De Dercy Gonçalves a Bolsonaro

A crônica de Francisco Santana

O Latim era uma língua falada pelos antigos habitantes do Lácio. Dele, surgiram as línguas neolatinas ou românicas como o português, o francês o espanhol e o italiano. Havia em Roma várias espécies de latim: Clássico, língua das pessoas instruídas, dos oradores, poetas escritores; Latim Popular, falado pela plebe, pelo povo; Latim Familiar, falado pelas pessoas instruídas na conversação diária, despreocupada. Nos quartéis, havia um modo de falar peculiar aos soldados – latim castrense. Foi o latim falado pelos soldados romanos e levado à península ibérica que com o correr dos tempos se transformou em português. Qualquer semelhança é mera coincidência.  

 

Por enquanto, a língua portuguesa é a usada pelos habitantes do Brasil. Eu disse por enquanto pela invasão do estrangeirismo em nosso idioma cuja segunda língua é o inglês. Fora isso, há o linguajar regional e as gírias. Outro meio de comunicação oriundo do povão está se fortalecendo e hoje se encontra no vocabulário da classe artística, esportiva, diplomática e política.   Eu me refiro ao palavrão, grupo de palavras que são consideradas, em meio à sociedade, vulgares e desnecessárias. O conceito de palavrão é subjetivo e ele se envolve nas áreas da educação, história, cultura, valores e princípios. O seu hábito de falar divide opiniões. É comum utilizar do palavrão para definir exageros, xingamentos, vulgaridade, insultos, animosidade, maledicência, maldade ou para expressar raiva.  Não podemos nos esquecer da hipocrisia humana. Se algum desafeto seu faz uso do palavrão ele é um mal educado, boca suja, língua afiada, caráter defeituoso, personalidade corrompida, etc. Mas, quando esse desafeto é seu aliado, o palavrão passa a ter a conotação de descarregar a raiva, extravasar o estresse, transbordar sentimentos ruins do seu interior.    

Enquanto algumas pessoas defendem o palavrão como uma forma descontraída e rápida de comunicar uma sensação, outros o condenam por demonstrar falta de respeito com o interlocutor. Quem poderia imaginar que o Presidente Jair Bolsonaro o usasse inúmeras vezes numa reunião ministerial? Das bocas dos etilizados o palavrão passou a sair das bocas dos elitizados. .Há quem diga que não há palavrões piores que a fome, falta de respeito, feminicídio, pedofilia, corrupção, desigualdade social, injustiça, miséria, todo tipo de violência, saúde e educação deficitárias e insegurança.  

Abri esse parágrafo para escrever sobre a importação do palavrão. Ontem, três adolescentes brincavam de correr na minha rua. Dois na frente e um gordinho, sem fôlego, bem atrás. Um da frente gritou: “Cansou?” O gordinho fez aquele tradicional gesto com o dedo e gritou: “Fuck!!! Shit!!!”. 

Trabalhei com um gerente que falava tantos palavrões que deixariam Dercy Gonçalves, Costinha, Ary Toledo e Bolsonaro escandalizados. O seu repertório era incalculável. Nas reuniões ele usava e abusava sem constrangimento e os participantes deliravam com seu desempenho e o saudavam com palmas. As saudações inflavam o seu ego e o incentivava a dizer mais e mais palavrões. Ele se sentia um astro, um grande manipulador das massas. Não nego que suas reuniões eram proveitosas e ele, persuasivo, agregava seus funcionários.  Era um grande líder da boca suja.  

 

Enquanto redigia esta crônica me lembrei de um caso hilário ocorrido comigo quando eu era aluno da 3ª série do primário no Grupo Escolar Dona Adelaide Bias Fortes em Barbacena. Eu adorava escrever e quando o momento da aula era redigir uma “composição” eu vibrava por dentro e não por fora para não ser xingado pelos colegas que odiavam. A professora, Dona Rosa Santos Buscácio, pediu-nos que fizéssemos uma composição com o título “A palavra mais bonita”. Vibração geral porque o tema era simples e fácil. Pensei em falar sobre a mãe, amor, Fluminense, saudade, pai, Brasil, colegas e etc. Quando a caneta descansou sobre a folha, mudei totalmente de ideia porque me lembrei de uma palavra que eu amava. Os colegas levantavam as mãos ou gritavam “acabei, professora!” E eu ainda estava escrevendo estrategicamente para não ser convocado a ler a minha. Enquanto as leituras revezavam, fui chamado para ler mesmo dizendo que não tinha terminado. Naquele momento, meu corpo sentiu vários efeitos emocionais como sudorese, taquicardia, dor de barriga, tremor, vontade de chorar, de abrir a porta e sair correndo. Me recompus e comecei a ler modificando na hora alguns termos. Mesmo assim, ela achou o meu tema interessante: SANTANA. Ao terminar a farsa, ouvi e vi muitos sorrisos, vaias (de brincadeira) e fui chamado de narcisista. Mal sabiam todos que na verdade o que estava escrito naquele caderno era a palavra BUNDA. Foi uma farsa literária. Sempre gostei dessa palavra que a considero sonora, rítmica, som de um bumbo e a gente enche a boca gostosamente para pronunciar: BUNNNNNDA!  

Apesar de ser considerado sinal de má educação, dizer palavrões é parte da nossa cultura. Já vi defensores citando alguns benefícios deles: alivia dores, melhora o rendimento físico, torna o ser mais racional, ajuda-o a se expressar melhor e faz parecer mais honesto e autêntico. Há quem sinta incomodado com os palavrões que o vê como um sinal de má educação. Estudos científicos indicam que as pessoas que usam palavrões com frequência são vistas geralmente como honestas e autênticas. 

E você, fala muitos palavrões? Não minta para você!

(Fontes: livro Latim para o ginásio de José Cretella Júnior/ Língua Portuguesa: 5 benefícios de dizer palavrões/Internet).  

 

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