Saudade…

A crônica de Francisco Santana

Desapega de mim, Santana! Há quase dois meses que morri e você continua chorando, chorando e chorando. Esse choro atrapalha o meu desenvolvimento no mundo espiritual. Lembre-se que eu já era um velhinho por ser um cão, 15 anos e meio. O fato de morrer jovem ou mais velho é menos importante do que ter vivido intensamente os anos que se teve. A minha vida na sua casa e na sua companhia foi intensa e de muitas alegrias. Não tive tristezas, só alegrias. Alguns xingamentos recebidos foram merecidos porque desrespeitei as leis dos seres humanos. Como disse o seu amigo Alan Kardec, o nosso corpo é a veste da alma. E com o tempo, minha veste ficou velha, desgastada e me transformei em saudade para uma nova reencarnação. Gostei tanto do nosso convívio que eu gostaria de retornar para ficar do seu lado. Não blasfeme o câncer. Ele já é uma doença normal que nos purifica. Meu sangue e ossos estavam comprometidos e aceitei a morte como um alívio. Ainda bem que você não me viu depois da cirurgia de retirada da mandíbula. Fiquei horroroso ainda mais para os seus olhos que me enxergava como uma das maravilhas do mundo.

O Papa Francisco afirmou que não há céu, inferno e purgatório. Então, estou no tão falado por você, Oriente Eterno, local símbolo da Maçonaria de onde provém a luz e que nos aguarda depois da morte física. Sintetizo como local de saudades. Eu sei que você não contou para seus familiares o que aconteceu na semana passada porque eles o chamariam de louco. O que viu não foi um sonho Santana, foi real e verdadeiro. Naquela madrugada fria apareci no corredor do seu quarto. Eu estava ali em espírito observando-o. Antes da minha aparição, você chorou tanto que suas lágrimas trouxeram-me ao seu quarto. Num sobressalto você acordou, me viu e gritou o meu nome: Léo! Achei lindo o seu gesto de se levantar e ir ao meu encontro e não ter visto nada. Decepcionado, você retornou à cama e não percebeu que eu estava lá bem juntinho a você matando saudades da sua companhia benfazeja e gratificante. Percebi o quanto gostávamos mutuamente pela nossa sintonia e sensitividade. 

Naquela terça feira, quando o amigo Fábio veio me buscar para a cirurgia, você me levou até ele no seu colo, alisando o meu pelo molhado pelas suas lágrimas e eu sabia que aquele momento seria o nosso último encontro físico. Senti no pelo o seu beijo quente e, quando nossos olhos se fitaram pela última vez, deixei escapar lágrimas que ficaram retidas dentro de mim. Lembro-me também de ter ouvido a sua voz me dizendo: “Vá com Deus, meu amigo Léo, e volte rapidamente porque estou lhe esperando de braços abertos são e salvo. Santana, amigo e companheiro”. Conheci muitos alimentos porque você me oferecia escondido de todos. Não vamos entrar nesse assunto porque seus familiares dirão que eles causaram o meu câncer. Aqui do Oriente Eterno, eu me comunicava semana passada com o Lino e com o Hugo, outros cães amigos, e rimos muito de uma mancada que você deu. O seu marmitex chegou e você foi para a mesa almoçar. Inesperadamente, chamou-me para almoçarmos juntos e chegou a jogar no chão um pedaço de frango. Se a dona Catarina visse ficaria zangada com você, pois ela além de ter mania de limpeza não gostava que você me desse outro alimento a não ser ração, ração e ração.

Ótimos momentos nós passamos juntos. Histórias, nós temos muitas para contar como a daquela sua amiga que ao saber da minha morte lhe indicou o filme “Marley & Eu para levantar a sua estima. Quanta sensibilidade! O meu desencarne deixou a casa limpinha, cheirosa sem os xixis pelos cantos, fogão e geladeira. Agora você não tem mais aquela velha desculpa de não pode viajar porque teria que tomar conta da casa e de mim. 

O seu lindo neto Bernardo se refere a mim como uma estrelinha embora, eu prefira ser chamado de saudade. Fiquei encantado quando ele disse que só me vê à noite no meio de tantas estrelas brilhantes. Achei interessante ele deduzir que você está velhinho e pode também se transformar numa estrelinha. Que menino inteligente! Estou sabendo que há um vírus chamado corona dominando o mundo e matando muita gente por aí. Amigo, se cuida! Caso venha a morar no Oriente Eterno, a gente vai se encontrar. Amigos não faltarão. 

Hoje eu quero agradecer a alguns amigos que aí deixei: você, Santana, meu amo que tanto amo! Minha adorável e encantadora Carol que tanto amor, carinho e gratidão me dedicou, estou saudoso dela! Catarina, mesmo exigente foi na minha vida uma grande companheira e amiga. Se ela ralhou comigo algumas vezes é porque mereci. Agradeço à amiga Erika Heidenreich, minha educadora canina, Fábio, cuja amizade nasceu das nossas viagens para os banhos semanais, aos veterinários Gaby e Felipe que me deram todo o respaldo para que eu vivesse entre vocês com saúde. Eles foram geniais. Não se esqueça de dizer à Juliana Campos que me deu banhos e tosas que a nossa admiração é recíproca e finalmente à Vitória e a todos os profissionais da Late e Mia que me aturaram na clínica por muitos anos. 

Reitero o pedido para o desapego ao se lembrar de mim. Se isso acontecer, inicialmente sorria e depois se lembre de nossas brincadeiras, dos nossos diálogos onde você falava e eu resmungava, de suas sessões de meditação onde aprendi a admirar a música clássica, aliás, a minha preferida era “Moonlight Sonata” de Beethoven. Quando se lembrar de mim, ouça essa música que de onde eu estiver a ouvirei e me lembrarei de você com carinho, apreço, gratidão e amor. 

Adeus, amigo Santana! 

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