Pauta em prosa, verso em trova (volume 29)

Por JGHeleno*

 

Vou copiar aqui um outro poema do poeta satírico barbacenense José Joaquim Correia de Almeida. É a segunda vez que lemos aqui um texto dele.

Precisamos, antes de tudo, fazer um esclarecimento, sob pena de causar algum incômodo ao criticar um poeta que é também um clérigo. Não tem perigo. Não vamos criticar aquele cidadão que foi padre e escreveu mais de 20 livros entre o início do século XIX e o início do século XX. Vamos criticar o poeta que permanece dentro da obra. Depois de publicar sua obra, o poeta está eternamente prisioneiro dela. Está imortalizado como autor, e não como aquele cidadão, que já faleceu. Ele não tem mais nenhum poder sobre sua obra. Quem quiser escrever sobre o padre como cidadão ou clérigo é outra conversa. Não é o nosso caso aqui. O Mestre Correia de Almeida é um imortal da Academia Mineira de Letras e patrono imortal da Academia Barbacenense de Letras. A imortalidade só pode ser do poeta, pois o cidadão, todos sabem que faleceu em 1905.

Leiam o que o poeta Correia de Almeida escreveu em “Sátiras, epigramas e outras poesias”. Rio de Janeiro: Ed. A. J. Gomes Brandão, 1870. P. 6)

 

 

POETA NUNCA O SEREI

“Poeta insosso quero fazer versos,

sublimes epopeias, obras primas;

já tenho, sem contar livros diversos,

um dicionário poético de rimas.

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Ostentando fatal força titânica,

acumulo os vocábulos em ânica

e assim começo esdrúxulo a rimar:

botânica,

britânica,

germânica,

hispânica,

orgânica,

satânica:

mas o conceito nunca posso achar.;

 

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Não vou bem! Passo a ser epistológrafo,

procuro consoante só em ógrafo,

e assim começo esdrúxulo a rimar:

autógrafo,

biógrafo,

cartógrafo,

cosmógrafo,

geógrafo,

cenógrafo:

mas o conceito nunca posso achar.

————————————————-

 

Não desisto de empresa tão poética,

vou apanhando os términos em ética,

e assim começo esdrúxulo rimar:

 

artética,

ascética,

caquética,

eclética,

emética,

frenética;

mas o conceito nunca posso achar

——————————————

 

Posto que já me sinta assaz colérico,

ainda escolho epítetos em érico,

e assim começo esdrúxulo a rimar:

quimérico

esférico,

genérico,

hespérico,

homérico,

hibérico:

mas o conceito nunca posso achar.”

 

 

 

O poeta Correia de Almeida encontra-se neste momento em profunda angústia. Ele vive uma crise, semelhante à aquela vivida pela personagem Ismália. Só Que Ismália é uma personagem e a personagem só faz aquilo que seu criador (o poeta Alphonsus de Guimarães) determina que ela faça. Ela morreu, e pronto, vítima de sua incapacidade de reunir num SENTIDO as duas luas (a do céu do mundo exterior e a da água, do mundo interior, imaginário).  Diferente do poeta Correia de Almeida, autor, que continua, através de toda uma obra artística,  contribuindo para dar sentido ao mundo.

Voltando ao sentido de   “Poeta nunca o serei”.

O poeta está angustiado porque procura desesperadamente o conceito, ou seja, o nome, que é o sentido do mundo. Esse conceito que ele procura é a própria poesia. É o sentido dado pela arte. “Poeta nunca o serei” é o título, portanto trata-se de poesia. Ele não consegue realizar aquela missão que lhe deu o Criador: dar nome às coisas, defini-las, chegar ao sentido ou ao conceito delas. Mas “não desisto de empresa tão poética”, ele escreve. Depois acrescenta: “já me sinto assaz colérico”, diante da frustração poética.

O poeta está neste poema à procura do sentido puro. Do sentido em sua pureza mais original. Não vai encontrar, porque esse sentido puro nem existe. Por isso, a angústia continua. A dele e de todos os poetas.

 

Como tudo termina em trova:

 

 

 

Convívio e razão convêm

ao conceito do que é;

mas se o conceito não vem,

que venham a arte e a fé. (JGHeleno)

 

*(JGHeleno, da Academia Barbacenense de Letras; da Academia Juizforana de Letras, da Liga de Escritores, Ilustradores e Autores de Juiz de Fora; da União Brasileira de Trovadores, da Associação Brasileira de Poetas Aldravianistas; da Sociedade Brasileira de Estudos Clássicos)

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