Pauta em prosa, verso em trova (volume 80)

JGHeleno*

 

Continuando nosso papo sobre a tradução, vou trazer aqui alguns versos de um poeta que aprecio muito: Caio Valério Catulo (Sec. I a. C). É o poema 5. Saltei algumas linhas na transcrição, tanto do original latino, quanto das quatro traduções que se seguem.

Vocês podem observar que há grande liberdade criativa no texto poético. Basta compararem com as duas traduções de um texto em prosa da publicação anterior.

 

Texto original:

Viuamus, mea Lesbia, atque amemus,

rumoresque senum seueriorum

omnes unius aestimemus assis.

……………………………………………

Da mi basia mille, deinde centum,

dein mille altera, dein secunda centum,

deinde usque altera, deinde centum.

Dein, cum milia multa fecerimus,

conturbabimus illa, ne sciamus,

aut ne quis malus inuidere possit,

cum tantum sciat esse basiorum  (p. 71)

 

Tradução 1:

Vamos viver e amar-nos, minha Lésbia,

sem atribuir mínimo valor

aos murmúrios de anciãos os mais severos.

…………………………………………

Dá-me pois beijos mil, mais cem depois,

logo mil outros, e um segundo cento,

em seguida outros mil, mais cem depois.

Quando o número andar por muitos mil,

melhor é não saber, perder a conta:

assim ninguém nos dará azar, de inveja,

sabendo quantos beijos nos trocamos (Péricles Eugênio da Silva Ramos, p. 165)

 

Tradução 2.

Vivamos, minha Lésbia, amemos sempre,

e os rumores dos velhos rabugentos

saibamos desprezar, tê-los em nada.

………………………………………………..

Oh! mil beijos me dá, depois um cento,

e mil outros depois, mais outro cento,

e outros mil, e outros cem; e quando ao cabo

muitos milhares ajuntarmos deles,

em maga confusão juntá-los-emos,

que não saibamos nós, que ninguém saiba,

nem maldoso nenhum possa invejar-nos,

se de tantos souber, tão doces beijos (Almeida Garrett, p. 164)

 

Tradução 3.

Vivamos, minha Lésbia, e amemos,

e as graves vozes velhas

– todas –

valham para nós menos que um vintém.

………………………………………………..

Dá-me pois mil beijos, e mais cem,

e mil, e cem, e mil, e mil e cem.

Quando somarmos muitas vezes mil

misturaremos tudo até perder a conta:

que a inveja não ponha o olho de agouro

no assombro de uma tal soma de beijos (Haroldo de Campos, p. 55)

 

Tradução 4

Do amor, minha Lésbia,

vivamos nas leis;

que os chascos dos velhos

não valem três réis.

………………………………….

Oh! dá-me mil beijos,

mais mil e mais cem,

mil outros, cem outros,

mais mil dar-me vem.

 

E quando fizermos

já muito milhar,

a conta devemos

depois transtornar.

 

Tal soma de beijos

convém não saber;

podia invejar-nos

um outro qualquer (Aires de Gouveia, p. 55)

 

(OLIVA NETO, João Ângelo. O livro de Catulo. São Paulo: Edusp, 1996. As páginas das traduções são dessa edição).

 

Como tudo termina em trova:

 

Deixe essa visão patética!

não há aqui falta nem sobra;

uma tradução poética

é sempre uma outra obra. (JGHeleno)

 

  • AJL, ABL, UBT

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