Alimentação e controle são essenciais para a saúde dos rins

Dia 14 de março foi comemorado o Dia Mundial do Rim, e este dia serve para conscientizar e chamar a atenção das pessoas para as doenças dos rins. Segundo a Sociedade Brasileira de Nefrologia existem hoje cerca de 850 milhões de pessoas com doença renal. E para falar um pouquinho de saúde dos rins, conversamos com o Dr. Marcospaulo Milagres.

  • Quais são as principais doenças que afetam os rins?

É necessária aqui uma diferenciação entre os agravos aos rins nas formas agudas e crônicas para melhor entendimento. A lesão renal aguda pode acometer qualquer pessoa, mesmo aquelas sem nenhuma outra doença, por exemplo, pessoas que sofrem uma desidratação grave, lesões musculares extensas decorrentes de acidentes ou que fazem uso abusivo de anti-inflamatórios (AAS, diclofenaco, ibuprofeno, naproxeno, etc.), e também pessoas que têm outras doenças e que podem ter uma piora rápida dos rins e isso acontece em questão de dias a semanas. O mais importante, que leva a esse número de 850 milhões de pessoas e de 120 mil brasileiros em hemodiálise é a doença renal crônica, que é a perda gradual, ao longo de meses e anos, da função dos rins causada, principalmente, pela hipertensão arterial sistêmica (pressão arterial alta) e pela diabetes mellitus. As formas agudas, se não tratadas, podem se transformar nas formas crônicas. Há também outras causas de doença renal crônica como as nefrites (inflamações nos rins), as infecções urinárias graves, as doenças renais hereditárias, entre outras.

  • O que é o cálculo renal e como ele é formado em nosso corpo.

Cálculo é o acúmulo de cristais em qualquer parte do corpo e que toma um aspecto de uma pequena pedra. A origem da palavra cálculo é latina e significa “pedrinha”. Podemos ter cálculo na saliva, nos intestinos, mas as formas mais comuns são os cálculos biliares (a famosa “pedra na vesícula”) e os cálculos urinários, que podem aparecer nos rins e no trajeto da urina até sua eliminação. Nosso corpo contém mecanismos que equilibram os níveis de substâncias que aumentam ou diminuem as chances de formar cálculos. Assim, quando há um desequilíbrio entre ambas surgem os cálculos.

  • E sobre o sal, ele realmente é o vilão para os rins?

As pessoas tendem a buscar uma explicação simplista para tudo na vida, principalmente na saúde. Sobre o sal, também não é bem assim. O malefício do sal está no seu exagero, até água demais faz mal para nosso organismo. Realmente, o consumo excessivo de sal está relacionado com risco aumentado de hipertensão arterial e, consequentemente, o surgimento de doença renal crônica. Não devemos, porém, retirar o sal totalmente da nossa alimentação. O sal é importante no controle dos níveis de água e de pressão arterial do nosso corpo. No Brasil, o sal é rico em iodo, que ajuda a evitar problemas da glândula tireoide. E quanto de sal podemos consumir? Uma pessoa com hipertensão arterial deve consumir o equivalente ao conteúdo de uma tampa de caneta Bic. Isso mesmo: aquela caneta esferográfica comum tem uma tampa que se enchermos de sal terá o equivalente a dois gramas, que é o que se deve consumir de maneira saudável. Ou seja, é hipertenso? Tem diabetes? Prepare seus alimentos sem sal e deixe para temperar com sal quando por o prato à mesa.

  • A alimentação também interfere na saúde dos rins?

Uma alimentação com grande quantidade de proteína animal, gordura saturada, que está presente nos alimentos de origem animal, e o colesterol e carboidratos refinados (como o açúcar de mesa, os doces, etc.) pode aumentar o risco de proteinúria, que é a perda de proteínas pela urina, um sinal precoce de diminuição da função renal. Isto porque estes alimentos tendem a produzir mais ácidos complexos que são de difícil manejo pelos rins. Dê preferência para alimentos ricos em carboidratos complexos presentes nos pães (integrais ou não), nos tubérculos e nos legumes e mantenha a quantidade de proteínas em níveis saudáveis, sendo o ideal para uma pessoa sem problemas de saúde que ela consuma um grama por quilograma de peso corporal por dia (se você pesa 60 kg, então o ideal é consumir 60 gramas de proteínas por dia). Quero aproveitar o momento para falar dos suplementos alimentares ricos em proteínas consumidos por atletas ou praticantes de exercícios físicos. São ricos em aminoácidos e proteínas e podem piorar a função dos rins nas formas que já citei, aguda e cronicamente.

  • Existe uma quantidade ideal de água deve-se tomar todos os dias para manter a saúde dos rins?

Muito já se falou e ainda se fala sobre a quantidade ideal de água a ser ingerida. O número mágico de dois litros por dia não tem base científica. O que se sabe é que existe uma variação entre 20 e 30 ml por quilograma de peso corporal por dia, a depender da sua saúde. Por exemplo, pessoas que têm insuficiência cardíaca (coração fraco) ou doença renal crônica grave ou em diálise não podem consumir essa água toda, pois corre o risco de acumular água nos pulmões. Se você não tem problemas de saúde e tem o peso corporal adequado para sua altura, sugiro consumir 25 ml/kg de peso/dia.

  • E sobre automedicação e rins. Qual sua opinião?

É tão importante esta questão que já comecei esta fala listando uma classe de medicamentos que comprovadamente levam a doenças dos rins. Já há vários estudos desde os anos 1980 que comprovam os riscos do consumo inadequado de medicamentos anti-inflamatórios não hormonais para o coração e para os rins. Tais medicamentos são, em sua maioria, adquiridos sem receita médica e podem causar lesão direta nos rins ou levar ao aumento da pressão arterial que, por sua vez, é uma das principais causas de doença renal crônica. Se você tiver algum problema de saúde, principalmente diabetes e hipertensão, tiver mais de 60 anos de idade e não tiver o hábito de beber água em volumes saudáveis, não deve tomar os anti-inflamatórios sem avaliação médica prévia. Uma recomendação que costumo fazer aos meus clientes é que mostrem o resultado do último exame de sangue de avaliação da função renal quando consultarem com qualquer outro médico. Com um cálculo rápido, o médico pode estimar o nível de sua função renal e determinar o tipo e a dose do medicamento a ser prescrito.

  • Vamos falar de prevenção, o que podemos fazer para contribuir com nossos rins?

A Sociedade Brasileira de Nefrologia recomenda diminuir o consumo de sal, beber água ou líquidos em geral como chá, sucos naturais, entre outros, além de praticar exercícios físicos regularmente, adotar uma alimentação saudável, medir e controlar os níveis de pressão arterial e de glicose no sangue e fazer o exame de creatinina e de urina. Isso é de extrema importância, a creatinina é uma substância derivada do metabolismo dos nossos músculos e é quase totalmente eliminada pelos rins. Quando os rins diminuem seu funcionamento, há um aumento da creatinina no sangue, que pode indicar piora da função renal. Agora, a creatinina isoladamente pode trazer confusão na interpretação. O certo é usar o valor da creatinina numa equação e calcular a capacidade de filtração do sangue pelos rins, o seu médico pode fazer em consultório e que a maioria dos laboratórios já informam nos resultados de exames de sangue. Já o exame de urina na mão de um médico nefrologista é como se tivéssemos feito uma biópsia do rim. Comparando com os sintomas que o paciente relatou, o exame da creatinina e o resultado do exame de urina, nós podemos fazer um diagnóstico cada vez mais preciso do problema que se tem nos rins. Mas se isso não foi feito e você já tem alguns sintomas, ainda dá tempo de proteger a função dos seus rins. Se surgem sinais e sintomas como acordar várias vezes a noite para urinar, inchaço pelo corpo, fraqueza e perda de apetite, náuseas e vômitos, e urina espumosa ou avermelhada procure seu médico.

 

  • Mitos e verdades sobre pedras nos rins:

 

  • Ingestão de sementes de tomate pode causar pedra nos rins?

Mito. Embora o tomate, não somente as sementes, tenha oxalato, uma substância que pode causar a formação de cálculos renais, não se deve parar de comer tomate. O tomate é rico em citrato, substância protetora dos rins, que evita a formação de pedras. O oxalato ligado ao cálcio está presente em vários alimentos com espinafre, batata, tomate, etc., mas não é capaz de sozinho causar a doença calculosa. O problema está no desequilíbrio alimentar. Estudos feitos com pessoas que tomavam grandes quantidades de cálcio e de vitamina D são aquelas mais predispostas a terem cálculos nos rins. Agora, se você diminuir muito o consumo de cálcio com receio de formar cálculo nos rins, também não está certo, pois isso favorece cálculos de outra origem e pode piorar os seus ossos. Portanto, nem muito ao mar, nem muito a terra. Sempre tenha água consigo e beba com certa regularidade, mantenha a sua dieta, pois ajuda na estabilização do pH da urina e evita que os cristais formem as pedrinhas.

  • Crianças não têm pedra nos rins.

Mito. Também podem ter, mas é bem mais raro do que em adultos. Mas tem aumentado o número de casos de crianças com cálculo urinário por causa do maior consumo de açúcares refinados, biscoitos recheados, sorvete com gordura vegetal hidrogenada, bala, doce. Então é mito, criança tem pedra no rim.

  • Casos de pedras nos rins aumentam no calor.

Verdade. Um estudo de 2017 analisou casos de cólica renal em vários países do mundo e mostra que a formação de cálculos é mais prevalente em áreas com maior temperatura ambiente e com maior índice de luminosidade solar. Ou seja, eu tomo mais radiação ultravioleta, a minha pele forma mais vitamina D que é ótima para os meus ossos, ótima para o meu rim, ótima para o meu fígado, mas vai aumentar a absorção de cálcio e quanto mais cálcio maior a formação de cálculos. Então morar em área mais quente, morar em área com maior luminosidade, mais cálculos. E uma outra verdade, as crises de cólica renal costumam surgir entre quatro e seis horas da manhã.   

  • Urina com sangue pode ser sinal de pedras nos rins.

Verdade. A presença de sangue na urina pode ser, principalmente, a presença de pedras nos rins. Pode ser também infecção urinária, doenças da próstata, no caso dos homens, inflamações nos rins, etc. Procure um médico porque ele vai fazer um exame adequado e fazer a diferenciação.

  • A mesma pessoa pode ter pedra nos rins mais de uma vez?

Verdade. Sabe-se que 90% da população mundial entre 18 e 70 anos de idade teve, tem ou terá, pelo menos, um episódio de cólica causada por cálculo urinário. Porém, há pessoas mais predispostas. Isto se deve a problemas alimentares, de metabolismo corporal, de doenças endócrinas, e até decorrentes de cirurgias (pessoas que fazem cirurgia bariátrica têm mais chances de desenvolver pedras nos rins).

 

  • Para a gente encerrar essa conversa queria que você deixasse suas considerações finais, mas que a gente focasse realmente na importância da pessoa buscar o diagnóstico correto, não deixar de fazer seus exames e nem ter medo do que pode descobrir na hora um exame.

Quero reforçar a importância da creatinina e do exame de urina. Se você tiver pressão arterial alta e/ou diabetes converse com seu médico sobre a função renal, converse com seu médico sobre função renal, pergunte para ele se não é o caso de fazer algum exame especifico. Não precisa ter medo, esses exames não vão fechar um diagnóstico de uma doença renal e nem todo mundo vai fazer hemodiálise, que é o grande temor. A maioria das pessoas que têm doença renal crônica é tratada com medicamentos e mudanças do estilo de vida. E nossa dica final é sempre essa: qualquer dúvida, procure sempre seu médico.