O quê?

A crônica de Francisco Santana

Eu era um menino bem franzino com apenas 10 anos e já prestava serviços à Secretaria do Meio Ambiente de Barbacena. Como pode isso acontecer?  Eu catava na rua papéis, arame de cobre, garrafas e alumínio para vender. Com o dinheiro arrecadado, eu comprava meus materiais escolares, revistas em quadrinho e ainda ajudava com alguma coisa para nossa casa. Além desse serviço, eu levava almoço para várias pessoas em seus trabalhos e nos finais de semana, saía às ruas do bairro com meu cesto cheio de cartuchos de coco e de amendoim para vender e ainda um tabuleiro cheio de pirulitos com sabor limão. Em pouco tempo, tudo era vendido.  Muita gente comprava por piedade e algumas pessoas me diziam que era impossível não comprar diante do meu apelo e do meu sorriso angelical ao dizer no final da compra: “Muito obrigado! Que Deus lhe ajude”. Eram serviços cansativos, mas gratificantes, pois eu estava ocupando o meu tempo com o trabalho, fugindo da ociosidade e podendo ajudar nas pequenas despesas da casa. De vez em quando, eu vendia também cajuzinho e achava estranho algumas pessoas dispensarem aquele amendoim sobre ele o jogando fora ou colocando dentro da minha bandeja. 

 

Esse trabalho chegou aos ouvidos da dona Maria doceira, nossa vizinha. A sua especialidade era confeccionar cocadas brancas e pretas, as melhores da cidade, sem dúvidas. Ela me convidou para ser o seu auxiliar de serviços gerais na confecção das cocadas. As minhas tarefas eram ir ao armazém para comprar cocos, rapaduras e açúcar; ir à papelaria para comprar papel manteiga; entregar nas “vendas” do bairro as cocadas e receber o dinheiro. Todo esse serviço era anotado na minha caderneta para não me perder nas obrigações. A cocada branca tinha mais saída que a preta. Esse serviço não era diário, pois dependia dos pedidos dos proprietários das “vendas”. A minha remuneração dependia do número das entregas dos doces, duas panelas com sobras e o papel manteiga para raspar, águas de cocos e algumas cocadas como brinde. Os trabalhos de despoluições ambientais se transformaram em um belo aprendizado. Coisa do passado. As cocadas eram alojadas dentro de bandejas e protegidas com papel manteiga. A quantidade variava dependendo da voracidade dos consumidores, mas oscilavam entre, 30, 40 e até 50. Dona Maria gostava da minha prestação de contas. Esse compromisso não afetou meus estudos. Eu gostava muito de como era tratado por todos os envolvidos. Eu era feliz por fazer o que gostava. 

 

Numa tarde atendi ao toque da porta da casa de dona Maria a seu pedido. Estava diante de mim uma jovem senhora muito bonita, de nome Carmem, com um barrigão que parecia estar levando no seu ventre vários bebês. Ela estava inchada, andando com dificuldade e estava acompanhada de sua mãe e irmã. Foi pelo diálogo delas que descobri que a dona Maria era também parteira. Eu estava na cozinha de onde dava para ouvir bem os diálogos interessantes. Eu disse ouvir, pois ver, não vi nada. Percebi que dona Maria fez alguns exames na Carmem que deu um gemido de dor quando foi feito o toque. A criança estava na posição de nascimento e o parto era iminente. Carmem chorou de tensão e medo por ser o seu primeiro filho.  

 

Passado alguns dias, o parto da Carmem foi realizado com sucesso. Dona Maria, empolgada e transbordando felicidades me disse que nascera uma menina enorme, saudável, cabeluda e com traços físicos parecidos com os da mãe. Pedi a ela permissão para lhe fazer uma pergunta. “O que você quer saber, Chiquinho? Pode perguntar!” “Dona Maria, o que a senhora fez com o cordão umbilical da filha da Carmem?” Com experiência e sabedoria ela me explicou que antigamente era comum enterrar o umbigo dos bebês e que esse ato determinaria sua vida futura. Enterrar embaixo de uma roseira faria da menina uma linda mulher. Enterrar na porteira ou no curral da fazenda faria do menino um rico fazendeiro. Que já tinha visto até familiares jogarem o cordão num rio, enterrarem na horta e até mesmo dentro de uma bananeira. “Nunca opinei e nunca me envolvi sobre esse assunto, sempre deixei essa função para os familiares resolverem. Depois da tensão do parto a gente fica muito sensível. Acho que o da filha da Carmem foi enterrado na horta de sua casa”.

 

Durante toda a sua existência, Dona Maria se acostumou a adoçar a vida com o seu intenso amor. Tirei dessa convivência uma lição: “Às vezes você precisa conversar com uma criança de cinco anos ou com uma pessoa com mais de 80 anos para entender a vida novamente”. Eu tenho esse entendimento.

 

“Saudade é o caminho feito pelas pegadas do tempo que faz questão de voltar!” 

(Inês Seibert).

 

“No amor de uma criança tem tanta canção pra nascer, caminho e confiança, vontade e razão de viver” (Cláudio Nucci)

 

(Fontes: Internet/ texto: Onde enterraram seu umbigo? Da Jornalista e editora da Revista Aldeia, Rejane Martins Pires).

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