Agradecendo o gentil convite de alguns alunos para ministrar uma palestra sobre o Transtorno do Espectro Autista e o Direito, aproveito para extrair alguns dados da apresentação e divulgar alguns direitos assegurados à pessoa com TEA, previstos em basicamente duas leis pátrias: a Lei 13.146/2015 e a Lei 12.764/2012, presente no título do presente artigo jurídico.
Enquanto a Lei 12.764 de 27/12/2012 determinou que a pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, O Estatuto da Pessoa com Deficiência é a denominação da Lei Brasileira de Inclusão da Pessoa com Deficiência, Lei Nacional nº 13.146, de 6 de julho de 2015.
Sendo o TEA uma questão de saúde (CID 10 F84; CID 11 6A02), impossível não pincelar o Art. 196 da Carta Magna (saúde é direito de todos e dever do Estado), bem como importante frisar que se tratando de pessoa incapaz por menoridade, evidente que não deixa de ser aplicado em harmonia o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA – Lei 8.078/1990).
Sobre a chamada saúde complementar, mesmo que no contrato do plano de saúde exista uma cláusula que limite o número de sessões de terapia por ano, esse tipo de cláusula é considerada abusiva, por deixar o segurado em visível desvantagem. Assim, o que no contrato reza como máximo (Art. 110 do CC) passa a ser visto como mínimo de sessões (Art. 112 do CC), conforme RN 438/2018 ANS.
Além de atendimento prioritário, a Lei 12.764/2012 em seu Art. 3º prevê outros direitos do autista, relacionados à saúde:
Art. 3º, III da Lei 12.764/2012:
III – o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:
- a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;
- b) o atendimento multiprofissional;
- c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;
- d) os medicamentos;
- e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;
Já com relação ao transporte escolar, inclusive com a presença de um acompanhante (ou apoiador), destaco precedente de nossos Tribunais:
“O Poder Público não pode se esquivar de seu dever de fornecer transporte escolar ao autor que possui transtorno do espectro do autismo, conforme declaração médica emitida por profissional especialista (médica psiquiatra), razão pela qual não encontra o Estado respaldo de legitimidade para sua omissão.”
Processo: 1037235-98.2021.8.26.0114
E continuando a falar sobre educação, ainda de acordo com o Art. 3º, Parágrafo único da Lei nº 12.764/2012, alunos com TEA tem o direito de ter um professor auxiliar na sala de aula, bem como em todas as atividades escolares. Tal professor não é um profissional de reforço didático! Muito além, ele é um facilitador social entre o aluno com TEA e a inclusão junto outros alunos e professores. Friso que o custo desse professor não deve ser repassado em forma de cobrança extra aos pais da criança ou adolescente autista, no caso em especial do ensino particular (Vide Art. 28, §1º da Lei 13.146/2015).
Quanto ao Direito do Trabalho, o Art. 34, § 2º do Estatuto da Pessoa com Deficiência reza que: A pessoa com deficiência tem direito, em igualdade de oportunidades com as demais pessoas, a condições justas e favoráveis de trabalho, incluindo igual remuneração por trabalho de igual valor. Já a lei 13.370/2016 garante a redução da carga horária de trabalho para pais de autistas entre 20% e 50%. Tal variação geralmente é determinada em Acordo Coletivo de Trabalho paralelo ao nível de apoio que o autista necessita.
Sobre o assistencialismo, uma das maiores dúvidas é se há Benefício de Prestação Continuada (BPC) do LOAS para pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA)? E a resposta é positiva! Sim, contudo limitado de acordo a renda familiar, ou seja, em 2024, o valor do salário mínimo é de R$ 1.412,00 (valor do benefício mensal), desde que a família da pessoa com TEA tenha renda per capta inferior a ¼ do salário mínimo, o que equivale a R$ 353,00 por pessoa.
Em 10/2023 o TNU – Turma Nacional de Uniformização, do Conselho da Justiça Federal reconheceu que despesas com educação da pessoa com deficiência, ainda que sejam em escola regular, é integralmente dedutível da base de cálculo do imposto de renda, devendo ser considerada como despesa médica. Além disso, a pessoa com autismo tem preferência no recebimento da restituição do imposto de renda.
Ainda tateando o Direito Tributário, quem tem autismo pode adquirir veículos com isenção de impostos. Por isso, o valor do automóvel acaba saindo com mais desconto. Uma questão importante aqui é que o autista não precisa necessariamente ser o condutor, mas deve indicar três condutores habilitados.
Quanto às obrigações militares, é necessário sim que o alistamento deva ser feito nos primeiros 6 meses (janeiro a junho) do ano em que completar 18 anos de idade, podendo a pessoa ser considerada apta, ou ainda que preencha o Requerimento de Solicitação de Isenção do Serviço Militar .
Sobre o Direito Eleitoral e as garantias da pessoa com TEA, transcrevo:
No caso da Justiça Eleitoral, a legislação traz algumas garantias. Uma delas é o direito à preferência na hora de votar. Quem tem autismo, basta declarar sua condição ao presidente de mesa da seção eleitoral que terá prioridade na fila de votação. Não é necessário uma inscrição prévia ou apresentação de laudo médico. Quem tem a carteira de identificação ajuda nesse processo, mesmo não sendo obrigatória para o reconhecimento.
Outro direito da pessoa com autismo é o de votar acompanhado de uma pessoa da sua confiança. É um dos poucos casos em que a legislação admite a presença de um acompanhantedo eleitor ou eleitora na cabine de votação, podendo digitar os números na urna eletrônica ou auxiliar o/a eleitor/a.
https://www.tre-pe.jus.br/comunicacao/noticias/2023/Marco/conheca-os-direitos-do-eleitor-ou-eleitora-com-autismo
A grande dificuldade atual para conciliar a teoria e a prática, é que a legislação não costuma fazer distinção aos direitos do autista com relação ao nível de apoio que ele necessita, o que antigamente era chamado de autismo leve, médio e grave. Contudo, o autista nível leve costuma encontrar entraves em usufruir dos seus direitos, pelo fato dos leigos considerarem que ele não é tão comprometido assim. Entretanto, é importante vislumbrar que da mesma forma que um TEA nível 3 pode regredir para o nível 1 com o tratamento e acompanhamento adequado, o efeito contrário também é passível diante da falta de apoio, sobretudo aquele que deve ser prestado pelo Poder Público.
Enfim, sendo o Direito uma ciência de ciclos de pouca/nenhuma assistência e picos de muito respaldo teórico sem estrutura física ou prática, o laudo médico ainda deve atentar para que se no passado “ninguém era autista” não significa que hoje “todos são autistas”.
NOTA DE REDAÇÃO: Cícero Mouteira é advogado, professor universitário e de cursos preparatórios, Assessor Jurídico da PMMG e defensor da soberania do laudo médico, embora a legislação ainda precise de ajustes até tratar com dignidade e equidade os diferentes níveis do TEA.