“Em mulher não se bate nem com uma flor”. Quem nunca ouviu essa frase? Ela advém de um frevo pernambucano, cujo título é “Cala a boca, menino”.
Pois é, parece-me que a frase não foi bem aceita e muito menos colocada em prática, considerando que atualmente alguns homens escolheram bater não com uma flor, mas com socos e pontapés, armas de fogo, armas brancas, ateando fogo, atirando de grandes alturas, em suma, uma gama de crueldades.
Além disso, o fazem na frente dos filhos, enchendo-os de terror. Só sabe o trauma e as marcas indeléveis deixadas por esse tipo de violência quem já presenciou algum episódio. Não há limite para as atrocidades. Alguns ainda matam os filhos, ou se matam após tirar a vida da mulher. Uma insanidade incompreensível.
Falar sobre isso é incômodo e denso e o que mais me deixa perplexa é a inércia das autoridades. Não vejo em nenhuma das três esferas preocupação com essa modalidade de crime que só faz crescer: o feminicídio, a violência doméstica. Por que será? Na minha opinião, há duas explicações razoáveis: primeiro, o fato de esse crime ser praticado por homens de todas as classes sociais. Ou seja, desde os homens mais simples até empresários, policiais, os que aplicam as leis e políticos. Há uma espécie de complacência, um silêncio conivente. Outro dia mesmo, um ex-senador da República foi procurado e preso por ter matado a mãe de sua filha. E, segundo, por uma razão muito atrativa, que é a certeza da IMPUNIDADE. A despeito da Lei Maria da Penha, os homens não têm se sentido intimidados e mais e mais mulheres morrem ou sofrem violência de toda ordem constantemente.
A mim dá a impressão de que a tese de o crime “cometido em legítima defesa da honra” foi substituída por “não aceitou o fim do relacionamento”. Mas isso não existe, pois quando num relacionamento um não quer, não tem como ir adiante. Qualquer rompimento é bem doloroso, no entanto, é preciso aceitar que um dia pode terminar e o outro tem o direito de partir.
Se os garotos fossem educados desde cedo para respeitarem e valorizarem a mulher, talvez crimes desse tipo não acontecessem da forma como vem ocorrendo. A criança, duvide quem quiser, aprende e põe em prática tudo que ela vê em casa. Na família acontece o primeiro estágio de sua educação. Ela agirá de acordo com o que presencia pais e irmãos fazerem. E isso diz respeito ao bullying, ao machismo, ao preconceito. Portanto, se ao garoto for ensinado a tratar bem e com carinho uma mulher a começar por sua mãe e sua irmã, certamente, ele não maltratará uma mulher no futuro. Sabemos que existem homens que em hipótese alguma levantam a mão para uma mulher, até mesmo quando sofrem ataques histéricos femininos. Entretanto, parece-me que o homem controlado está a caminho da extinção. Existe um mantra que diz que se quer conhecer um homem, observe como ele trata a própria mãe. Eu creio, sim, que há uma grande verdade nisso.
Recentemente, o lutador de boxe, Felix Verdejo, foi condenado à prisão perpétua em seu país por atirar para a morte a ex-namorada grávida. Não, não é necessário a pena de morte para eles, a prisão perpétua já seria um grande e infinito tempo para refletir sobre o que não fazer com uma mulher da qual querem se livrar ou que pensam ter a posse absoluta. Se acontecesse no Brasil esse tipo de punição, nunca mais eles pensariam em dizer que “não aceitaram o fim do relacionamento”. Um relacionamento termina quando um dos envolvidos não o quer mais. E o outro tem que respeitar isso, doa o que doer, por um único motivo: ninguém é dono de ninguém e não tem o direito de agredir física e psicologicamente o parceiro. Relações tóxicas não fazem bem para mulheres e nem para homens.
Existe a teoria de que o feminicídio sempre existiu, que a diferença é que hoje é divulgado, vem a público. Mas eu não sou inteiramente de acordo com essa teoria. O que acontecia no passado, era que as mulheres, muitas vezes dependentes dos maridos, “fechava” os olhos para as infidelidades ou aceitava os maus-tratos. Elas não tinham vez e nem voz. É o caso de nossas avós, nossas mães e até muitas de minha geração.
Entrementes, hoje em dia, as mulheres não querem ficar numa relação ruim, se interessam por outros homens, são donas da própria vida, ganham o próprio dinheiro. Não toleram muitas coisas e vão embora, tendo filhos ou não, na maioria das vezes, levando-os com elas. E a cultura do machismo não aceita isso, o sentimento de posse, o achar que é dono.
O feminicídio está acontecendo de forma cada vez mais cruel. Não há limites para a barbárie: as mulheres são mortas baleadas, queimadas, esfaqueadas, enforcadas, a pauladas, envenenadas. Há aqueles que matam os próprios filhos para punir a mulher ou as matam na frente de quem esteja por perto. Há ainda o requinte de avisar à família que as mataram, de deixar recados, filmagens. O fato é que no Brasil a mortandade de mulheres se tornou sem controle e, infelizmente, Minas Gerais está entre os estados que lideram esse triste ranking no Brasil. E a continuar como está, daqui a pouco o Brasil assumirá o primeiro lugar de países onde mais se mata mulheres.
Há alguns dias, a apresentadora Ana Hickmann foi vítima de violência doméstica e o caso teve grande repercussão. Ela tentou a princípio amenizar o fato, talvez para evitar, mais uma vez, os holofotes sobre ela, mas não teve jeito. E, apesar de ela ter dispensado a medida protetiva, as autoridades policiais a emitiram. Afinal, a julgar pelo perfil supostamente agressivo do marido, Ana Hickmann corre um sério risco.
Eu penso que doa em todas nós, mulheres, cada vez que uma mulher é agredida ou morta por um homem. É inaceitável que alguém que não seja o nosso pai levante a mão para nós, não que seja justificável, mas pais costumam dar palmadas, sacudidas e outros. Pelo menos era assim na minha época. E, apesar de não me dizer respeito, não entendo o motivo de a apresentadora citada acima ficar presa a um relacionamento, que segundo testemunhas, já é violento há algum tempo. Ela deveria aproveitar para livrar-se daquele que parece ser um grande sanguessuga.
A passividade de quem teria o poder de mudar a legislação diante dessa frequência de crimes, criando penas exemplares para tantos assassinos covardes, é que é difícil de entender e aceitar. Cadê as várias mulheres que fazem parte do atual governo? Todas bem quietinhas. Não vejo nenhum movimento de repúdio por parte delas. Em vez de levantarem a bandeira da invisibilidade do trabalho de cuidado realizado pela mulher, por que não falar e protestar abertamente contra o feminicídio? Ah, para não mexer na ferida de que tem muita gente importante envolvida. Dessa forma, nada se fala sobre a matança de mulheres, nada que sinalize que providências serão tomadas quanto à grande incidência de feminicídios nos quatro cantos do país, envolvendo mulheres de todas as idades e classes sociais.
De vez em quando, ao ver um casal junto, me ponho a imaginar se aquele casal vive bem, se há respeito entre eles, se o homem é gentil com a mulher. Será que ele bate nela, a deprecia na frente dos outros, tem ciúme do sucesso dela, a deixa ter vida própria? De repente, entro em devaneio e fico assustada com os meus próprios pensamentos. Será que todas nós somos uma vítima em potencial ou estamos todas “dormindo com o inimigo”? Ainda bem que esses pensamentos não ocorrem o tempo todo, pois, do contrário, eu não teria paz.
A violência emocional e psicológica é tão danosa quanto à física e é preciso que todos nós entendamos que ninguém tem o direito de tornar a vida do parceiro um inferno, de maltratá-lo, de o manter preso a nós quando ele não mais o quer. Isso é egoísmo, nunca foi amor.
Hoje em dia está cada mais difícil identificar se os relacionamentos são saudáveis ou não. O fato é que as mulheres deveriam ficar atentas e, ao menor sinal de perigo, pularem fora. Quando começa errado, certamente não dará certo. Não pode haver a primeira vez, o primeiro tapa, a primeira ofensa. Não vale ofender, bater e pedir desculpas. Torna-se um círculo vicioso. A pessoa NÃO vai mudar. Ela é assim.
Portanto, que as mulheres, jovens ou mais velhas, tomem cuidado com as pessoas com quem vão se relacionar, que vão levar para dentro de casa, sobretudo se houver filhos. A paixão costuma cegar, fazendo baixar a guarda e sem que se dê conta pode entrar num relacionamento abusivo e tóxico.
Quando acontece um caso de violência doméstica ou assassinato com uma mulher conhecida, famosa, há grande comoção porque todas se sentem representadas, mas é preciso que elas, apesar da vergonha e humilhação que possam sentir, não se deixem intimidar e divulguem, pois somente assim alguma providência poderá ser tomada. Elas serão a nossa voz.
Uma pena quando aquilo que se pensava ser amor se transforma em dor.
Maria Solange Lucindo Magno, casada, sem filhos
Professora da rede estadual de ensino (anos iniciais do Ensino Fundamental – aposentada
Inspetora Escolar da rede estadual de Minas Gerais
Pedagoga tendo atuado como Técnico em Educação na Secretaria municipal de Educação de Barbacena – aposentada
Autora do livro “Escritos com o Coração” – publicação independente e de várias crônicas
Participação em duas Antologias
Possui um perfil na comunidade Scriv, onde tem publicações
Articulista do barbacenaonline
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