A calça azul mesclada e a bata amarela de laise

Maria Solange Lucindo Magno

Existe destino ou apenas coincidências? Há controvérsias, no entanto, a vida nos prega umas peças sobre as quais não temos nenhum controle. Veja essa história:

Maria saiu do colégio no qual estudava com a sua amiga Sueli. Ambas estavam alegres e serelepes e o destino era a rua Quinze de Novembro. Era dezembro, fazia muito calor, quase verão e, naquela época, as estações climáticas eram muito bem definidas.

O motivo da felicidade de ambas era o fato de apenas as duas, num grupo de sete colegas, terem sido aprovadas ao ano de escolaridade seguinte: 3º ano do Magistério. Essa turma havia exagerado na conversa dentro de sala, o que as prejudicou bastante e irritou os professores. De forma que Maria e Sueli, com dedicação e estudos extras, se livraram de uma retumbante reprovação.

Elas subiram pelas ruas que levavam ao centro da cidade numa alegria ruidosa. E, num determinado momento, caiu uma chuva de verão. As duas, claro, estavam sem proteção, pois jovens não se preocupam com isso.

Maria vestia uma calça azul mesclada com branco, que a deixava muito atraente, e uma bata amarela de laise, que era de sua cunhada. Como ela gostava demais dessa peça de vestuário, a cunhada concordou em emprestar para que ela a usasse.

Maria e Sueli começaram a andar debaixo das marquises, tomando banho de chuva e rindo sem parar. A chuva caia quente sobre elas, que não se importaram em ficar molhadas. As pessoas presentes em massa na rua, por ser essa uma época do ano tão concorrida, enfileiravam-se como podiam para se resguardarem.

E um detalhe adicional começou a chamar a atenção das pessoas, sem que Maria se desse conta, a princípio. A bata amarela molhada colou em seu corpo, revelando os seus seios. E é sabido, que seios aparecendo debaixo de uma roupa molhada costuma ser mais sensual do que eles totalmente desnudos. Quando Maria percebeu o que estava acontecendo, viu que não era possível esconder o que chamava tanto a atenção. Ela e Sueli seguiram subindo a rua, agora apressadamente e se divertindo ainda mais.

Num determinado instante, ao olharem para trás, perceberam que dois rapazes as seguiam. E pela aparência inconfundível, viram que se tratava de alunos da escola militar da cidade. Daí a brincadeira ficou mais interessante. Elas na frente, e os dois enxeridos atrás.

Quando chegaram ao ponto em que as duas iriam se separar, pois cada uma seguiria para sua casa, Maria parou de achar graça na brincadeira, ao perceber que um dos alunos entrou atrás dela no ônibus em que ela se encontrava para ir para casa. Aquilo a irritou profundamente, pois não tinha a menor intenção de interagir com aquele fulano.

Ela estava de pé, bem próxima à saída da porta de descida quando o viu aproximar-se. Rapidamente, fez uma varredura nele: bem alto, olhos verdes discretos, boca carnuda, pele judiada, provavelmente por espremer espinhas sem dó, e uma leve semelhança com o ator global Edson Celulari ou talvez mais bonito.

Com raiva, ela perguntou a ele se tinha noção de onde aquele ônibus o levaria, pois ela morava longe. E quis saber o que o fez ir atrás dela sem ser chamado. Que pergunta inútil! Aqueles alunos faziam qualquer coisa para entrar na vida de uma garota.

Conversaram algumas futilidades e, com muito alívio, Maria chegou ao seu ponto de descida. Ufa, havia ficado livre.

Três meses se passaram, e Maria estava novamente na rua, por volta de umas 18h 30, fim de verão. A temperatura ainda estava amena. Ela estava acompanhada de seu irmão mais velho, sua cunhada e o sobrinho de quase dois anos. Maria vestia a mesma calça azul mesclada e a mesma bata amarela de laise que vestiu naquele dia chuvoso de dezembro. Porém, nesse dia, estava comportada e serena.

Foi quando ela foi abordada por um aluno da escola militar. Ele estava fardado. Ao olhar bem para o rapaz, lembrou-se de imediato do quase sósia de Edson Celulari e se sentiu um pouco envergonhada. Ela estava com a mesma roupa de dezembro e estar repetindo uma roupa, para ela, era um problema. A única diferença é que estava seca.

Maria o apresentou ao irmão e à cunhada e eles ficaram um pouco para trás conversando. O rapaz que se apresentou como Mateus, disse que queria namorá-la. E ela deu uma risada breve. Como assim? Namorar alguém que viu apenas uma vez e encarar um pai tão bravo! — ela inventou isso para o demover da ideia.

Mas, qual não foi a sua surpresa, ao passar o endereço para ele, constatar que ele era “cara de pau” o suficiente para ir à sua casa e pedir ao pai dela para namorá-la. E mais surpreendente ainda foi o pai ter concordado, pois sempre dizia que não queria a filha envolvida com rapaz da escola militar. Era do conhecimento de todos que eles arrasavam os corações das moças de Barbacena, indo embora depois para sempre.

Mas o pai, naturalmente, pensou que já havia uma paquera entre eles. Só que não havia. Eles se esbarraram na rua num dia chuvoso.

Mateus era muito educado e fino e logo conquistou o pai de Maria. Mas, entre eles mesmos, o relacionamento não foi o ideal, afinal, não foi nada construído, mas um envolvimento abrupto iniciado com o arroubo de dois jovens atraentes, hormônios em turbilhão e sem terem quase nada em comum. Eles se desentendiam bastante porque discordavam em muitas coisas. Sempre que Maria precisava, estudavam juntos, pois Mateus era muito bom em matemática, e o que talvez os tenha mantido juntos por dez meses, foi apenas uma atração física. Nada mais os unia e foi ótimo para ambos quando o envolvimento terminou.

Porém, o que intrigava Maria sobremaneira, era o fato de uma calça e uma blusa chamativas terem concorrido para o início de um namoro que nada teve de especial. Ele a reconheceu pela roupa, mas ela não o teria identificado de farda. Se não fosse por isso, certamente, os dois jamais teriam se reencontrado. Será que ela tinha que viver aquilo? Coincidência ou destino?

 

Maria Solange Lucindo Magno, professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede estadual – aposentada

Atuou como Inspetora Escolar na rede estadual – SEE

Técnica em Educação da rede municipal de ensino de Barbacena – aposentada

Amante de livros, cinema, teatro e música, enveredou pelos caminhos da escrita

Lançou em 2020 o seu livro de caráter intimista “Escritos Com o Coração”

Autora de diversas crônicas

Comentarista na página do Leitor – Revista Veja

Foi aprovada como colunista do site O Segredo

Aprovada em quatro Antologias

Atualmente é articulista do Complexo de mídia eletrônica Barbacena Online

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