Pauta em prosa, verso em trova (volume 107)

JGHeleno*

 

O texto de hoje fala um pouco de Luís Vaz de Camões, de cujo nascimento estamos completando 500 anos.

Pouco se sabe, com toda certeza, sobre a vida dele. Sua biografia se baseia em muitas  suposições e aproximações. A começar com o dia exato de seu nascimento. Acredita-e que tenha nascido em Lisboa, mas há outras hipóteses.

Foi boêmio na juventude. Na corte de Dom João III, é que teria tido contato com a cultura clássica greco-latina. Aí conviveu com as obras de Homero, Horácio, Ovídio, Virgílio, Petrarca… Com certeza, ele leu  os cronistas e poetas portugueses medievais. Teria nutrido paixões na corte. As confusões, desregramentos e brigas em Lisboa, lhe valeram o apelido de “trinca-fortes”. Em 1540 exilou-se em Ceuta, como soldado raso. Retornado a Lisboa, reassumiu seu temperamento irrequieto e fogoso. Por causa de uma briga no palácio, esteve preso por alguns meses. Em 1553, se engajou no serviço militar e partiu para o Oriente, daí chegando até à Índia. Depois de dar baixa como soldado, partiu para Macau, na China. Em Macau, supõe-se que ele escreveu parte de Os Lusíadas. Regressou a Goa. Sofreu um naufrágio, em que perdeu tudo, inclusive a moça que o vinha acompanhando, chamada Dinamene, a quem ele dedica depois o soneto “Alma minha, gentil…” Passou a Moçambique, onde foi preso por causa de dívidas. Em 1569, volta para Lisboa. Em 1572, o livro Os Lusíadas foi publicado. Recebeu do rei uma pensão, mas mesmo assim, ainda experimentou a miséria, morrendo em 1580, pobre e abandonado. Quase toda a obra lírica de Camões foi publicada postumamente.

Convido vocês a ouvirem a canção “Monte Castelo” de Renato Russo, que tem parte retirada de um dos sonetos abaixo, de Camões.

 

Ah! Minha Dinamene! assim deixaste

Quem não deixara nunca de querer-te!

Ah! Ninfa minha, já não posso ver-te!

Tão asinha esta vida desprezaste!

 

Como já para sempre te apartaste

De quem tão longe estava de arder-te?

Puderam estas ondas defender-te

Que não visses quem tanto magoaste?

 

Nem falar-te somente a dura Morte

Me deixou, que tão cedo o negro manto

Em teus olhos deitado consentiste!

 

Oh mar! oh céu! oh minha escura sorte!

Que pena sentirei que valha tanto,

Que inda tenha por pouco viver triste?

___ X ___ X ___ X ___ X ___ X ___

 

Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida, descontente,

Repousa lá no Céu eternamente.

E viva eu cá na terra sempre triste.

 

Se lá no assento etéreo, onde subiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

 

E se vires que pode merecer-te

Alguma cousa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

 

Roga a Deus, que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou.

___ X ___ X ___ X ___ X ___ X ___

 

Amor é fogo que arde sem se ver;

É ferida que dói e não se sente;

É um contentamento descontente;

É dor que desatina sem doer;

 

É um não querer mais que bem querer;

É solitário andar por entre a gente;

É nunca contentar-se de contente;

É cuidar que se ganha em se perder;

 

É querer estar preso por vontade;

É servir a quem vence, o vencedor;

É ter com quem nos mata lealdade.

 

Mas como causar pode seu favor

Nos corações humanos amizade,

Se tão contrário a si é o mesmo amor?

 

 

Para terminar em trova:

 

Será por tua maldade?

– Só  meus olhos o dirão –

ou por enorme saudade,

que eu hei de morrer? Ou não!!!  (JGHeleno. Inspirado em “Mote alheio”, de Camões.)

 

* ABL, AJL, LEIAJF, UBPA, UBT

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