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Quem conta um conto, retira um ponto

O HOMEM GRÁVIDO

Há algumas lendas que parecem desmentir o provérbio que diz: quem conta um conto, aumenta um ponto.

Pode ser mania, mas sempre encontro lacunas que me fazem pensar que aqueles que contam um conto, podem também retirar dele alguns pontos.

Tenho quase certeza que muitas cenas e personagens mitológicos são excluídos com o tempo, o que deixou certas lendas muito mais sem pé nem cabeça, como naturalmente devem ser as lendas, mas nem tanto.

A história de hoje é assim, cheia de percalços mirabolantes, feitiços que resolvem problemas e cenas desconexas, como veremos nos comentários que faço depois.

A ÁGUIA LEVA A CRIANÇA

A TORTA ZAROLHA

Em algum canto de Portugal, há muitos anos, havia um casal muito infeliz por não conseguir ter filhos. Aliás, ainda hoje há muitos casais assim, embora a tecnologia tenha evoluído para ajudá-los. Naquela época o negócio era apelar para Santo Antônio, que, aliás, nos tempos em que esse caso se deu, era o pároco do lugarejo.

A mulher, quase desesperançada, foi ter com o padre Antônio (ainda não era santo, estava vivo) para pedir ajuda. O padre, sempre caridoso, deu a ela três maçãs rezadas e orientou-a para que as comesse em jejum.

Chegando em casa, a senhora colocou as frutas numa cesta e foi apanhar lenha para acender o fogão do almoço. O marido viu as simpáticas e reluzentes maçãs e as comeu numa gula inocente.

De volta com uma braçada de lenha, a mulher deu falta das frutas. O marido, prontamente, confessou tê-las comido. Trêmula, a pobre criatura quase queimou o almoço.

Com o marido já de volta ao trabalho, ela foi se encontrar com o Padre Santo Antônio e este lhe disse que “o trabalho que terias de passar, o teu marido que o passe”.

Assim, o pobre homem começou a ganhar barriga, até que uma dor lancinante quase o partiu ao meio. Aos gritos, mandou vir uma parteira, que, com uma faca, abriu o ventre paterno e retirou lá de dentro uma criança.

O senhor, totalmente apavorado, mandou que deixassem o bebê, que era uma menina, no alto de uma montanha. Assim fizeram e nunca mais se falou do assunto.

Uma águia apareceu na montanha e levou a menina para longe dali, deixando-a numa casinha de palha abandonada numa mata. Todos os dias a majestosa ave roubava leite das vacas das imediações e alimentava o bebê. Vesti-la foi ainda mais fácil, pois o pássaro, inteligente como todos, pegava roupas nos varais das aldeias.

O tempo passou e a menina se transformou numa linda moça.

Certa tarde, um príncipe caçava por aquelas matas e viu a casinha e a moça nas proximidades. Ficou encantado com a beleza dela e em pouco tempo já estavam de conversa, quando ele perguntou:

-Queres ir comigo para o meu castelo?

– Sim, disse ela, sem pensar muito.

Mal a jovem subiu na garupa do cavalo, a águia apareceu. Batendo as asas freneticamente, tentou impedi-la de partir. O cavalo arrancou, mas a águia, em sua fúria, acabou furando um dos olhos da menina.

O ferimento provocou um defeito no rosto da jovem, mas isso não impediu que o príncipe gostasse ainda mais dela. Quando chegaram ao castelo, o jovem a escondeu em seus aposentos.

Notando uma leve mudança no comportamento do príncipe, que ficava horas encerrado no quarto, a rainha desconfiou que algo se passava e organizou uma caçada para o filho, que se viu obrigado a acompanhar os cavaleiros do reino por três dias.

Livre para entrar nos aposentos do rapaz, a rainha o fez por uma entrada secreta que só ela conhecia. Encontrou a jovem sentada na cama e disse:

– Então é por ti, torta zarolha, que meu filho anda encantado? Vamos, saia daí, quero mostrar-lhe os jardins do castelo.

A menina obedeceu.

Quando as duas passavam perto de um poço, a rainha a empurrou e voltou para o castelo.

O filho, terminada a caçada, correu para seus aposentos a fim de ver a amada, que lá não mais se encontrava. Sua mãe veio ao seu encontro e disse:

– Aquela torta zarolha, que escondias, fugiu. Abriu a porta do quarto e desapareceu na mata.

Nesse ínterim, três fadas passavam pelo poço quando ouviram uma voz feminina lá no fundo, gemendo.

– Quem será, quem não será? Perguntavam as três.

A primeira fada aproximou-se e falou para o fundo do poço:

– Venha até aqui e eu lhe transformarei na maior perfeição do mundo.

A jovem apareceu flutuando e foi transformada numa linda mulher.

A segunda fada presenteou a menina com uma tesourinha de prata.

– Essa tesourinha é para cortares a língua de quem lhe perguntar as coisas duas vezes.

A última fada ofertou-lhe um palácio em frente ao da rainha, todo estragado por fora, mas feito de ouro e prata por dentro.

Logo todos ficaram espantados com aquele castelo que não havia ali antes. A rainha chamou seu camareiro e o mandou verificar quem morava lá.

Ao chegar ao estranho lugar, o camareiro viu a porta aberta e deparou-se com uma mulher belíssima.

– Quem és tu? Perguntou o homem.

A jovem respondeu, em versos, o seguinte:

 

Diga à Sua Majestade,

Que minha mãe me desejou,

Que foi meu pai que me teve,

E nas silvas me deitou;

Uma águia me criou.

Na caça o príncipe me achou.

A rainha ao poço me jogou;

Mas três fadas me fadaram,

Para aqui me trouxeram

E eu daqui não me vou.

 

O PADRE E A MULHER COM AS MAÇÃS

O pobre homem não conseguiu memorizar tudo aquilo e pediu à jovem para repetir a ladainha, mas a tesourinha acabou lhe decepando a língua, cumprindo o papel destinado pela segunda fada. Diz a lenda que, depois disso, ele só conseguia dizer “Ló, ló, ró, ló, ló, ró”.

A rainha recebeu o camareiro de volta, mas não entendeu o que ele dizia. Pudera, sem língua. Então, mandou outros emissários ao esquisito castelo, mas todos voltavam repetindo o mesmo ló ló ró.

 

Diante da misteriosa situação, o príncipe foi até lá. Depois de ouvir os mesmos versos, chamou a rainha-mãe para que ela também soubesse do que se tratava aquele mistério.

 

A rainha ouviu os versos, compreendeu a história vivida pela jovem e deu licença para o príncipe se casar com ela.

A BELA MULHER ENCANTADA PELAS FADAS

Considerações:

Essa lenda conta com elementos semelhantes a várias histórias populares, por exemplo: meninas nascidas de frutas e outras coisas, jovens roubadas que se casam com príncipes e raptos de crianças por águias. Em alguns contos gregos, as ninfas Tália, Egina, Ganimedes e Astéria são levadas por águias divinas.

Em Abrantes, no centro de Portugal, há uma referência à tesourinha que aparece nessa lenda, através do verso: “tesourinha, tesoureta, corta aquela lingueta”.

 

A JOVEM DO OLHO FURADO

Perguntas sem Respostas

 

Há muitas perguntas sobre esta lenda. Embora não haja respostas, vou tentar explicar o que penso sobre essas lacunas.

 

1 – Esse Padre Santo Antônio era o mesmo casamenteiro?

Com muita probabilidade sim, pois Santo Antônio era um português do século XII. No entanto, não parece ter sido pároco de nenhuma igreja em Portugal.

 

2 – O padre poderia ter desfeito o encanto das maçãs ou dado novas frutas rezadas para a mulher?

Acho que não custava nada, mas não tenho a menor ideia de porque não o fez, fazendo um homem engravidar em plena idade média.

 

3 – Um homem engravidou e ninguém na vila soube?

Devem ter descoberto, por isto virou lenda.

 

4 – A parteira fez um parto de um homem e não contou para ninguém na vila?

Para vocês verem como são os verdadeiros profissionais.

 

5 – A mulher deixou o homem jogar a criança fora?

Pelo jeito sim. Na Idade Média, mulheres e crianças eram objetos.

 

6 – O que foi feito da esposa na história?

Nada falam dela, um buraco na história.

 

7 – A águia criou a menina com leite de vacas, mas e quando ela cresceu?

Ou a menina seguiu bebendo leite vida afora ou a águia aprendeu a cozinhar, o que é pouco provável.

 

8 – Ninguém reclamava das roupas que sumiam dos varais naqueles anos todos?

Apesar de roupas serem um item caro na época, ninguém ficou de tocaia esperando o ladrão.

 

9 – Quem ensinou a moça a falar, se ela viveu a vida toda com uma águia?

Vai saber. Talvez a mesma pessoa que ensinou o Mogli, já que o Tarzan aprendeu com a Jane.

 

10 – O que foi feito da águia?

Pelo jeito, nada. Outra ponta solta. Coitada, criou a jovem e a perdeu sem direito nem à guarda compartilhada.

 

11- Como manter uma pessoa presa num aposento de um castelo sem ninguém saber?

Dizem que esse segredo consta no manual dos contadores de lendas, mas ninguém sabe onde ele fica.

 

12 – Por que e de onde apareceram as 3 fadas?

Eu acho que são as mesmas que moravam nas maçãs, que também eram três. Aliás, o número três é frequente em lendas.

 

14 – Por que cortar a língua das pessoas com uma tesourinha?

Aqueles que não prestam atenção no que lhe dizem e vivem pedindo para repetir, merecem mesmo que lhe cortem a língua, embora eu preferisse um desentupidor de orelhas, deixando a tesourinha para os fofoqueiros.

 

15- Por que um castelo velho por fora e lindo por dentro?

A beleza não está num olho furado, mas no interior da pessoa. No entanto, a moça ficou bonita por fora também. Então, não sei.

 

16 – A rainha não foi punida por tentar matar a nora?

Pelo jeito isso não acontecia na Idade Média. Há histórias em que os maus são penalizados, mas as versões, digamos, mais antigas, mostram um senso de justiça diferente do atual.

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