JGHeleno*
Convido para ouvirem a canção de Chico Buarque de Hollanda – Folhetim – cantada por Gal Costa, cuja letra transcrevo abaixo, suprimindo partes repetidas.
Se acaso me quiseres
Sou dessas mulheres
Que só dizem sim
Por uma coisa à toa, uma noitada boa
Um cinema, um botequim
E se tiveres renda
Aceito uma prenda
Qualquer coisa assim
Como uma pedra falsa, um Sonho de Valsa
Ou um corte de cetim
E eu te farei as vontades
Direi meias verdades sempre à meia-luz
E te farei vaidoso, supor
Que és o maior e que me possuis
Mas na manhã seguinte
Não conta até vinte
Te afasta de mim
Pois já não vales nada, és página virada
Descartada do meu folhetim.
Deixo ainda uma sugestão: que ouçam a canção “Chico”, de Luísa Sonza, que dialoga com esta cantada por Gal. “Chico, se tu me quiseres, sou dessas mulheres de se apaixonar”. Basta essa frase da letra para se ver que há um contraste com a canção de Chico/Gal.
Voltemos à canção de Gal, que é o nosso tema. Sua letra é bastante ambígua. Olhando por cima, panoramicamente, ela pode ser lida tanto como um canto à emancipação absoluta da personagem, que é capaz de dar a tônica de um encontro amoroso, como é capaz também de se fazer submissa ao seu parceiro. Mas também pode ser entendida como uma grande ironia à emancipação feminina. Pode ser ainda um outro tipo de ironia, agora ao homem que se deixa iludir com facilidade no amor. A amplidão de possibilidades de leituras é um traço característico de qualquer obra de arte de qualidade.
De qualquer maneira, à primeira vista, trata-se de um episódio amoroso superficial e efêmero.
Tem a originalidade de poder ser lido como uma contestação à ideia bastante corrente de que ao homem somente cabe toda iniciativa que leve à realização do ato amoroso.
No amor, a provocação é tão efetiva quanto na arte. Talvez resida aí uma das razões de ser bastante agradável a canção. Como no amor, a intensidade da arte costuma ser alimentada pela sua capacidade de contestar, de provocar a imaginação, de inovar, e de ampliar sentidos.
No caso presente, o ouvinte pode se entregar ao imaginário para curtir, com a música, uma noite de ilusões, à meia luz, dançando, por exemplo, com um parceiro ou parceira atraente. A melodia tem um tom nostálgico, mas o conteúdo de sua letra não cabe no gênero “dor de cotovelo”, porque seu sentido é presente. Os verbos representam atos do momento. Mas pode ser que essa momentaneidade do amor convide justamente a que se negue essa marca, e se sonhe o contrário; celebre-se uma relação com sentido inverso ao que a música explicitamente canta. Voltemos à canção de Luísa Sonza (espero que a tenham ouvido). Relembremos também as palavras de Baden e Vinicius no “Samba da bênção”: .. “Mas pra fazer um samba com beleza/ É preciso um bocado de tristeza/ Se não se faz um samba não”. A beleza precisando da tristeza para se manifestar. Bem no começo da canção, seus autores já contrapunham também alegria e tristeza, fazendo seguir-se a este contraste, a esperança de que a tristeza se tornará alegria. :“É melhor ser alegre que ser triste/ Alegria é a melhor coisa que existe”. “Porque o samba é a tristeza que balança /E a tristeza tem sempre uma esperança/ De um dia não ser mais triste não”. E é aqui que está certamente a chave do melhor entendimento da canção de Chico Buarque na voz de Gal.
Por mais de uma vez, já lembrei aqui que os contrários sempre se implicam. O mal é que melhor explica o bem, a dor é que explica o bem estar, o velho é que, por contraste, mostra como o novo é bom. A perda é que celebra o ganho. Nostalgia é que traz o quanto algo foi bom e talvez ainda possa ser. Se a canção fala do desamor, é assim que ela sublinha o gosto do amor. Ninguém celebra o desamor em si mesmo, senão na medida em que ele pode fazer reviver em cores vivas o amor intenso.
Então, e se cantássemos assim:
Não conte até vinte,
te coles em mim;
pois te tornaste tudo; és parte inseparável,
áureas gotas de um amor sem fim.
Para terminar em trova:
Dê-me cem, depois mil beijos,
mil me dês, depois milhão;
que invejosos malfazejos
nunca saibam quantos são. (JGHeleno)
* ABL, AJL, LEIAJF, UBPA, UBT
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