As mais belas histórias contadas pelo vovô Santana

A crônica de Francisco Santana

Essa semana passei momentos de raro esplendor na companhia do meu neto Bernardo, três anos. Estávamos assentados no sofá assistindo ao desenho animado “Patrulha Canina”. Na história, os personagens estavam assistindo um espetáculo circense. Retornei à minha infância e vi um momento propício para contar meus casos a ele. Eu teria que ter bons argumentos para tirar seus olhos pretinhos, arregalados e enormes da tela da televisão. Momento de pura psicologia.  Eu o envolvi em meus braços num abraço não tão forte para não machucá-lo e não tão frouxo para não deixá-lo escapar. A posição era confortável e de muita emoção. 

– Bernardo! O vovô Santana quando era criança ia muito ao circo com suas tias e tios. Eu devo ter ido umas vinte vezes. Cada espetáculo era uma motivação para retornar. Eu amava tudo, menos os maus tratos aos animais. Já vi muitos esqueléticos que para se apresentarem eram chicoteados. Quanta maldade!

– Vovô Santana, você sabia que já fui ao circo mais de mil vezes? Eu, minha mãe e meu pai. O que eu mais gostei foi ver um dinossauro enorme (fazendo sinal com os braços). Ele era muito grande mesmo e tinha uma boca enorme. 

Pensei: se ele foi ao circo mais de mil vezes, não vai adiantar nada eu contar meus casos, pois ele já deve ter assistido tudo. Mesmo assim, comecei a lhe contar minhas façanhas. Bernardo, as apresentações eram muito rápidas. Os artistas eram polivalentes, faziam de tudo um pouco. O circo que eu mais gostei se chamava “Circo Garcia” de ótima estrutura, muita segurança e de apresentações atraentes. Ele possuía artistas de várias especialidades como malabarismo, palhaço, acrobacia, monociclo, contorcionismo, equilibrismo e ilusionismo. O trapezista me roubava um grito de horror: “Ai senhor meu Deus!” Quantas vezes eu fechava os olhos para não ver as quedas. Fiquei impressionado ao ver o palhaço reco-reco entrar em cena carregando uma mala que tinha o nome “Catarina” e lá de dentro sair uma mulher. Eu gostava do contorcionismo e pensava: esses artistas não possuem ossos no corpo e vibrava com a bandinha que tocava fora de ritmo.  

Numa noite de lotação esgotada conheci o globo da morte. Nas apresentações, o silêncio da platéia era substituído pelos aplausos e pela expressão: óóóóóó!!! Num show eu queria assentar na primeira fila e minha irmã não deixou.  Dessa vez não questionei e obedeci.  Em cena, dois palhaços simulavam uma briga. Um corria atrás do outro quando tropeçou derramando toda água que estava dentro do balde na arena. Ele espertamente parou, pensou e agiu. Enquanto o outro o atiçava, ele pegou o balde e saiu em disparada para jogar a água no adversário. Foi nesse instante que os dois ficaram estáticos um em frente ao outro. Em câmera lenta, o que estava no interior do balde foi lançado, o outro se esquivou e tudo caiu sobre um senhor que estava assentado na primeira fila.Todos gritaram. Não era água, era papel multicolorido picado. Minha irmã me olhou e disse: “Viu! Agora já sabe o porquê não deixei você se assentar na primeira fila?” Balancei a cabeça sem entender como a água fora substituída pelos papeis picados.  

De repente, o pânico tomou conta de mim e abracei minha irmã. Entraram em cena quatro anões. Meu coração disparou, engoli o choro. Eu tinha medo de anão e estava diante de quatro. Esse medo veio quando um anão acompanhado do seu pai (enorme) visitou a casa do nosso vizinho. Eu olhei tanto para ele que o pai falou algo e o anãozinho fez um gesto que me colocou para correr. Cheguei em casa sem fôlego e chorando. Contei a história para minha mãe. Isso foi um trunfo para ela, porque toda bagunça que eu fazia ou tencionava fazer ela me dizia: “Vou chamar o anão para pegar você!” A palavra “anão” me aterrorizava. 

Na porta de entrada e saída do circo, ficava uma jaula e dentro dela repousava um enorme gorila. Ele só ficava enfurecido quando ouvia aplausos da platéia. Para combater sua fúria uma linda domadora entrava em cena, sacudia o seu chicote algumas vezes e cantava uma canção e ele se derretia todo. Após o show dos anões, eles saíram do ato correndo e um deles passou perto da jaula, mostrou a língua e abaixou a calça mostrando a bunda para o gorila e mexeu na fechadura dela. O gorila gritava, urrava e sacudia tanto que a jaula parecia prestes a cair.  Foi aí que a porta se abriu e o gorila estava solto correndo na arena. A platéia gritava e se abraçava temendo por algo pior. Nesse instante apareceu a bela domadora sacudindo o seu chicote e cantando uma canção de ninar. O gorila se acalmou e a abraçou. Um clarão se fez presente cegando-nos e quando o clarão se dissipou, o gorila se transformou num homem, beijou a boca da domadora e o show terminou sob aplausos. 

Eu estava empolgado e entusiasmado porque consegui prender a atenção do Bernardo. Olhei para ele que estava longe e totalmente alheio aos meus casos e lhe perguntei se gostara das minhas histórias. Ele olhou para mim com olhar de repreensão, levou o dedo indicador na boca pedindo silêncio porque ele queria ver e ouvir o desenho da “Patrulha Canina”.  

Não foi dessa vez que consegui prender sua atenção. Acho que falo demais!