Morte de Zé Carlos (ex-Cruzeiro) expõe glórias e dificuldades da profissão de jogador

A crônica de Hélcio Ribeiro Campos

Neste junho, Zé Carlos morreu aos 73 anos (1945-2018). Grande futebolista, desfilou seu brilhante repertório por onde atuou: “O meio-campo é o lugar dos craques”, aprendi na música e no privilégio de vê-lo jogar (no estádio). Teve passagens pela Seleção Brasileira, como era de se esperar.

Nascido em Juiz de Fora-MG, na adolescência dividia o tempo entre o trabalho como operário e o futebol. Mas foi no futebol que fabricou seu maior sonho: ser jogador profissional.

Ainda com 17 anos (1963), já era titular do Sport de Juiz de Fora. Teve curtas experiências em clubes cariocas antes de ser notado pelo Cruzeiro: um dia, o presidente Felício Brandi bateu à porta da casa de Zé Carlos às 11 horas da noite. No outro ele chegava à Toca da Raposa. Era nov. 1965.

Nessa mesma época, vários excepcionais jogadores também estavam lá e formaram o grande esquadrão cruzeirense dos anos 60 com Tostão, Raul, Piazza, Dirceu Lopes… Tantos craques que o destino do próprio clube mudaria, e não só o de Zé Carlos.

Essa geração deixou o Cruzeiro com um pentacampeonato (65-69) e a Taça Brasil (66), quando bateu o Santos de Pelé (incríveis 6 a 2 no Mineirão, e 3 a 2 no Pacaembu). Não por acaso, cruzeirenses ganhariam espaço na Seleção (caso de Zé Carlos), até então um feudo do eixo Rio-São Paulo.

Aos poucos, parte de tal geração foi sendo substituída por outra também brilhante. Novos craques. Novos títulos. Zé Carlos permaneceu. Por isso, é o 2º jogador que mais empenhou a camisa estrelada, 633 vezes, pela qual venceu 9 estaduais, a Taça Brasil e a Libertadores de 1976.

A Libertadores ainda é o maior título da história do Cruzeiro (feito repetido em 1997) e, por isso, a  geração dos anos 70 é festejada pela torcida. Quem esqueceria Palhinha, Roberto Batata, Nelinho e Zé Carlos?

Depois das décadas de 60 e 70, o Cruzeiro nunca mais seria o mesmo. De time em ascensão em Minas passou a admirado até no exterior. Nascia um grande clube. Os responsáveis? Um grupo de algumas poucas dezenas de atletas, dentre os quais, Zé Carlos.

Zé Carlos deixou o time das 5 estrelas em nov. 1977. Passou a defender o Guarani, onde foi campeão brasileiro de 78 com uma nova safra de talentos: Careca, Zenon, Bozó… É até hoje a maior glória da história bugrina. Novo clube, novos companheiros e ápice para o clube: a marca de Zé Carlos.

Pouco tempo depois, ele pararia de jogar. Voltou a Minas Gerais, sua terra.

Com tantos triunfos na carreira, poderíamos supor muito dinheiro e glamour na vida de ex-atleta. Contudo, Zé Carlos passou a conviver com problemas de saúde nos últimos anos, passando por um AVC. Teve sua fala e movimentos gradativamente piorados, dificultados.

Parece óbvio que um jogador de tamanha expressão no auto-intitulado “país do futebol” poderia  bancar tratamento adequado, mas…

A família precisou contar com a benevolência alheia, marcadamente com a de aficionados e ex- jogadores cruzeirenses. Foi assim, por exemplo, que Zé Carlos ganhou sua cadeira de rodas, doada por uma torcedora. Tudo isso mesmo tendo sido empregado pelo Cruzeiro. Fico imaginando se Zé Carlos não tivesse sido o craque que foi!

Quase 30 anos após Zé Carlos parar de atuar, o futebol ainda é rico só para uma minoria de jogadores. Alguns dados da CBF (2016) dimensionam o tamanho do desprezo por quem deveria ser honrado como qualquer outro trabalhador brasileiro merece, mas teimamos em trocar pessoas por lucros:

  • 82,4% dos jogadores recebiam até 1 mil reais, e 13,7% entre 1001 e 5000 reais. Ou seja, 96,1% dos atletas profissionais tinham vencimentos de até 5,7 salários mínimos à época. A faixa salarial entre 5 e 10 mil abrangia 1,35% dos futebolistas.

Ademais, o número de agremiações vem caindo no Brasil. Em 2017, eram 662 clubes profissionais de futebol, dos quais apenas 128 têm calendário o ano todo. Os demais 534 existem por 3 meses ou pouco mais que isso, enquanto duram os campeonatos estaduais. Em outros termos: maioria dos jogadores não tem emprego por cerca de 8 meses.

A Inglaterra, o berço do futebol, reúne 20 divisões e cerca de 7 mil times confederados, incluindo semi-profissionais e amadores.

No Brasil, o movimento dos jogadores que reivindicou melhore condições de trabalho e a criação de uma 5ª divisão nacional (para que os atletas dos ditos times pequenos tivessem emprego o ano todo) nem sequer ouvido pela CBF. Detalhe: o movimento era o “Bom Senso FC”, nome que resume tudo o que faltou à CBF. E é ela que “cuida” do futebol e, logo, do futebolista brasileiro.

Alguém, por favor, cuide dos novos Zé Carlos que estão por vir!

 

 

 

Nós usamos cookies e outras tecnologias semelhantes para melhorar a sua experiência em nossos serviços, personalizar publicidade e recomendar conteúdo de seu interesse. Ao utilizar nossos serviços, você concorda com tal monitoramento. Aceitar Saiba Mais