Cidade das (P)Rosas: Fernando Sabino e o clássico da literatura brasileira que se passa em Barbacena

O livro de hoje da coluna Cidade das (P)Rosas, do Barbacena Online, é O Grande Mentecapto, do escritor mineiro Fernando Sabino, que faria 101 anos no último dia 12 de outubro. O livro descreve, com muito humor e simplicidade, várias cidades de Minas Gerais, inclusive Barbacena. A Coluna Cidade das (P)Rosas tem o intuito de apresentar grandes obras de escritores barbacenenses, mineiros e, às vezes, brasileiros, que estejam no acervo da centenária Biblioteca Pública Municipal de Barbacena. Dessa forma, caso os leitores da coluna queiram ler as obras, podem pegá-las emprestadas gratuitamente na biblioteca.

O Grande Mentecapto: Relato das aventuras e desventuras de Viramundo e de suas inenarráveis peregrinações conta as perambulações e peripécias de Geraldo Viramundo, uma espécie de anti-herói que percorre as cidades de Minas Gerais sem rumo. Suas andanças começam em sua cidade natal, Rio Acima, e prosseguem por Mariana, Ouro Preto, Juiz de Fora, Belo Horizonte e, a que mais nos interessa por aqui, Barbacena. Geraldo é um personagem ingênuo e cômico, que sem querer desafia a ordem social por onde quer que passe: faz um trem parar, é expulso de um seminário, destroi uma festa do governador, é expulso do exército, disputa uma eleição quase sem querer, provoca uma enorme manifestação de marginalizados, dentre outros feitos notáveis.

Escrito em formato semelhante ao dos folhetins, o livro possui uma leitura simples e fluida. Cada capítulo acontece em uma cidade diferente, e pode ser lido quase como um conto autônomo. Os acontecimentos de cada cidade se conectam com as características e a história locais, fazendo da leitura não apenas o acompanhamento das inenarráveis peregrinações de Viramundo, mas um passeio pelas paisagens, costumes e tradições de diversas cidades de Minas. Há um fio condutor que permeia todos os capítulos, é claro, mas mesmo assim a obra não deixa de ter o fascínio do inesperado e da novidade a cada instante.

O capítulo que se passa em Barbacena é um dos mais divertidos do livro, e descreve de forma muito interessante a rivalidade entre as famílias Andrada e Bias Fortes. Ao caminhar pelas ruas da cidade, o vendedor de esterco Barbeca explica a Viramundo sua posição política:

“Bem, hoje de manhã eu acordei bonifacista porque a primeira coisa que eu fiz foi tomar uma cachacinha no botequim dos bonifácios. Depois fui levar uns sacos de esterco na fazenda dos bias e voltei de lá bíista. Ainda agorinha nós estávamos ali na rua Bias Fortes, de modos que eu era bíista. Agora estamos indo pela rua José Bonifácio, de modos que eu sou bonifacista.”

Em nossa cidade, Viramundo rouba rosas para a filha do governador no roseiral de Herr Bosmann (“não sobrará pétala sobre pétala”), conhece o escritor francês Georges Bernanos, que na época morava na cidade, se livra de ser internado no Hospital Colônia e aceita participar da campanha para a prefeitura do município (“se for para o bem de todos e felicidade geral da nação, diga ao povo que aceito”).

O livro recebeu uma adaptação para o cinema, em 1989, pelo cineasta Oswaldo Caldeira, com Diogo Vilela no papel de Geraldo Viramundo. Uma das cenas mais marcantes do filme é quando Viramundo e Barbeca jogam pétalas de rosas na Rua Alvarenga Peixoto, atrás da Estação Ferroviária. Além de ganhar prêmios nacionais, o filme foi exibido nos festivais de cinema de Washington e Chicago, nos Estados Unidos, de Montreal, no Canadá, e de Havana, em Cuba. Sim, as imagens de Barbacena já foram exibidas internacionalmente! O filme está disponível aqui.

A viagem: entre tema universal e regional

Os temas da viagem e dos deslocamentos são muito tradicionais dentro da literatura. Começam na Grécia Antiga, com A Ilíada e a Odisseia, de Homero. Depois, atravessam os séculos na Europa através de obras como Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, As viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, Robinson Crusoé, de Daniel Defoe, Viagens na minha terra, de Almeida Garrett, os romances de aventura de Julio Verne e Joseph Conrad, Morte em Veneza, de Thomas Mann, As cidades invisíveis, de Italo Calvino e, no Brasil, o maravilhoso Grande Sertão: Veredas, de Guimarães Rosa (escritor que também tem uma relação com Barbacena).

Contudo, mais do que se conectar com uma tradição milenar na literatura ocidental, considero que Fernando Sabino se conectou com uma outra tradição: a de Minas Gerais. Vale lembrar que o povo de Minas é um pouco nômade, como atesta a famosa expressão “ali de mineiro”. O que Sabino faz é pegar um tema universal e uni-lo a uma característica essencialmente regional, fazendo uma espécie de mistura, realizando uma operação antropofágica, na qual o nomadismo mineiro se sobressai. Pois a obra não tem, ao meu ver, intenções universais, e sim a de expressar a alma de uma região e de um povo. O livro é composto por personagens populares, figuras típicas do interior de Minas Gerais, inconfundivelmente mineiras. 

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Fernando Sabino (1923-2004) foi um jornalista e escritor nascido em Belo Horizonte. Considerado um dos grandes nomes da literatura nacional, escreveu mais de 40 livros, entre eles O Encontro Marcado, O menino no espelho e O Grande Mentecapto. Em 1980 ganhou o prêmio Jabuti, o mais importante do Brasil, pelo livro O Grande Mentecapto e, em 1999, o Prêmio Machado de Assis, da Academia Brasileira de Letras, pelo conjunto de sua obra. É amplamente considerado um dos escritores mais importantes de Minas Gerais, tendo dedicado boa parte de suas obras para falar sobre as paisagens e costumes do estado.

A Biblioteca Pública Honório Armond foi fundada pelo Visconde de Carandaí no ano de 1882. Possui um acervo de quase 50 mil volumes e cerca de 10 mil leitores cadastrados. Atualmente, fica na Casa da Cultura, um dos prédios históricos mais importantes da cidade. O nome é uma homenagem ao barbacenense Honório Armond, considerado o “Príncipe dos Poetas Mineiros”.

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