Caderno de receitas

Francisco de Santana

É inegável dizer que o caderno de receitas é um importantíssimo utensílio de cozinha. Ele atravessa gerações, herdado da bisavó, avó, titia, mãe, filha e vai seguindo a hereditariedade. Eu tinha duas irmãs, Maria e Aparecida que eram formadas em Artes Culinárias. Elas sempre traziam para casa as receitas das iguarias que faziam na escola em papeis mimeografados. Não satisfeitas com o papel cujas palavras apagavam num curto tempo, elas transcreviam as receitas num caderno. Esse foi o meu primeiro contato com um. Lembro-me que uma delas perguntou bem alto: “xícara é com “x” ou com “ch”? A outra desatenta respondeu: “aí na receita deve dizer se é com açúcar refinado ou com açúcar cristal”. Com o passar do tempo ele ficou bastante surrado, amarelado, soltando as folhas, mas continuou sendo de grande utilidade. Hoje, já casado sempre vejo minha esposa consultando o caderninho de receitas que foi da minha sogra, que o passou para sua filha, minha esposa e da esposa para minha filha. Amor de gerações que se comunicam pelas receitas. Quem o detém o modifica para sua facilidade. Há divisões por bolos, doces, biscoitos, salgados e bebidas. Ao lado dos títulos das receitas costuma-se colocar adesivos ou cortes de revistas para ilustrá-las e também uma porção de recortes de receitas publicadas em revistas, latas de leite condensado, e outras embalagens. Esse universo da cozinha, da mágica que é misturar o ovo com a farinha e depois vê-lo se transformar em um bolo, me encanta.

Infelizmente há quem o jogue fora, ou destrua por considerá-lo velho, caduco, sem utilidade e sem valor. Com esse ato, morre-se parte da história gastronômica. O que hoje é visto como peça de decoração, ou herança da vovó, já foi um artigo de luxo e usado até pelos médicos, no preparo de elixires medicinais. Não tenho dúvidas de que as lembranças fazem das receitas mais saborosas e dos cadernos, verdadeiros tesouros.

Como ele surgiu? “Historiadores datam o primeiro livro com descrições gastronômicas no século IV a.C., lá pelas terras gregas. Bem primitivo, continha apenas descrições de pratos e de chás e xaropes. Na Idade Média, os franceses começaram o costume de escrever receitas à base de peixes e caça. Mas foram os italianos, ahmammamia, que publicaram os primeiros livros de receitas, tais quais são nos dias atuais. Escritos por chefes de cozinha, o primeiro livro italiano de receitas já dispunha de ingredientes e suas quantidades, bem como o modo de preparo e algumas ilustrações. Publicado em Veneza, em 1541, o intitulado Le Bastiment de recettes era uma compilação de sobremesas elaboradas feitas pelos chefes que acompanhavam Catarina de Médici – nobre italiana, que se tornou rainha consorte da França. De lá pra cá, os livros de receitas foram ganhando atualizações e especialidades. Conforme as tecnologias foram surgindo, eles começaram a ficar mais baratos e mais atraentes. A invenção da fotografia colorida, por exemplo, foi muito importante, por permitir a experiência de comer os pratos com os olhos antes mesmo de serem feitos. Hoje, a procura por uma receita folheando um livro pode até ser substituída por aplicativos virtuais ou pela televisão, mas quem tem e usa um livro de receita entende o prazer que a experiência de folheá-lo proporciona”.

Já vi cadernos recheados de erros ortográficos. Isso pouco importa, pois o importante é não errar na mistura dos ingredientes e a guloseima sair com precisão e saborosa. Acredito que o bolo de cenoura seja o campeão de pesquisa. Fácil de fazer e gostoso para saborear. Era comum no final nesses cadernos, encontrarmos anotações diversas, recados, telefones do (o eletricista, pedreiro, bombeiro, montador de móveis, pintor, vizinha, da amiga, de parente, letras de música, poemas, orações e de muitos outros). Essas escritas paralelas formam outras leituras possíveis para além do alimento familiar, de estados da alma e do coração.

Não podemos jamais nos esquecer das artimanhas das e dos detentores dos livros de receitas. Eles são capazes de omitir algum ingrediente só para que produto final não seja igual. É um jogo de espertezas e truques. São os porquês do seu ser melhor que o meu, os porquês do seu ser diferente do meu. São as astúcias. Essa jogada sempre existirá porque todos buscam a receita em primeira mão.

O caderno de receitas sempre foi um objeto de fascínio, um guia de como fazer coisas incríveis, capazes de satisfazer não apenas a fome, mas também a alma. Escritas à mão e guardadas com apreço, essas anotações são registros preciosos de sabores e aromas, e também do jeito de perceber o mundo.

(Fonte: vários sites da Internet).

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