Por quem os sinos dobram

A crônica de Francisco de Santana

O Brasil, desde a sua descoberta trouxe do exterior, homens, mulheres e crianças para trabalharem como mão de obra escrava. Aqui, o solo era fértil, clima propício onde tudo que se plantava nascia. Esses seres ou coisas chegavam de navios em condições desumanas e eram negociados como moeda de troca e venda. A característica física era fator primordial nas negociações. Os mais jovens, magros, esguios, de dentes bons e canelas finas eram os mais cobiçados. Entre as mulheres, as mais bonitas de corpo esbelto eram de grande valor para trabalharem nas casas dos senhores, damas de companhia, empregadas e até para uso sexual.  

Nessa época já existiam os negociadores, olheiros, espertalhões, compradores, atravessadores e dirigentes. A técnica da barganha era comum: “Eu lhe dou o Joaquim, 18 anos, 1,78cm, magro, canela fina, dentição perfeita e você me dá a Joaquina e a Raimunda. É pegar ou largar!”. Senhores se apaixonavam pelas escravas e madames se apaixonavam pelos escravos. O amor é lindo! O senso comercial dominava o Brasil.

O dinheiro gerado enriquecia uns poucos e provocava desgraças para muitos. Duas classes sociais eram conhecidas: a dos ricos e a dos miseráveis. As fazendas eram suntuosas e suas riquezas naturais, número de escravos, áreas de plantio tornavam os senhores ainda mais ricos, sovinas e egoístas. Muitos escravos mostravam talentos e se sobressaíam, saindo da submissão. Alguns se casaram com filhas dos senhores, outros se destacaram na arte esportiva e nos trabalhos manuais. Os senhores se preocupavam com o ter e jamais com o ser.  

Vamos dar um salto na história. Perceba que a ganância continua, o ego se elevou e o dinheiro continua a comandar as atitudes. Vamos tomar por base o jogador de futebol, que também é uma moeda comercial. Imagine uma criança com cinco anos de idade, talentoso, promissor jogador de futebol. Lucro financeiro garantido. Investir nele é melhor que investir na poupança. O seu crescimento profissional se faz notar nos centros de treinamentos, obras de primeiro mundo. Ele é acompanhado por nutricionistas, médicos, fisioterapeutas, academias de ginástica, boa educação, uma jóia rara, lapidada aos poucos. O pátrio poder muda de mãos. É nesse momento que aparecem os oportunistas que atendem pelos nomes de atravessadores, olheiros, empresários e donos de clube. A criança cresceu, evoluiu e se transformou num astro do futebol, sendo assediado por grandes clubes internacionais.  

Os pais sabem da valiosa mão de obra que possuem. Se quiserem que o filho fique famoso deverá jogar na Inglaterra, Itália, Alemanha e França. Se optar pela riqueza financeira vai jogar nos Emirados Árabes, Japão ou China. Integrar a seleção brasileira é uma tênue opção que só virá depois que esse talento estiver milionário, proprietário de carrões, mansões, assédios de belas mulheres e pouco se importando com os torcedores apaixonados. Frequentar as redes sociais gera prestígio.

Lá como cá o ser humano é novamente comercializado. Ele não mais viaja de navios e sim, de jatos particulares. Ele não é mais chicoteado e sim cortejado. Possui tudo que sonhou em ter um dia. Mas o dinheiro continua a comandar mentes que só pensam em enriquecer e colecionar bens. Agindo assim muitos incompetentes agem com indiferenças colocando suas raridades em lugares inapropriados, sujeitos a acidentes que ceifam sonhos e vidas. É aí que aparecem as figuras jurídicas da negligência, imperícia e imprudência.  Há casos que eu prefiro analisar o resultado como dolo eventual, onde o infrator assume os riscos de que poderia provocar mortes. Esporadicamente isso acontece no mundo. Qualquer semelhança é mera coincidência. Até quando vamos conviver com isso? Enquanto o homem colocar o dinheiro acima da razão, do amor próprio e do amor ao próximo.

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