Eu sou um saudosista confesso, às vezes muito chato. Para fazer jus a essa virtude ou vício vou rememorar alguns fatos testemunhados quando servia ao Exército Brasileiro. O trem que nos levava de Barbacena chegou à estação de Juiz de Fora frente ao Quartel General, nosso destino. Fomos recepcionados por um militar que ao perceber que éramos de Barbacena gritou: “Cuidado! Os loucos de Barbacena que fugiram do hospício estão invadindo o quartel! ’. Achei o comentário inapropriado, mas bem humorado. Nossa fama se deve á quantidade de clínicas de repouso, hospitais colônias, manicômio judiciário e outros do gênero.
Num encontro noturno resolvemos fazer um show de calouros. No grupo estava o colega Fred, um fanho jamais visto. A sua cantoria valeu o encontro. Ele falou coação e era coração; falou pré, pré e entendemos presta ele disse presa, e terminou com essa: “Você não merece o meu per, per…”. A turma: “Ela não merece o seu peru? Ele respondeu: “Não! Ela não merece o meu perdão!”“. A festa terminou com todos cantando “Coração de luto” de Teixeirinha.
O pátio do Quartel era muito arborizado com ipês de várias cores, ameixeiras, caquizeiro e uma frondosa jatobeira carregada de frutos. O grupo discutia essa beleza natural quando passou por nós o Carlos. Normalmente ele dava três passos uma corridinha e um salto. Muito estranho. Um colega gritou com ele: “Carlinhos! Vou apelidar você de Carlinhos canguru!”. Ele voltou e ficando diante de nós, disse: “Você quase acertou meu bem! Lá no Colégio Santo Antônio todos falam quando passo: “Lá vem o viadinho Carlinhos, alegre, feliz e saltitante”. Todos respeitaram o Carlinhos pelo seu apuradíssimo humor e inteligência.
Choveu e ventou muito em Juiz de Fora e o pátio do quartel ficou cheio de folhas, exatamente nesse dia o plantão de limpeza era meu. Eu me vesti para a tarefa: tamanco, short azul, camiseta branca e uma vassoura na mão. Um grupinho sacana ao me ver começou a me zoar e um deles me disse: “Santana, sabemos que você adora uma charada. A gente resolveu fazer uma para você. Mata esta: de Barbacena com a vassoura na mão, 2 e 3.” Respondi: de Barbacena com duas sílabas = louco; de vassoura na mão com três sílabas = varrido. “Resposta: louco varrido”. Acertei. Quanta maldade com nossa querida Barbacena!
Dia de exame médico. De cinco em cinco por ordem alfabética. Recebemos uma ordem: “Tirem as roupas! Todos pelados! Tem alguém nesse grupo com o desodorante vencido!”. Cochichamos: “Não sou eu, nem eu, nem eu, nem eu”. Fernando começou o exame. Espanto total. Percebemos que Fernando não andava, Fernando simplesmente bailava, deslizava num corpo e alma feminina sob vestes masculinas. O médico exclamou: “Muitas mulheres gastariam fortunas para terem seus corpos como o seu!”. E o enfermeiro retrucou: “Você vai ter muito trabalho por aqui!”. O enfermeiro se enganou, Fernando nos respeitou e foi respeitado. Alguns anos se passaram e um amigo me disse que Fernando participou de um Desfile Gay divinamente com brilho na passarela e na roupa. Ele não me disse se como rainha, miss ou a mais linda entre todas.
Um grupo fora ao anfiteatro da Polícia do Exército para uma aula sobre manuseio de armas. O tenente nos ensinou como travar e destravar uma. Um colega foi chamado e fez tudo com perfeição. O segundo nem tanto. Ao tentar destravá-la ouviu-se estampido muito forte e no chão um colega caído todo ensangüentado (suco de tomate) dando gargalhadas em vez de chorar e gritar. Peça mal ensaiada. Ele disse que deu gargalhadas ao ver o Carvalho desmaiar e o Santana tentar pular da janela (quatro metros).
Recebi o meu primeiro demonstrativo de pagamento. Que felicidade! Quanta surpresa ao abrir o demonstrativo e ler: saldo a receber zero. O mundo ruiu. Pensei: com que dinheiro vou viajar para Barbacena? Com que dinheiro vou pagar a mensalidade da Academia de Comércio? Procurei a seção financeira. Pedi explicações ao sargento. Ele abriu uma gaveta, tirou de lá vários papéis, os colocou na mesa e me perguntou se eu reconhecia as assinaturas. Nos papéis estavam escritos: Duas bolsas de viagem, 05 flâmulas, 10 botons, 10 chaveiros, 05 adesivos, 05 cinzeiros, 05 canetas, 10 fotos, assinados por mim. Na saída ele me disse: “Santana, ficou uma rebarba para ser descontada no seu próximo pagamento”.
25 de agosto – Dia do soldado. Quartel lotado, presença do General Chefe da 4ª Região Militar. No altar estavam: o Capelão, o coroinha Ezequiel e eu na sonoplastia. Ezequiel pegou um documento para ler. Eu lhe passei o microfone e a sua leitura foi muito bem pronunciada. Ela saiu assim: É pistola de São Pedro! A plateia se mexeu e houve risos. O capelão o fuzilou com um olhar e lhe disse baixinho: Epístola Ezequiel! Epístola Ezequiel! Ele se esqueceu que o microfone estava ligado e caixas de som espalhadas.