente quem entenda suficiente a atual jurisprudência e quem defenda que a segurança jurídica depende do suficiente Poder Legislativo sem excesso do ativismo judiciário.

 

 

CÍCERO B. MOUTEIRA, é advogado, professor universitário e de cursos preparatórios, bem como Assessor Jurídico da PMMG e recentemente rascunhou uma minuta de Projeto de Lei que altera o Art. 878 da CLT com base principalmente na pesquisa exposta no presente artigo.

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