Em mais de 1.200 sessões avaliadas, apenas 19% relataram maus-tratos
As audiências de custódia por videoconferência reduzem a eficácia do mecanismo na proteção de direitos e fragilizam o combate à violência policial, quando se compara ao formato presencial. As sessões virtuais pioram o encaminhamento de investigações de tortura e maus-tratos das pessoas custodiadas.
A conclusão é da pesquisa Direito sob Custódia: Uma década de audiências de custódia e o futuro da política pública de controle da prisão e prevenção da tortura, produzida pelo Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD) com apoio da Associação para a Prevenção da Tortura (APT).
Entre setembro e dezembro de 2024, o levantamento analisou 1.206 sessões em dez cidades de seis estados – Acre, Bahia, Goiás, Minas Gerais, Paraná e São Paulo-, cobrindo todas as regiões do país. Do total analisado, apenas 19,3% das pessoas relataram tortura, maus-tratos ou agressões. Salvador (35,3%) e Betim (31,4%) apresentaram a maioria das denúncias.
Os dados mostram que o respeito aos direitos da pessoa custodiada foi 17,5% maior nas audiências presenciais. A análise levou em conta a condução da sessão pelo juiz, incluindo se ele explicitou o objetivo da audiência e o seu resultado, e se a alertou sobre o direito ao silêncio.
Das 27 decisões de relaxamento da prisão em que foi possível obter informação sobre seu fundamento, apenas uma mencionou a violência policial na abordagem. Segundo o IDDD, esse resultado indica que o Judiciário raramente considera relatos de violência como fator suficiente para reconhecer a ilegalidade da prisão.
Função da audiência
Para a representante da APT no Brasil, Sylvia Dias, as audiências de custódia constituem uma salvaguarda única e decisiva para identificar indícios de tortura e maus-tratos. O procedimento corresponde ao ato processual que garante que toda pessoa presa em flagrante ou por força de um mandado judicial seja ouvida por um juiz em, no máximo, 24 horas, para analisar a legalidade e as condições da prisão.
“O fato de quase um quarto das pessoas detidas relatar agressões ou maus-tratos revela um cenário alarmante que exige medidas imediatas de apuração e, quando houver indícios de violência policial, o relaxamento da prisão. Contudo, a naturalização da violência policial e o descrédito da palavra da pessoa custodiada continuam prevalecendo”, avalia.
Segundo o IDDD, a análise dos dados evidencia que a virtualização das sessões, intensificada durante a pandemia, agravou problemas estruturais e fragilizou a função essencial das audiências, que é verificar a necessidade e legalidade das prisões, coibir abusos e prevenir a violência policial.
“O levantamento, feito em parceria com universidades e pesquisadores, indica que avanços normativos não se traduzem automaticamente em práticas adequadas, e que a efetivação desses marcos depende de maiores esforços de implementação por parte do poder público”, mencionou o IDDD, em nota.
Mesmo assim, ressalta a entidade, a modalidade virtual segue predominante. Dados da plataforma Observa Custódia, desenvolvida pela APT, mostram que, em 2024, apenas 26% das audiências foram presenciais; outras 34% ocorreram por videoconferência e 40% alternam entre os dois formatos.
A pesquisa mostrou ainda que as sessões virtuais acontecem majoritariamente em locais inadequados, já que apenas 26% foram feitas a partir de uma sede judicial, como determina a Resolução nº 213/2015 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). O restante das audiências ocorreu em lugares como delegacias e unidades prisionais.
A presença física da defesa também foi considerada exceção, porque somente 26,2% das pessoas custodiadas tiveram advogado ou defensor público ao seu lado nas audiências virtuais. Considerando essa parcela de pessoas sem acompanhamento presencial da defesa, 37,5% delas ainda apareciam cercadas por policiais durante a sessão, o que costuma inibir denúncias de agressões.
De acordo com o IDDD, quando o juiz está presente no mesmo ambiente da pessoa custodiada, a condução da audiência é considerada 25,3% mais efetiva para investigar denúncias de violências “o que inclui registrar sinais visíveis de tortura e buscar testemunhas”.
HOJE EM DIA










