“Não podemos estar realmente vivos sem a consciência de que morreremos um dia” – Frank Ostaseski, professor budista e consultor.
Aproxima-se o dia 2 de novembro, que é quando reverenciamos os nossos mortos, através de orações e visitas aos lugares onde foram sepultados. Mas, afinal, qual o real significado da finitude para nós, além de ser um grande mistério e de nos negarmos a falar sobre ela? Encarar a morte é difícil, porém, ignorar a sua existência pode ser ainda bem pior.
O pensamento acima é forte e inquietante para a maioria de nós. Difícil alguém dizer em sã consciência que não teme a morte, sem cair no clichê de que a única certeza que temos é a de que morreremos um dia.
Se tivéssemos consciência de nossa finitude, ousaríamos nos arriscar mais em nossa vivência e teríamos outras possibilidades, mas cadê a racionalidade para isso? A morte é tão natural como o parto. Todos os dias nascem e morrem várias pessoas. É o processo de seleção natural. Entrementes, o ser humano, desde os tempos mais remotos, questiona e cria significados para a finitude, seja através da filosofia ou das diferentes culturas e religiões.
Falar sobre nossos medos, principalmente do temor da morte, nos ajuda a entender melhor o que precisamos enfrentar. A sua tangibilidade é assustadora, mas ter a consciência dela pode ser libertador.
Até os meus 35 anos e meio, quando tive a minha primeira crise de pânico, eu não pensava na morte, a considerava bem distante de mim. Não fazia parte do meu universo e nem dos meus. A partir de então, eu passei a temer a finitude e a pensar no fim dos meus entes queridos. Cheguei a desenvolver uma obsessão, pois ao folhear uma revista, parava na página de obituário e ficava analisando quem havia morrido e o motivo, sobretudo, das pessoas mais jovens. Passei a pesquisar sobre o tema, a abordar em terapia. Mas confesso não ter quem queira travar esse diálogo comigo. Após o falecimento do meu pai a concretude disso ficou na minha cara e eu queria falar sobre isso, queria entender. Um dia perguntei ao terapeuta se era doentio falar sobre a morte, porém, ele me disse que era um sinal de grande maturidade de minha parte, uma vez que muitos evitam tal tema.
Até mesmo os profissionais da saúde costumam não saber lidar com a própria finitude e isso pode provocar dor em quem eles assistem. Ana Michele Soares, conhecida jornalista, que lidou por 10 anos com a iminência da morte, já dizia que alguns médicos tratam a doença e não o doente. Muitos não sabem sequer dar a notícia de um diagnóstico ruim, pois ou são duros ao falar ou escondem dos pacientes os resultados. É preciso haver muita formação nesse sentido, começando nos cursos de medicina. Li certa vez o depoimento de um respeitado e conhecido médico no qual ele dizia só ter entendido o pavor que as pessoas sentiam diante da morte quando ele mesmo experimentou tal temor. Ele passou para o lado de cá. Teve tanto receio que deixou um testamento pronto e, sendo profissional da saúde, sabia claramente dos riscos aos quais estava sujeito ao ser submetido a uma cirurgia de grande porte para salvar a própria vida. Eis aí um grande ponto positivo: estar diante da possibilidade da morte nos transforma em seres melhores. Não é uma regra essa transformação, mas quando acontece, é grandioso. É como se tivéssemos tido uma segunda chance.
Gilberto Gil, talvez em virtude da complexa doença de sua filha Preta Gil, disse que seria tão bom se pudéssemos nos preparar para a nossa finitude, mas ele mesmo concluiu que não é possível, não tem como. Comovente ver a sua fala para a filha: “Se estiver sendo muito difícil para você e for sua hora, aceita. Se estiver muito pesado para você, vai, se deixa ir”. Penso que deva ter um significado nesse sentido o que diz a Bíblia: “Vigiai, pois não sabeis o dia nem a hora”, não só para a volta de Cristo, mas também para a nossa partida. Não é difícil tentarmos preparar nosso fim todos os dias, fazendo aquilo que pudermos e não postergando os perdões, os amores, o exercício da tolerância e caridade.
Hoje em dia consigo abstrair o seu real significado e considero importante falar com os que ficam sobre os rituais da morte, por mais estranho que possa parecer: onde gostaríamos de ser velados, enterrados, sobre o desejo de ser cremado, o que vamos deixar para os que ficam, desativação das redes sociais. Enfim, facilita para os que ficam fazer escolhas sobre o nosso fim. Decidir e fazer escolhas sobre a nossa terminalidade pode tornar o processo mais leve, principalmente para os que ficam. Bruno Covas, estando à beira da morte, deixou pronto como ele gostaria que acontecesse o ritual de seu velório e sepultamento. E acredito que foi além do fato de ele ter sido um político, uma pessoa pública.
Gostaria de chegar a esse nível de desprendimento e enxergar a possibilidade de haver “beleza na morte”. Creio que há aqueles que veem e partam em paz. Mas é difícil, por exemplo, numa morte trágica, inesperada e prematura.
Há ainda o perturbador pensamento: tudo termina aqui com o fim da matéria ou há uma outra vida depois dessa, quando finalmente desfrutaremos a paz eterna? Não há como saber, pois envolve as crenças de cada um.
Um padre certa vez em sua homilia disse que quando somos concebidos, Deus nos traz aqui e nos mostra tudo que iremos passar nesse plano e se concordarmos, nascemos, ao contrário, se não estivermos dispostos a enfrentar, voltamos. Eu olhei para o meu companheiro ao lado e disse, achando graça: De onde foi que ele tirou isso? Pelo sim, pelo não, eu dei o meu SIM para Deus, pois fui a única Maria das que nasceram de meus pais que vingou.
Que me perdoem os que pensam diferente, e eu respeito quem não crê, mas nas minhas convicções não concordo com o suicídio assistido e não considero digno escolher a maneira e a hora de morrermos. O quinto mandamento é claro: Não Matar e isso inclui não dar um fim a nós mesmos. A decisão do notável poeta Antonio Cícero em escolher morrer na Suíça, optando pelo suicídio assistido, trouxe a discussão de tão controverso tema. Estar na vida implica ter bônus e ônus. Mas cada um sabe de si e tem o livre arbítrio. Eutanásia e suicídio assistido geram muita discussão, sobretudo, porque envolvem questões éticas e religiosas.
Talvez seja acalentador pensar ter deixado um mundo melhor do que encontrou e o que é melhor: concluir que amou o suficiente e foi amado o bastante.
Maria Solange Lucindo Magno, professora dos anos iniciais do Ensino Fundamental na rede estadual – aposentada
Atuou como Inspetora Escolar na rede estadual – SEE
Técnica em Educação da rede municipal de ensino de Barbacena – aposentada
Amante de livros, cinema, teatro e música, enveredou pelos caminhos da escrita
Lançou em 2020 o seu livro de caráter intimista “Escritos Com o Coração”
Autora de diversas crônicas
Possui publicações na plataforma Scriv
Comentarista na página do Leitor – Revista Veja
Foi aprovada como colunista do site O Segredo
Aprovada em cinco Antologias
Atualmente é articulista do Complexo de mídia eletrônica Barbacena Online
Instagram: @mariasolluc
Facebook: Maria Solange Lucindo Magno
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