Tião Galinha e Padre Lívio: históricos personagens da novela “Renascer”

Por Francisco Fernandes Ladeira  

O remake da telenovela “Pantanal”, exibido atualmente pela Rede Globo, no horário das 21 horas, recolocou em evidência o nome de Benedito Ruy Barbosa, autor da produção original (apresentada em 1990 na extinta TV Manchete).

Dois anos depois de “Pantanal”, Benedito Ruy Barbosa teria sua primeira obra na faixa nobre global: “Renascer”, que contava a história de José Inocêncio (Leonardo Vieira/Antonio Fagundes), poderoso fazendeiro da zona cacaueira de Ilhéus (BA). A novela era estruturada, basicamente, em torno de José Inocêncio, sua família, posses e empregados.

Em “Renascer”, dois personagens fora do núcleo de protagonistas – Tião Galinha (Osmar Prado) e Padre Lívio (Jackson Costa) – se destacaram por chamar a atenção para questões dificilmente debatidas em telenovelas, como as contradições entre capital/trabalho, reforma agrária, fome e a imposição do celibato para sacerdotes da Igreja Católica. 

Humilde, ingênuo e sofrido, Tião Galinha era um catador de caranguejos que, na esperança de melhorar de vida, migrou com esposa e filhos para a região cacaueira, onde, a princípio, foi empregado na propriedade do autoritário e mau-caráter Teodoro (Herson Capri). Posteriormente, Tião passou a trabalhar na fazenda de José Inocêncio.

Vítima da concentração fundiária que impera no território brasileiro, o único desejo de Tião era ter um pequeno pedaço de terra, sua própria roça e sustentar de maneira minimamente digna sua família. 

Ao tomar conhecimento sobre a lenda que apontava ser um diabinho de estimação numa garrafa o responsável pela riqueza de José Inocêncio, Tião resolveu utilizar o mesmo artifício com objetivo de se livrar da vida miserável. Para tanto, passou a criar uma galinha, que daria à luz ao cramulhão que supostamente mudaria seu destino (daí o motivo do apelido).

Já Padre Lívio era um religioso que realmente seguia o exemplo de Jesus: estava ao lado dos oprimidos. Suas falas que denunciavam a exploração dos trabalhadores e favoráveis a justiça social lhe valeram o epíteto de “padre comunista”. 

“Com um visual moderno, cabeludo, barbudo e politizado, padre Lívio causava polêmica por conta dos seus discursos progressistas, que incomodavam os poderosos da região, como o coronel José Inocêncio”, escreveu o pesquisador sobre assuntos televisivos Sebastião Uellington Pereira, em texto no site “TV História”. 

Não por acaso, o sacerdote gostava de citar o seguinte provérbio português: “Quem trabalha e mata a fome, não come o pão de ninguém, mas quem ganha mais do que come, sempre come o pão de alguém”. 

No entanto, Tião Galinha e Padre Lívio são pontos fora da curva na teledramaturgia brasileira; até mesmo em “Renascer”. Novelas, como todo produto cultural do mainstream, também são produtos ideológicos, transmitem as ideias da classe dominante como se fossem universais e do interesse de toda a sociedade.

Como bem apontou o professor da Universidade de Brasília (UnB) Mauro Pereira Porto, em artigo publicado na revista científica Comunicação & Política, “Renascer” também levantava questões inerentes ao pensamento conservador, a partir das desqualificações da esfera política, do Estado e dos ideais e lideranças de esquerda. 

Curiosamente (ou não), quando Tião Galinha e Padre Lívio são lembrados em textos dos veículos de imprensa do Grupo Globo, a questão mais ressaltada é o triângulo amoroso que ambos protagonizavam com Joaninha (Tereza Seiblitz), esposa de Tião. As características políticas dos personagens são estrategicamente negligenciadas ou, no máximo, abordadas superficialmente. 

É fato que, num país onde a propriedade da terra está mais concentrada do que nunca, em que há 33 milhões de famintos e com muitos líderes religiosos se aproveitando da fé alheia exclusivamente para obter ganhos pessoais, as aspirações de Tião Galinha e Padre Lívio, apesar de passadas quase três décadas, infelizmente, ainda parecem distantes de se concretizarem. 

NOTA DA REDAÇÃO – Francisco Fernandes Ladeira é especialista em “Ciências Humanas: Brasil, Estado e Sociedade” pela UFJF, mestre em Geografia pela UFSJ e doutorando em   Geografia   pela   Unicamp.   Autor   de   doze   livros.   E-mail:[email protected]

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