Pais, Filhos e Listas

Leonardo Lisbôa

Faço   listas   como   sempre   as   fiz.   A  vida  se  organiza  assim:   listras  de  zebras   e   vistas  de   águia.

 

Em  minha  idade  de  grisalhos  que  vão  caindo  sobre  a  blusa  de  lã,  na  cama  que  deito  ou  no  chão  que  começo  a   arrastar  os  pés   faço   rol  de  medicamentos  e   suplementos  para  recuperar  um  pouco  a  vitalidade  que  já   não   tenho   mais.   Com   esta   lista   na   mão   vou   à   farmácia   e   encontro   amigos   que   lá   estão.

 

Sinto   um   privilégio   e  nenhum   amargor  há   nisto:   envelheço   em   uma   época   que   a   expectativa   de   vida   aumenta.   Meu  pai  não  teve  este   privilégio   e   nem   listar   cuidados  podia.   Sua   “macheza”    não   deixava   e   o   punha   completamente   na   dependência   de   quem   tinha   paciência   e    reconhecimento.   A cultura   era   outra   e   ditava:   homem   que   é   homem   não  se   cuida:   tem   que   fumar,    beber   e   desafiar   a   vida.   Cuidado   era   sinal   de   fraqueza.

 

Lembro-me   de   tantas   outras   listas!

 

Trago   a   reminiscência   de   minhas   listas   de   material   escolar:   cadernos,   livros,  estojos…   Sempre   encapados   pela   minha   mãe   ou   irmãs.   Meu   pai   nem   olhava.   Homem   não   tem   estes   cuidados   que   são   tarefas   femininas.

 

Mas   saudade   mesmo   era   quando   eu   saía   com   meu   filho   para     comprar   as   listas   de   seu   material   que   a   escola   havia   pedido   para   sua   aprendizagem.   A   mentalidade   mudava:    “pai   que   é   pai   tem   que  participar”!

 

Outra   foi  quando   meu   filho   se   apresentou   para   o   serviço   militar   obrigatório.   Fomos  nós   comprar   uma   parafernália   que   havia   naquela   lista   que   o    recruta   tinha   que   providenciar.   Eu,   enquanto   isto,   no   início   daquele   ano,   tinha   que   organizar   listas  de  material  didático   para   meus   alunos   do   ensino    fundamental   e   médio.    E tinha   que   organizar   a   lista   bibliográfica   para   meus   alunos   do   ensino   superior.

 

E   aí   meu   pai,   telúrico   que   eu   sou,   já    era   um   rol   de   substância   química   oriunda   de   sua  forma   biológica   e   física.    Eu    sei,   ele   vive  no   céu   de   nossas   memórias.

 

Enquanto   meu   filho   prepara   sua   lista  de  material   de  construção   que   tem   que   providenciar   para   o   engenheiro   civil   construir   sua   casa,   eu   o   chamo   de   lado   e   lhe   digo:

–  Tenho  que  fazer  a   lista   da   farmácia!   Anote   aí…

 

E aí   vão    os   remédios   terminados   em   “mol”   e   “flex”   para   as   dores,   as   vitaminas   e   minerais   de   A   a   Z,   os   ômegas,   os   cloretos,   os   de   tireoide,   os   de…   Logo   entrará   na   lista   os   remédios    para   o   Mal   de   Alzheimer   e   Parkinson.

Nada   anormal.  Tudo   natural!   A   vida   segue   suas   fases.

 

Eu   hoje   listei   tantas   saudades   de  presenças   e   ausências   de   ti   que   nem   mais   crédito   ou   débito   imprimo:   saldo   zerado.   Tudo   memória   virou   que   aos   poucos,   como   nós,   também   se   esvai.

 

Foto:  Bolo para homenagear os PAIS. Delícia da Grace Kelly do

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Leonardo Lisbôa

Barbacena, 08/2018

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NOTA DA REDAÇÃO: Leonardo Lisbôa  é professor da rede pública de ensino de Minas Gerais. Fez sua especialização em História na UFJF e seu mestrado em psicopedagogia na Universidade de Havana, Cuba. Publica textos também no sítio www.recantodasletras.com.br onde mantém duas escrivaninhas (Perfis): o primeiro utilizando o próprio nome ‘Leonardo Lisbôa’ e o segundo o de ‘Poesia na Adega’.  Registro no CNPq: http://lattes.cnpq.br/0006521238764228

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