A visão do SIJ e do STF sobre o ICMS em estabelecimentos do mesmo contribuinte aguardando a modulação da ADC nº 049

Matando saudades do meu tempo de advogado de multinacional, donde havia a necessidade de conhecer desde Direito Trabalhista até Direito Ambiental, um tema tributário para essa semana.

 

Como todo artigo ou trabalho científico que preste (e se preste) parto de uma pergunta: é devido o ICMS referente ao transporte de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo dono (contribuinte)?

 

E aqui, vou evitar a resposta mais simples e simplória do Direito, qual seja: o famoso DEPENDE.

 

Por mais que o tema gere dúvidas (e dívidas, com o trocadilho infame), o STJ e o STF já possuem emblemáticos julgados sobre o tema, inclusive havendo recente decisão (abril de 2021) na “Suprema Corte” sobre o assunto.

 

O ICMS é o imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação, sendo de competência dos Estados e do Distrito Federal.

 

Sua regulamentação está prevista na Lei Complementar 87/1996 (a chamada “Lei Kandir”) e este é um ponto importante para qualquer estudo da matéria, visto que alguns artigos da LC foram considerados inclusive inconstitucionais.

 

Antes de adentrar na afronta contra a Lei Maior, interesse partir da discussão entre a chamada “autonomia dos estabelecimentos” (tese queridinha do Fisco) em detrimento da Súmula nº 166 do STJ (abraçada por contribuintes): “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte”.

 

A inteligência da Súmula repousa na raiz constitucional da “não-cumulação” de tributos, como bem estabelece o Art. 155 da Carta Magna:

 

Este conteúdo pode ser compartilhado na íntegra desde que, obrigatoriamente, seja citado o link:

 

Art. 155. Compete aos Estados e ao Distrito Federal instituir impostos sobre: (…)

 

II – operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior; (…)

 

  • 2º O imposto previsto no inciso II atenderá ao seguinte:

 

I – será não-cumulativo, compensando-se o que for devido em cada operação relativa à circulação de mercadorias ou prestação de serviços com o montante cobrado nas anteriores pelo mesmo ou outro Estado ou pelo Distrito Federal; (GRIFOU-SE)

 

 

Sobre a “não-cumulação” que ainda levanta polêmicas, bem explica o advogado Thiago Gluksmann:

 

Nesse sentido, concluem os contribuintes do ICMS que deve ser mantido o creditamento das operações de entradas tributadas visto que haverá a tributação do ICMS quando ocorrer a devida operação de mercancia (saída), logo, não há respaldo constitucional para estornar o crédito devidamente apropriado pelos contribuintes quando das aquisições de insumos ao processo produtivo, por exemplo.

 

À título elucidativo a devida demonstração do mencionado, a saber:

 

1) ENTRADA DE MERCADORIA COM CRÉDITO DE ICMS

2) TRANSFERÊNCIA DE MERCADORIA SEM TRIBUTAÇÃO DO ICMS

3) VENDA DA MERCADORIA COM DÉBITO DE ICMS

 

https://www.migalhas.com.br/depeso/348116/transferencia-de-bens-entre-estabelecimentos-do-mesmo-contribuinte

 

 

A ordem anteriormente transcrita é uma tríade básica porém eficaz do creditamento do ICMS no transporte de mercadorias.

 

E após esse breve panorama, enfim a cereja no topo do bolo, qual seja o julgamento da Ação Declaratória de Constitucionalidade nº 049 que, em abril do corrente ano julgou inconstitucional alguns dispositivos justamente da Lei Kandir, como bem explica a advogada tributarista Ana Carolina Utimati:

 

“A inconstitucionalidade da autonomia dos estabelecimentos foi tratada como pressuposto para declarar inconstitucional a incidência do ICMS na transferência. Se não há estabelecimentos autônomos do ponto de vista jurídico essa transferência não é efetivamente uma saída tributável, e então não tem circulação de riqueza”

https://www.jota.info/coberturas-especiais/contencioso-tributario/decisao-do-stf-sobre-icms-em-estabelecimentos-do-mesmo-dono-gera-incertezas-14062021

 

 

No mesmo sentido, defende o advogado Igor Mauler Santiago:

 

“A remessa da mercadoria acontece no âmbito da mesma empresa, é uma mudança física, não sendo sequer uma operação, que dirá operação isenta. Portanto, o crédito que a pessoa jurídica tinha quando adquiriu o produto continuará ali mesmo que ela mude esse produto do estabelecimento A para o B. Não é uma operação isenta ou não tributada, que efetivamente determina a anulação do crédito. O crédito continua e não há tributo na saída” (Op. Cit.)

 

 

Todavia, não se tratando de operação (quanto mais operação isenta) há que se observar a dúvida sobre os benefícios fiscais (aproveitamento do creditamento do ICMS), como bem salienta o tributarista Daniel Szelbracikowski com relação aos créditos aproveitados pelo contribuinte na transferência de mercadorias “só poderá ocorrer se a lei que permite o estorno for declarada ineficaz”. E complementa:

 

“Só a partir do momento em que a lei estadual que prevê a incidência do ICMS nas transferências for revogada é que o estado poderá eventualmente impedir esse aproveitamento de créditos. Enquanto a lei estadual estiver vigente prevendo a incidência, o estado não pode estornar os créditos” (Op. Cit.)

 

 

A ponderação anterior ganha voz com as razões dos Embargos de Declaração interpostos pelo Estado do Rio Grande do Norte (Autor da ADC nº 049) que pede a modulação dos efeitos da decisão do STF (a qual aliás estava marcada para o dia 10 de setembro de 2021, porém foi adiada).

 

A modulação nada mais é que o Supremo Tribunal Federal dizer com todas as letras a extensão da decisão. Inegável que não será interpartes, porém resta dúvida se será ou não retroativa (o que poderia levar na teoria inclusive o questionamento e estorno do creditamento do ICMS como benefício fiscal).

 

Pelo voto do Ministro Fachin, é possível antecipar sua opinião que o fim da cobrança de ICMS em operações interestaduais valesse a partir de 2022. Aliás, transcrevendo trecho da rejeição aos embargos, o Ministro usou uma metáfora interessante sobre a celeuma:

 

“A movimentação interestadual em discussão, por ser meramente física, seria equivalente a trocar a mercadoria de prateleira, o que configura, indiscutivelmente, hipótese estranha ao ICMS. A decisão, ora embargada, foi clara ao determinar a irrelevância da transferência interestadual de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte para fins do ICMS”.

 

 

Outrossim, enquanto aguardamos a modulação, a 3ª Vara de Fazenda Pública de São Paulo em junho de 2021 já abre precedente concedendo liminar para que o Fisco se exima da cobrança:

 

“É o que dispõe a súmula 166 do C. Superior Tribunal de Justiça:

 

Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte. No mesmo sentido, é a tese fixada no tema 259 de recursos repetitivos do C. Superior Tribunal de Justiça.

 

A mesma conclusão deve ser adotada nas hipóteses em que os estabelecimentos estão localizados em estados diversos. Nesse sentido, em sede de repercussão geral, o C. Supremo Tribunal Federal fixou a seguinte tese (tema 1099): Não incide ICMS no deslocamento de bens de um estabelecimento para outro do mesmo contribuinte localizados em estados distintos, visto não haver a transferência da titularidade ou a realização de ato de mercancia. (…)

 

Ante o exposto, DEFIRO o pedido liminar para determinar que a autoridade coatora se abstenha de exigir o ICMS na transferência de bens entre os estabelecimentos da impetrante, inclusive nas circulações interestaduais, autorizando-se o deslocamento das mercadorias sem o destaque do ICMS, sem prejuízo da manutenção dos créditos relativos às entradas tributadas.”

 

 

Enfim, entre Súmulas e Julgados, queda a ansiedade do contribuinte e do Fisco como relação à clareza do Supremo Tribunal Federal sobre os efeitos do julgamento da ADC nº 049 que não tarda a acontecer.

 

 

NOTA DE REDAÇÃO: Cícero Mouteira é advogado, professor (inclusive de Prática Tributária) e contribuinte ávido pela segurança jurídica na vindoura modulação do STF.

 

 

 

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