Por JGHeleno*
Escrevo agora sobre racismo. Antes, porém, me pergunto: O que tem a ver racismo com arte? Tudo a ver. Voltando àquelas balizas que nós apontamos como avalistas dos sentidos da vida, o racismo nega o convívio, nega a razão, e ainda limita nossos universos interiores.
Celebrou-se no dia 20 de novembro último o dia da Consciência Negra. Essa celebração é mais antiga, porém o feriado foi instituído recentemente. 20 de novembro é uma referência à data da morte de Zumbi. Essa data, de certa forma, entra no lugar do 13 de maio, que é uma data comprometida desde sua origem. Isso, pela maneira injusta e incompleta que marcou a declaração unilateral da abolição da escravatura. Foi uma abolição que pouco passou de palavras apenas. Eu sugiro que leiam as matérias disponíveis no Youtube e em outros territórios da internet. Acho interessante o motivo da data: consciência negra, nome que foge do foco sujeito-objeto. Consciência que eu tomo aqui como sabedoria conjunta. Não obstante os lugares ocupados pelos afro-brasileiros em relação aos não afro-brasileiros, ainda não terem atingido, na prática, uma posição de equivalência, eu penso que a palavra consciência propõem uma convergência, tanto dos conceitos, quanto dos sentimentos. Assim, a consciência, o saber com, convida para uma atitude positiva e construtiva dos dois lados na questão. Falo isto porque infelizmente ainda existe o libertado que alimenta em si a postura de submissão servil. De um lado, é preciso esforço no sentido de extirpar a interiorização de qualquer sentimento servil, é necessária a luta pela conquista do lugar de pleno direito. Do outro lado, é mister que se criem instrumentos que facilitem o vencimento das barreiras que contrapõe privilegiados e prejudicados. De todos os lados, é necessário discernimento, conhecimento da realidade racista. É preciso que se chegue ao sentimento de igualdade humana, que implica naturalmente em igualdade de direitos, de forma que se acabe com a oposição eu-outro, pela sua junção definitiva em nós.
Convido todos a ouvirem a canção Yayá Massembe. Há muitas gravações dessa canção disponíveis na Internet. Cada uma delas com suas conotações próprias. Certamente há muitas palavras que não são comuns no português diário, mas elas não impedem a compreensão do texto poético em seu todo. Transcrevo abaixo sua letra.
Yayá Massembe (Composição: Capinam e Roberto Mendes)
Que noite mais funda calunga
No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa, candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito
Kawô, kabiecile kawô
Okê arô Okê
Quem me pariu foi o ventre de um navio
Quem me ouviu foi o vento no vazio
Do ventre escuro de um porão
Vou baixar no seu terreiro
Epa raio, machado, trovão
Epa justiça de guerreiro
É semba ê
Samba á
O batuque das ondas
Nas noites mais longas
Me ensinou a cantar
É semba ê
Samba á
Dor é o lugar mais fundo
É o umbigo do mundo
É o fundo do mar
É semba ê
Samba á
No balanço das ondas
Okê arô
Me ensinou a bater seu tambor
É semba ê
Samba á
No escuro porão eu vi o clarão
Do giro do mundo
Que noite mais funda calunga
No porão de um navio negreiro
Que viagem mais longa candonga
Ouvindo o batuque das ondas
Compasso de um coração de pássaro
No fundo do cativeiro
É o semba do mundo calunga
Batendo samba em meu peito
Kawô, kabiecile kawô
Okê arô Okê
-.-.-.-.-.-.
Eu faço a lua brilhar o esplendor e clarão
Luar de Luanda em meu coração
Umbigo da cor
Abrigo da dor
Primeira umbigada Massemba Yayá
Yaya massemba é o samba que dá
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Vou aprender a ler
Pra ensinar meus camaradas
Para terminar em trova:
Aqui gerou-se uma língua
filha do luso e do banto;
surgiu na dor de uma íngua.
e cresceu em todo encanto.
- ABL, AJL, LEIAJF, SBPA, UBT.
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