Pauta em prosa, verso em trova (volume 27)

Por jgheleno*

 

 

 

Damos sentido ao mundo usando quatro elementos. No poema que segue, de Vinicius de Moraes, sobressai especialmente o elemento 2. Nessa letra de música, esse convívio refere-se, na minha interpretação, ao amor. O convívio é uma necessidade original do homem. A gente nem nasce, se não há um convívio anterior. A gente não transmite a vida sem um convívio atual. Nosso próprio modo de ser é construído no convívio (com parceiro/a, com pais, filhos, irmãos, amigos, vizinhos, etc). É formado por aquilo que achamos de nós, somado àquilo que os outros acham de nós. Viver é compartilhar universos o tempo todo. Viver é, portanto, conviver. Não há trabalho, nem ciência, nem cultura, nem religião, nem diversão, nem arte, não há nada sem convívio. Nem mesmo o homem consegue existir sem o convívio. As formas de convívio mais perceptíveis em nossa vida são o amor, a amizade, a parceria.

Convido você a, no seu computador ou celular, ouvir a música “Pela luz dos olhos teus”, composição de Vinicius de Moraes, cantada por ele e por outros. Eu prefiro cantada por Antônio Carlos Jobim e Miúcha.

 

“ Quando a luz dos olhos meus
E a luz dos olhos teus
Resolvem se encontrar,
Ai que bom que isso é meu Deus,
Que frio que me dá o encontro desse olhar.
Mas se a luz dos olhos teus
Resiste aos olhos meus só pra me provocar,
Meu amor, juro por Deus me sinto incendiar.
Meu amor, juro por Deus,
Que a luz dos olhos meus já não pode esperar,
Quero a luz dos olhos meus
Na luz dos olhos teus sem mais lará-lará.
Pela luz dos olhos teus
Eu acho, meu amor, que só se pode achar
Que a luz dos olhos meus precisa se casar”.

 

 

Até aqui nós discutimos a relação dos universos interior e exterior. Exemplo claro dessa relação está no poema ISMÁLIA de Alphonsus de Guimarães. Mas os universos pessoais se relacionam uns com os outros também. Esta é a parte mais gostosa da vida. Quando os amantes se olham e sentem que seus universos quase se fundem, como se percebe no poema acima de Vinicius, há um deslumbramento.

A luz, nesse poema do Vinicius, é o universo de cada parceiro que, no amor, tende a se sobrepor na maior dimensão possível. Sobreposição aqui é coincidência. Exemplifico: o universo de cada um deles coincide na admiração e no desejo em relação ao outro, no apreço pela arte, no prazer de estar se dirigindo ao outro, no significado do texto, na erudição do poema, na infinidade de traços pessoais de cada um, a maioria dos quais supõe-se que só os parceiros conhecem. A predominância do elemento convívio, nesse poema-diálogo, é o motivo dessa criação da peça artística. Há referência a Deus, portanto a um elemento religioso, como à razão. Toda nomeação e atribuição de sentido são sempre devedores da razão também. É válido ouvir novamente a canção de Marisa Monte e comparar. Há semelhanças e diferenças. Todo universo é infinito e particular.

Na arte, o compartilhamento de universos é tão fundamental quanto no amor. Isso explica inclusive por que gostamos de determinada música e não apreciamos outras; por que gostamos de ler livros de um autor e não apreciamos muito os de outros autores. É que o universo de cada um é fruto de uma construção interior. Meu universo bate melhor com o universo artístico do cantor cujas músicas me agradam mais. Eu gosto de certo estilo de música porque os cantores dessas músicas expressam um universo semelhante ao meu. Nem sempre é questão de qualidade.

 

 

Como tudo termina aqui em trova:

 

 

Eu canto a letra e o compasso,

de olho nos olhos teus,

parte do mesmo universo

que brota dos olhos meus. (JGHeleno)

 

 

*(JGHeleno, da Academia Barbacenense de Letras; da Academia Juizforana de Letras, da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora; da União Brasileira de Trovadores, da Associação Brasileira de Poetas Aldravianistas; da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos)

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