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Pauta em prosa, verso em trova (volume 100)

(Publicação semanal número 100)

 

JGHeleno*

 

Uma das grandes marcas da poesia (da arte em geral) é seu caráter universal. Não é de se admirar, pois, quando o artista expressa justamente isto em sua peça artística, refletindo sobre questões comuns a todos os humanos, como, por exemplo, a ameaça da morte.

Podemos ir até a cultura greco-romana, especialmente a grega para fundamentarmos como essas questões foram encaradas desde a antiguidade. Mas gosto de ir ao Gênesis, porque, mais diretamente, esse livro está nas raízes da nossa cultura. Trago esse livro como uma peça literária mítica, portanto simbólica, não como um texto religioso (como ele é lido quase sempre).

Quando o Criador ordenou ao primeiro casal humano que saísse pelo mundo dando nome a todas as coisas, ele estava ordenando que o homem saísse a procurar-lhes o sentido. Dar nomes supõe revelar sentidos. Ação esta, que pressupõe convívio. Dar nome é fundamental para a comunicação entre seres humanos. O Criador, por isso, só deu essa ordem porque a humanidade iniciante já vivia o processo de convívio. Não é bom que o homem fique só, façamos-lhe uma companhia, teria ele dito antes de criar Eva. Nessa leitura simbólica que eu me proponho, imagino o desafio enfrentado por esse primeiro casal humano ao se deparar com a morte.

Neste ponto, eu convido para ouvirem Gal Costa na canção que se segue, com atenção voltada especialmente para a letra:

 

Atenção ao dobrar uma esquina
Uma alegria, atenção, menina
Você vem, quantos anos você tem?
Atenção, precisa ter olhos firmes
Pra este sol, para esta escuridão

… Atenção
Tudo é perigoso
Tudo é divino, maravilhoso
Atenção para o refrão, uau!

… É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte

… Atenção para a estrofe e pro refrão
Pro palavrão, para a palavra de ordem
Atenção para o samba exaltação

Atenção
Tudo é perigoso
Tudo é divino, maravilhoso
Atenção para o refrão, uau!

… É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte
… Atenção para as janelas no alto
Atenção ao pisar o asfalto, o mangue
Atenção para o sangue sobre o chão

… É preciso estar atento e forte
Não temos tempo de temer a morte

Fonte: Musixmatch

Compositores: Gilberto Passos Gil Moreira / Caetano Emmanuel Viana Telles Veloso

Letra de Divino, maravilhoso © Uns Producoes Artisticas Ltda, Gege Edicoes Musicais Ltda

 

Trata-se de uma letra que se destaca no apelo à nossa Força diante do maior inimigo da vida: “Não temos tempo de temer a morte“ Usei de propósito a letra maiúscula na palavra Força para sublinhar o que os estoicos recomendavam: É preciso força (que eles chamavam virtude, ou virtus).Essa força habita a razão, através da qual é possível   exorcizar o caráter ameaçador da morte, reduzindo-a àquilo que ela de fato é: uma das pontas inevitáveis da vida. Diante dessa situação, não há como se contrapor a ela. No lugar do temor, deve-se valorizar o presente. Parece que o Carpe diem (aproveita o aqui acgora) é uma receita simples, e o é de fato; mas não há outra. Impor-se pela vontade às ameaças do mundo e não desperdiçar o tempo é a receita sugerida pelos pensadores estoicos.  Não para dominar objetivamente o mundo, mas para não se deixar dominar por ele. Para isso, há que se ter a atenção voltada para todos os lados “Atenção para as janelas no alto/ Atenção ao pisar o asfalto, o mangue/ Atenção para o sangue sobre o chão”.

Se não temos tempo de temer a morte, convém não adiar as realizações felizes. É o carpe diem. Aproveite o momento; não sofra antes da hora, não só diante da perspectiva da morte, mas diante de qualquer possibilidade futura de algum acontecimento infeliz. Não temos tempo para temer. Muitos se ancoram nos princípios religiosos, como solução. Se esse procedimento o atende, ótimo. Ainda mais que a crença religiosa é um processo racional em sua razão de ser (substituir a razão onde a razão se mostra insuficiente), embora premissas religiosas tenham dificuldade de se fazerem valer à luz da ciência. Falo de prova científica, não de raciocínio filosófico, de indício, de sugestão, de apontamento, etc.

O homem deve ser o sujeito do mundo, no mundo como ele é.

A letra invoca um tempo inteiro de vida. “Atenção, menina .Você vem, quantos anos você tem?” Não se trata de um fato episódico. Mas de uma vida, que a moça é uma menina iniciante, que tem a vida toda pela frente:  Por isso é preciso “atenção”, é preciso “ter olhos firmes pra este sol, para esta escuridão”. O ser humano, por ser contraditório e iluminado, precisa ter olhos para o claro e para o escuro. Para tudo que é luz e para tudo que é sombra.  A vida não é brincadeira, como diz Vinicius de Moraes no “Samba da Bênção” dele e de Baden.  A vida se ganha, mas não se vive de graça.   “Tudo é divino, maravilhoso “ mas tudo (também) é perigoso” (como escreve Guimarães Rosa: “Viver é muito perigoso”.

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No meu texto publicado em 07/07/2024, eu fiz uma incursão pelo pensamento estoico, como auxiliar da leitura da letra de “Amiga da minha mulher” cantada por Seu Jorge. Antes (30/06/2024), havíamos falado da felicidade numa canção de Lupcínio Rodrigues. Nesta agora, cantada por GalCosta, essa incursão se torna essencial para a compreensão plena da canção. O tempo traz para todos, com sua consequência inevitável, a morte. Não importa tratar-se de uma jovem menina. A morte é para todos. Se pensada emocionalmente, é sentida de forma terrífica.

Para terminar em trova:

 

Vida, ganha-se de graça:

pra vivê-la em condomínio,

na alegria ou na pirraça,

em servidão ou domínio. (JGHeleno)

 

* ABL, AJL, LEIAJF, UBPA, UBT

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