Por JGHeleno*
Vou copiar aqui um outro poema do poeta satírico barbacenense José Joaquim Correia de Almeida. É a segunda vez que lemos aqui um texto dele.
Precisamos, antes de tudo, fazer um esclarecimento, sob pena de causar algum incômodo ao criticar um poeta que é também um clérigo. Não tem perigo. Não vamos criticar aquele cidadão que foi padre e escreveu mais de 20 livros entre o início do século XIX e o início do século XX. Vamos criticar o poeta que permanece dentro da obra. Depois de publicar sua obra, o poeta está eternamente prisioneiro dela. Está imortalizado como autor, e não como aquele cidadão, que já faleceu. Ele não tem mais nenhum poder sobre sua obra. Quem quiser escrever sobre o padre como cidadão ou clérigo é outra conversa. Não é o nosso caso aqui. O Mestre Correia de Almeida é um imortal da Academia Mineira de Letras e patrono imortal da Academia Barbacenense de Letras. A imortalidade só pode ser do poeta, pois o cidadão, todos sabem que faleceu em 1905.
Leiam o que o poeta Correia de Almeida escreveu em “Sátiras, epigramas e outras poesias”. Rio de Janeiro: Ed. A. J. Gomes Brandão, 1870. P. 6)
POETA NUNCA O SEREI
“Poeta insosso quero fazer versos,
sublimes epopeias, obras primas;
já tenho, sem contar livros diversos,
um dicionário poético de rimas.
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Ostentando fatal força titânica,
acumulo os vocábulos em ânica
e assim começo esdrúxulo a rimar:
botânica,
britânica,
germânica,
hispânica,
orgânica,
satânica:
mas o conceito nunca posso achar.;
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Não vou bem! Passo a ser epistológrafo,
procuro consoante só em ógrafo,
e assim começo esdrúxulo a rimar:
autógrafo,
biógrafo,
cartógrafo,
cosmógrafo,
geógrafo,
cenógrafo:
mas o conceito nunca posso achar.
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Não desisto de empresa tão poética,
vou apanhando os términos em ética,
e assim começo esdrúxulo rimar:
artética,
ascética,
caquética,
eclética,
emética,
frenética;
mas o conceito nunca posso achar
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Posto que já me sinta assaz colérico,
ainda escolho epítetos em érico,
e assim começo esdrúxulo a rimar:
quimérico
esférico,
genérico,
hespérico,
homérico,
hibérico:
mas o conceito nunca posso achar.”
O poeta Correia de Almeida encontra-se neste momento em profunda angústia. Ele vive uma crise, semelhante à aquela vivida pela personagem Ismália. Só Que Ismália é uma personagem e a personagem só faz aquilo que seu criador (o poeta Alphonsus de Guimarães) determina que ela faça. Ela morreu, e pronto, vítima de sua incapacidade de reunir num SENTIDO as duas luas (a do céu do mundo exterior e a da água, do mundo interior, imaginário). Diferente do poeta Correia de Almeida, autor, que continua, através de toda uma obra artística, contribuindo para dar sentido ao mundo.
Voltando ao sentido de “Poeta nunca o serei”.
O poeta está angustiado porque procura desesperadamente o conceito, ou seja, o nome, que é o sentido do mundo. Esse conceito que ele procura é a própria poesia. É o sentido dado pela arte. “Poeta nunca o serei” é o título, portanto trata-se de poesia. Ele não consegue realizar aquela missão que lhe deu o Criador: dar nome às coisas, defini-las, chegar ao sentido ou ao conceito delas. Mas “não desisto de empresa tão poética”, ele escreve. Depois acrescenta: “já me sinto assaz colérico”, diante da frustração poética.
O poeta está neste poema à procura do sentido puro. Do sentido em sua pureza mais original. Não vai encontrar, porque esse sentido puro nem existe. Por isso, a angústia continua. A dele e de todos os poetas.
Como tudo termina em trova:
Convívio e razão convêm
ao conceito do que é;
mas se o conceito não vem,
que venham a arte e a fé. (JGHeleno)
*(JGHeleno, da Academia Barbacenense de Letras; da Academia Juizforana de Letras, da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora; da União Brasileira de Trovadores, da Associação Brasileira de Poetas Aldravianistas; da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos)
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