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Aline Bertolin, uma barbacenense de destaque

Entrevista com o Borges 

 

É preciso honestidade, trabalho, estudo, relacionamentos e perseverança para a conquista de um lugar ao sol. Um lugar ao sol quer dizer uma carreira que tenha princípios, ética e com certeza um bom DNA. A jovem educadora, nascida em Barbacena, é filha de Moyses Roman Bertolin, das tradicionais famílias Roman e Bertolin, sendo os Roman conhecidos por terem sido das famílias italianas de prestígio que ajudaram na concepção e fundação da Sericícola, assim como os Bertolin, da querida Cisne Azul; e de Maria das Graças Fernandes (Gonçalves de Paiva) Bertolin, de famílias portuguesas de uma tradição cafeicultora longuíssima na Zona da Mata, cuja a própria história no Brasil se confunde com a dos primeiros povoamentos nessa região. Na adolescência, Aline não tinha ideia de toda essa história familiar, e com certeza não poderia imaginar como seria seu futuro. Oriunda de famílias conservadoras, apenas percebeu muito cedo que teria que travar várias lutas, consigo mesma, no seio da família, e se dedicar.

Quem a conhece, num primeiro instante percebe sua sensibilidade e sua luz. Ela soube ouvir conselhos, bons conselhos, inclusive do professor Bonifácio Andrada, que anteviu que sua trajetória seria de conquistas e muito trabalho. Hoje ela mora em Boston, nos Estados Unidos, mas não esqueceu sua Barbacena e a pequena cidade de Paiva, terra onde atualmente moram seus pais, para aonde ela dedica um olhar carinhoso e pretende lançar luzes aos conterrâneos.

 

Borges – Como foi planejar sua carreira?

Aline: Minha tia Bernadete sempre conta que quando eu tinha 5 anos brincava nos palcos improvisados na casa da minha avó (o celeiro e os terreiros de café) e dizia “Paris, me aguarde!”. Sonhava acordada em meio as brincadeiras de criança; imaginava-me escritora, poetisa, bailarina, pianista, mas jamais professora de Direito. Muito menos premiada pela Sorbonne. A questão da justiça era apenas minha segunda natureza, second-nature, como dizem os americanos. Então não sei dizer se houve planejamento, mas eu soube ouvir sinais. A espiritualidade é muito importante para mim. Quando sinto esse Espírito Santo, que, acredito, une todo o universo e nos propulsiona a todos, dirigir meus passos, não discuto. Tenho para mim que não foi o acaso que me fez ser a neta mais velha de duas famílias muito severas, e mesmo cuidar dos meus irmãos bagunceiros ajudou a me preparar para quem sou hoje. Não podia ver conflitos, mesmo brigas entre colegas de escola, que me intrometia tentando apaziguar e “advogar” por quem achava que estava em desvantagem. Vai sem dizer que isso sempre me trouxe muitos problemas, mas era, e acredito continua sendo, algo que eu não podia me conter em fazer.

 

Borges – Você chegou a trabalhar para o Governo?

Aline: Sim. Venho de uma tradição de servidores públicos e me considero afortunada em já bem jovem ter ingressado na Escola de Governo Paulo Neves de Carvalho. Minha tia Lucy Roman foi das primeiras mulheres concursadas pela Petrobrás e a fazer um mestrado em Física. Ela ajudou a fundar o Estado de Tocantins e escreveu seu nome na história do estado. Em 1997 fui a primeira da minha turma e terceiro lugar geral do vestibular, que era um concurso público. O mesmo com o vestibular de Direito. Fiz os dois cursos ao mesmo tempo e me especializei em Direito Econômico, com o apoio do Professor João Bosco, conselheiro do CADE. Por isso fui recrutada entre os colegas para a Secretaria da Fazenda. Fui assessora nos governos de Itamar Franco e Aécio Neves. Depois, também por concurso, assessora do presidente e da procuradora-geral da Anatel, como parte da primeira turma de especialistas em regulação no Brasil, ao lado de nomes como Leonardo Euller e Míriam Wimmer, colegas queridos daquela época. Tenho amor pela política e serviço público, porque sei que podemos fazê-la de forma honesta, participativa e transparente, e justamente por isso me exaspera o que comumente é feito dela. Resgatei uma tradição diferente de família. Minhas avós serviram incessantemente às suas comunidades, suas vidas foram integralmente dedicadas ao serviço e amor ao próximo. Elas me conduziram, assim, ao voluntariado, o que eu fazia com alegria ainda criança. E já no fim do doutorado, foi esse meu desejo: ir aonde o povo está. Troquei o serviço público administrativo pelo serviço público direto em organizações internacionais voluntárias. Organizações religiosas, principalmente as católicas, respondem por mais de 80% do serviço direto prestado a pessoas vulneráveis no mundo. Elas chegam aonde ninguém mais chega, têm capilaridade e penetração em favelas, lugares remotos do globo, zonas de conflito, e outras áreas sensíveis nas quais governos, organismos internacionais, como a ONU, ou mesmo militares se arriscariam a ir. Estive na Síria, Líbano, Eslovênia, em Fort-Lauderdale, quando Trump enviou migrantes (que são objeto da minha pesquisa) em cargueiros para prisões na Flórida, e favelas de São Paulo dominadas pelo PCC, e posso dizer, o serviço que prestamos é real, toca e edifica as pessoas de uma forma inimitável.

 

Borges – Você trabalhou em universidades no Brasil?

Aline: Trabalhar no Brasil é extremamente difícil, mas sim, trabalhei e quero continuar trabalhando em parcerias e colaborações, como com a Unicamp, onde hoje sou professora e pesquisadora, mesmo morando nos Estados Unidos e sendo pesquisadora sênior lá. As universidades brasileiras são celeiros de talentos. A grande dificuldade do país é justamente reter esses talentos. A valorização do ensino é quase inexistente. É uma contradição irreconciliável: popularmente dizemos “é preciso estudar”, mas não valorizamos o professor. Então, de que tipo de estudo estamos falando? Um exemplo próximo foi minha passagem pela Unipac; fico triste em não poder ter sido na cidade onde nasci a professora de Direito Constitucional e Administrativo que sou fora do Brasil.

 

Borges – Me conte como é conquistar os meios acadêmicos dos EUA.

Aline: Recebi algumas premiações e é sempre emocionante. Na França, minha tese recebeu o prêmio Alban e foi nomeada ao Prix de la Chancellerie des universités de Paris em Direito e Ciências Políticas. Recebi a Max Weber Fellowship, posição das mais prestigiadas no mundo acadêmico, e fui para o Instituto Europeu em Florença, na Itália. Recentemente fui convidada ao Global Empowering Meeting de 2024 pelo Programa Mulheres nas Políticas Públicas e o Centro em Desenvolvimento Internacional do Instituto de Política da Escola de Governo de Harvard. Lá participei nesse último semestre como observadora em um grupo de estudos conduzidos por Graziella Martinez, ex-diretora de assuntos legislativos de Kamala Harris. Sou grande admiradora dela e torço para que vença as eleições. Se eu dissesse que tudo isso foi sorte, não seria verdade. Graças de Deus sim, sorte não. Na academia, acho que em poucos contextos, diz-se isso hoje. Em muitas ocasiões, sinto-me pequena, sendo reconhecida para além do que mereço, mas é precisamente nessas horas que vem a motivação: tenho, então, de fazer por onde merecer. Tenho um amigo, o Fábio Vianna, conhecido no meio musical como Biofá, a quem devo, em grande parte, minha saída do Brasil em 2006-2007. Em Brasília, onde comecei minha preparação, as críticas duríssimas dele eram motivos de brigas e, no estilo Whiplash, enlouqueceriam qualquer um, mas me ajudaram muito a smooth out meu repertório. Eu era uma cinéfila (morei ao lado da Cinemathèque no meu primeiro ano em Paris) e nós nos falávamos sempre nesse meu início parisiense, conversando de música e cinema. Ele me mandava algo que estava ensaiando; era muito disciplinado, como Miles Davis, gênio do jazz (e nome do meu cachorro inclusive), a quem ele me introduziu. Ficamos uma noite inteira falando de “Ascensceur pour l’échuaffaud” e, em uma entrevista recente, o Biofá disse algo que me fez lembrar do Miles e dessa nossa conversa. Um fã perguntou a ele como um músico treina o ouvido para ser um Biofá, e ele respondeu que nada começa em um nível super complicado, tudo depende realmente de treino, mas, não qualquer treino, é preciso começar pelo que faz sentido para gente, pelo que é nossa verdade. E endosso o que ele disse. Foi assim que eu comecei em Barbacena, com meus pais, minhas tias professoras, meus avós, e continuo até hoje apreendendo, apesar de críticas, que são normais. Nunca take anything for granted, e tudo é fácil quando algo faz sentido para a gente. Onde as pessoas não vêm conexões, onde insistir parece contraintuitivo, eu persisto, vou “com medo mesmo assim”, porque pelo santo, a gente beija todas as pedras. E quando a gente produz algo assim tão nosso, singular, ajudamos outras pessoas a encontrarem suas verdades. E a verdade nunca é competitiva, é empoderadora, contagia todos em volta.

 

Borges – Há preconceitos?

Aline: Entre os acadêmicos, absolutamente não. Brasileiros são privilegiadíssimos, reverenciados quase, em vários países, como a França. É parecido com o que vemos no esporte. Nossos colegas internacionais reconhecem nossa diversidade (somos luso-brasileiros, afro-brasileiros, germano-brasileiros, ítalo-brasileiros, israelo-brasileiros, sino-brasileiros, brasileiros de origem arábe, do levante, índios, que são os realmente nativos, mas brasileiros) e isso não somente encanta, mas se mostra também no respeito que eles têm pela criatividade e entropia de ideias e culturas que levamos para nossa produção intelectual. Reconheço, contudo, que fui privilegiada pela minha etnia, o que pode ser um bias; não sei dizer se meus colegas teriam tido as mesmas experiências. Preconceitos encontrei em duas ocasiões apenas, mas entre pessoas muito simplórias. Como muitas amigas brasileiras acadêmicas, fiquei perplexa em notar atitudes misóginas entre algumas culturas europeias, como a polaca e a portuguesa; amigos justificaram dizendo que essa é a periferia da Europa, que esse comportamento não representa o verdadeiro espírito europeu, mas, pessoalmente, não sei se concordaria. E nos EUA, com tristeza, notei entre migrantes marcados por vulnerabilidades, mesmo italianos, um enorme self-hating, i.e., um ódio por si próprios. No caso de brasileiros nessa situação, o sentimento é alarmante; há um ódio imenso pelo Brasil, e um auto-preconceito que, esquizofrenicamente, vive lado-a-lado com o fato de muitos se circunscreverem a guetos culturais e nunca se integrarem. É desolador.

 

Borges – Exemplifique suas atividades.

Aline: Eu, como todo professor e pesquisador, não consigo diferenciar o que é trabalho e lazer. A cabeça não pára. Filmes, músicas, encontros entre amigos, tudo é trabalho. Visualização, visualização, visualização: isso consome a maior parte do meu dia. Pensar, prever cenários, é o crucial, depois a execução, seja escrever um livro, dar aulas, debater, palestrar, conversar sensivelmente com as pessoas coletando informações, fica fácil. Tudo o que existe diante dos nossos olhos, o que foi criado, existiu primeiro na cabeça de alguém, de uma cadeira às leis que estudo. E inovar, mais do que consumir, é o desafio da era da informação.

 

Borges – Há novos projetos?

Aline: Tant qu’l’amour inondera mes matins, sempre haverá novos projetos! O que uma grande escola, como Sorbonne e Harvard, ensina decididamente não é ambicionar “escaladas sociais” em espaços já prontos, corporações, governo. Não. Mas, sim, criar esses espaços para outras pessoas brilharem, ser luz no mundo, sal da terra. Profissionalmente, estamos buscando meios para um projeto que alia pesquisa e ensino sobre mobilidades e empreendedorismo feminino. Minha proposta é criar uma plataforma de ensino que permita a mulheres migrantes ensinarem outras mulheres migrantes estratégias de empreendedorismo, avaliando pedagogias inovadoras. Gostaríamos de oferecer um primeiro curso em São Paulo, em uma parceria não somente entre essas universidades, mas com ONGs dedicadas a migrantes, viabilizada por nosso laboratório, que concluiu um projeto premiado sobre o baixo Rio Negro e populações ribeirinhas na Amazônia. Destacar o trabalho dessas mulheres na periferia paulistana e ajudar com a promoção de iniciativas de ensino similares, como em Karnataca, colaborando com a comunidade Siddi na Índia, onde visitarei no próximo ano, é o objetivo. Na vida pessoal, tirar um tempo para a maternidade e fazer florescer um projeto social nas terras da minha família, para que elas sejam um safe-haven para muitas outras mulheres, é a meta.

 

Borges – Como vai ser seu projeto social na região?

Aline: Espero muito contar com o afabilíssimo Hélio Costa, que foi muito querido e me recebeu com sua família em Belo Horizonte para discutirmos a ideia. Queremos criar uma Escola Rural, em homenagem à minha avó, Joana Francisca, e o trabalho incansável dela pelas mulheres da comunidade. Essa região era um alargado de áreas produtoras de café do Rio de Janeiro no século XIX, e retomar um pouco da tradição cafeeira dessa região, ensinando mulheres em vulnerabilidade a cultura do café e as atividades em torno dela (a fabricação de doces, artesanato, etc.) é o objetivo. Começando sempre peu-à-peu, com a casinha da vovó e o apoio da minha mãe e da família de minha madrinha, pioneiros por lá. Acho o momento político que a região está vivendo muito favorável, é um momento de encontros e alianças. Serei sempre grata ao professor Bonifácio Andrada que me inspirou nessa pesquisa sobre migração, que recebeu tantos prêmios internacionais. Nós nos encontramos quando eu estava em Brasília em um evento no TSE, a convite do amigo e professor Tarcísio Vieira, então ministro e colega de pesquisas do CEDAU, centro da Faculdade de Direito da USP, do qual eu era parte, antes de optar pela Unicamp. O então reitor me deu a ideia de pesquisar as origens paulistanas de sociedades das quais os Andradas foram grandes patronos. Ele falou da injustiça cometida a Rodrigo Silva, amigo da coraoa, e suas ideias migrantistas, e das origens da colônia para aonde vieram os ramos da minha família: Gava, Magri, Roman e Bertolin. Poucos sabem, mas Barbacena teve uma imigração diferente de São Paulo e outros lugares do Brasil: não vieram para cá imigrantes em busca de uma vida melhor, egressos de calamidades. Os imigrantes que vieram para Barbacena foram recrutados: tinham talentos (skilled migrantes), eram de famílias de tradição e foram convencidos a virem para essas terras para fundarem mercados e industrias, como a de tecelagem e olaria, das quais meus antepassados participaram. Famílias nobres portuguesas os convidaram. Carinhosamente, ele me deu essa ideia para meu pós-doutoramento e me convidou para ser coordenadora do curso de Direito aqui. Terminei por meio que ressuscitar e coordenar a Pró-reitoria de Pesquisa, mas por pouco tempo. Era um ano de eleições conturbado e não me vi em condições de prosseguir. Felizmente, não desisti da pesquisa. Acreditei no projeto e tudo foi sucesso. Sou grata à minha boa fortuna em ter nascido em um lugar tão rico em tradições e história, e por ser tão querida. Posso apenas retribuir esse carinho.

 

Bom, acho que conhecemos um pouco de Aline Bertolin. Seria ela a “pequena notável” da era digital? Acho que deu para apurar, ela é:  resiliente, determinada e inquebrantável, jamais desistiu de seu objetivo de conquistar um lugar ao sol. Parabéns!

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