Sociedade da agonia: o que te afeta?

Por Delton Mendes Francelino, Prof. C. graduação em Ciências Biológicas e coord. do Centro de Estudos em Ecologia Urbana, no IF Sudeste/Barbacena. Diretor do Instituto Curupira e doutorando na UFMG, tem dois livros publicados. 

 

A depressão, segundo a OMS (2019) é uma das doenças que mais devem crescer, em índices, nos próximos anos. Sendo incapacitante, ela leva as pessoas à perda significativa da vontade de viver, de existir, de ter contatos sociais. Junto à ansiedade e outros transtornos, ela revela muito do que é a sociedade mundial contemporânea: uma sociedade da agonia, e em agonia. Hoje, o ritmo incessante das transformações gera angústias e incertezas e dá lugar a uma nova lógica, pautada pelo individualismo e pelo consumo. 

 

Estudos mostram que a humanidade, por milhares de anos, era nômade, caçadora e coletora. Vivíamos em grupos coletivos, nos quais a ideia de sociedade era bem diferente da compreensão atual. Quando, há 10 mil anos, começamos a nos sediar em povoados, outras lógicas de sobrevivência surgiram, simultaneamente ao crescimento populacional e, mudaram aos poucos, o contato mais profundo com o todo natural, modificando a forma como entendíamos a natureza, os recursos naturais e seres vivos por exemplo. Na atualidade, após cerca de 200 anos da revolução industrial (século XIX), a sociedade está em agonia, ou seja, vários tipos de sofrimentos, na maioria das vezes abstratos, nos corroem e nos lançam num abismo no qual raramente nos percebemos como partes de um todo, ou nunca nos vemos com alguma relevância dentro de um mundo com tantas pessoas, com tantas cobranças. Um mundo baseado no desempenho, em que quase todos os processos da vida de uma pessoa se baseiam na financeirização. O capitalismo adentrou na maneira não só como entendemos o mundo, mas também como entendemos a nós mesmos. Somos aquilo que produzimos, não mais aquilo que pensamos. Aliás, somos raramente estimulados a pensar, a refletir sobre as coisas e planejar quem somos/seremos a partir do pensamento. Nessa sociedade extremamente agoniada e pautada na lógica do consumo, as pessoas são medidas (e construídas desde a juventude) pelo que ganham/ganharão financeiramente, não há mais espaço para a valorização de sua maneira de agir no seio social, por seu papel coletivo, por sua sabedoria e experiências construídas não pela ideia do trabalho, mas pela ideia do compartilhamento da terra, do viver e se expressar em sociedade. 

 

Embora tenhamos a sensação constante de que o tempo está passando rápido demais, também temos a impressão de que não aproveitamos muito a vida que temos. Nossas emoções são várias, geram sentimentos muitas vezes perturbadores, como a tristeza, a preocupação, o medo e a ansiedade. A própria ideia de felicidade é economicamente construída e injustamente solidificada nos meios sociais. Apenas é feliz quem tem dinheiro. Sucesso não é mais ter saúde constante, ter acesso ao alimento, à água, às brincadeiras e traços culturais, mas sim ter condições de estabilidade financeira. Mas, contraditoriamente, a mesma estabilidade financeira, que nos leva à suposta felicidade, é a mesma que nos aprisiona e enclausura, lançando-nos a algo muito distante do que é a felicidade. 

 

Tudo isso nos conduz à alienação. Não nos consideramos parte de nada e não raras vezes nem nos identificamos com nada. Somos alienados, desde muito cedo, de nossos corpos, de nossas querências, de nosso senso de comunidade; somos lançados em estruturas sociais pré concebidas que ditarão quem seremos, na maioria das vezes, sem qualquer capacidade reativa. Não há a linguagem do amor, mas sim a econômica, para a vida em consumo. A ideia que temos do viver é também pautada na ideia do consumir. Uma pessoa que não consome, num mundo calcado pelo capital, não sobreviverá. Diante de todas essas agonias, eu me pergunto sempre: sabendo que eu posso não estar aqui, neste planeta, com esta vida, amanhã, o que eu quero fazer? Quem eu quero ser? Que legado pretendo deixar para as pessoas agora e também para aquelas que vierem depois de mim? Quero ser um multiplicador de perspectivas, de olhares mais profundos sobre o mundo, ou quero ser um multiplicador de sofrimentos? Se essa é a sociedade da agonia, eu preciso, necessariamente, a reproduzir o tempo todo, em tudo o que faço? Ou eu posso arriscar, sair do perímetro e experimentar maneiras diferentes de existir dentro desse macro contexto?

 

Em término, cito uma frase muito significativa para mim, de Benjamin Disraeli: “A vida é muito curta para ser pequena”. Nesse mundo cada vez mais estabelecido por prisões, estimular a liberdade é nosso maior desafio. Transformar todos os espaços públicos, das escolas às praças, das universidades aos museus e anfiteatros, em espaços de liberdade, de expressão, de valorização das diferenças, é o que mais pode gerar resistência ao modus operandi da sociedade da agonia. Permita-se espantar,admirar, crie condições para isso. Seja um cidadão da polis, político, que entende a sua comunidade, o seu bairro, a sua cidade, como uma extensão e parte de si. Entenda e valorize seu corpo, ele é o principal bem que você tem, e não dissocie cérebro, mente e corpo – todos são parte de um processo único, complexo, e que merece ser cuidado, estimulado e vivenciado. Cada vez mais o conhecimento científico mostra que dissociar biologia e cultura, corpo e mente, são equívocos, em vários contextos. Permitamos, então, que nossas experiências por aqui, na Terra, sejam o mais profundas possível, sempre motivadas por perguntas e inquietações que te façam sentir-se parte indissociável do todo que te rodeia e que está dentro de si. 

Apoio divulgação científica: Samara Autopeças e Barbacena Online

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