Sou menino passarinho com vontade de voar

A crônica de Francisco Santana

Era meu hábito matinal ir ao mercadinho próximo de minha casa comprar pão entre 6 e 7h. Infelizmente não era um hábito aprazível me encontrar com o Felipe, um menino loirinho de olhos verdes de aproximadamente 6 anos. Eu o encontrei uma vez frente à sua casa conversando, gesticulando, argumentando e sorrindo. Eu o cumprimentei e lhe perguntei com quem ele estava conversando. Com olhar sisudo, ele me encarou e disse: 

– Você espantou ele! Agora ele foi embora e não vai voltar nunca mais!

– Quem não vai mais voltar? Com quem você estava conversando? Eu não vi ninguém! Desculpe-me! 

– Eu estava conversando com um passarinho e ele “vuou” quando você chegou falando alto. Ele ficou com medo e por isso foi embora. Os passarinhos são meus amigos. Eu converso com eles porque sei conversar e eles me respondem piando ou cantando.  

– Se ele é seu amigo como você está dizendo, com certeza, vai voltar. Amigo não abandona amigo. 

– Não sei não! Ele é igual aos outros, amarelos, gostam de cantar, “posam” no chão para comer grama, pedaços de pão e quando chega alguém, eles ficam assustados e “vuam” para o fio elétrico. É difícil saber com qual deles eu conversava.  Olha lá para você ver! Tem mais de mil “posados” naquele fio! Eles se chamam canários. No jardim da minha casa tem muito beija-flor.

– Você gosta de conversar só com os pássaros? E com outros animais?

– Claro! Você não viu que eu estava conversando com os passarinhos? Eu converso com cachorros, gatos, galinhas, coelhos, patos, bois, vacas, sapos e passarinhos.

– Tem um santo chamado São Francisco de Assis que conversava com os animais. Você sabia?

– Claro que sabia! Minha mãe já me contou a história dele. Só que eu me chamo Felipe, então eu seria São Felipe porque também gosto de conversar com os animais. 

– De todos os animais, com qual deles você mais gosta de conversar?

– Com todos, uai! Mas eu prefiro conversar com os passarinhos. 

– Por que com os passarinhos?

– Porque sim, uai! 

– O que você conversa com eles?

– Muita coisa, uai! Minha mãe toda noite conta histórias para mim. Uma vez ela falou sobre o céu e Deus. Que Deus é um espírito muito bom, que só faz o bem para as pessoas e para os animais. Ele fez um aleijado andar e um cego enxergar.  Que quando a gente reza com fé e pede a Ele alguma coisa, Ele atende. A casa Dele fica muito longe em cima daquelas nuvens. Então, eu queria que um passarinho me ensinasse a “vuar” ou me levasse no céu para conhecer e conversar com Deus. 

– Que bonito! O que você conversaria com Deus?   

– Eu vou pedir a Ele para proteger os animais que ficam na rua passando fome, para que as pessoas não maltratem eles, para as pessoas não soltarem foguetes perto deles, para que eles tenham casa para morar, comida para comer, água para beber e gente que goste deles para cuidar quando ficarem doentes. Queria que Deus conversasse com os passarinhos para eles não terem medo de mim e que não “vuassem” quando chegar gente. Que eles comessem na minha mão porque não vou maltratar eles, que eles gostassem de mim o tanto que eu gosto deles e que as pessoas não prendessem eles nas gaiolas. Eles ficam mais bonitos e alegres soltos e cantando. 

– Emocionante!

Hoje pela manhã, passei perto de sua casa. Na calçada, estavam dois cachorros dormindo sobre pedaços de cobertores e ao lado, uma vasilha com ração e outra com água. Nas janelas frontais, estavam dois gatos que pareciam assustados olhando para mim. Na varanda, dois beija-flores bailavam e sugavam o néctar das flores. No telhado, observei algumas maritacas que faziam um barulho ensurdecedor.  Na fiação elétrica, frente à sua casa, tinham vários canários pousados que cantavam parecendo querer acordá-lo. 

Que encontro especial! Quantas lições aprendidas! 

“O segredo da genialidade é carregar o espírito da infância na maturidade”

(Thomas Huxley)

 

 

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