“A Inteligência Artificial está em toda parte”: você, leitor, já deve ter visto, ou ouvido, esta frase, em algum “lugar”, afinal, a I.A. realmente está direcionando propagandas em nossos celulares, realizando diagnósticos médicos, selecionando currículos e atuando nos bastidores dos nossos simpáticos assistentes virtuais, como a Alexa e a Siri. Mas, afinal, o que é a Inteligência Artificial? O que significa ser “inteligente”?
Uma forma bastante tradicional de falar sobre inteligência é em termos da capacidade de resolver problemas. Não apenas aqueles problemas de matemática com os quais você já “quebrou” a cabeça nos tempos da escola, mas também os problemas mais básicos da nossa existência, como conseguir comida, construir um abrigo, proteger-se contra predadores ou desvendar o grande sentido da vida. O que precisamos para lidar com esses problemas ou outros são habilidades, planejamento e, especialmente, a capacidade de aprender com experiências anteriores.
Um exemplo incontroverso de inteligência na natureza poderia ser o uso que alguns chimpanzés fazem de pequenos galhos como ferramentas para coletarem formigas no interior de formigueiros, afinal chimpanzés são inteligentes. Um exemplo mais discutível poderia ser o desenvolvimento dos brotos de uma batata de modo a procurar o local mais ensolarado por perto. Vegetais podem ser inteligentes? À parte os casos difíceis, com certeza, os humanos são inteligentes. Se nada mais for inteligente, pelo menos nós, humanos, somos. E temos muito orgulho desta inteligência, afinal foi isso que nos permitiu criar o belo mundo a nossa volta com carros, computadores, esculturas, poemas e ar-condicionado.
Em todos esses casos que apresentei, há, todavia, em comum o fato de que a inteligência é uma característica daquilo que é vivo. A inteligência é criada pela natureza. Poderia o ser humano criar uma máquina, algo que distintivamente não é vivo, mas que tenha inteligência? Esta é a ideia por trás da inteligência artificial – um construto artificial capaz de resolver problemas e aprender com experiências anteriores.
Maravilhosa como é, a inteligência artificial nos desperta fascínio, mas suspeita: poderão os robôs serem uma ameaça ao nosso domínio absoluto da natureza? Poderão ser mais inteligentes que nós? Talvez você já tenha pesquisado a grafia de uma palavra no Google, a tradução de uma frase para outro idioma, um mapa-mundi ou a tabela periódica. Surpreendentemente, ou nem tanto, todas as respostas estavam lá. Então, um robô bem sofisticado poderia ter à mão toda a informação que a humanidade levou milênios para descobrir, ou criar. Além disso, tal robô não estaria sujeito às limitações do tempo e das necessidades que temos. Um robô não precisa dormir, ir ao supermercado ou assistir séries. Não está sujeito ao estresse ou aos lapsos de memória. Desde que seja capaz de aprender, um robô pode dedicar cada segundo da sua existência a aprimorar suas habilidades iniciais, até mesmo de formas que não foram previstas por seus programadores. Todavia, é aí que ficamos preocupados, afinal, será que em algum momento futuro, máquinas poderão desenvolver objetivos próprios? E se estes objetivos forem de encontro com os nossos? Poderão os robôs destruírem seus criadores? Transformarem-se de ferramentas em inimigos?
Pode parecer uma pergunta estranha, afinal, essas placas de silício poderiam desejar coisas? Não sei se poderiam, mas também é estranho que nossos cérebros de carbono possam. Por outro lado, se a história nos ensina alguma coisa, talvez nossa preocupação não deveria ser apenas o que os robôs podem fazer contra nós, mas também o que nós podemos fazer contra eles. Humanos negam não apenas que outros seres vivos, como os animais, sejam merecedores do mesmo respeito e dignidade que as pessoas, mas até que outros humanos sejam. Se exploramos animais e outros humanos, o que não faltará são justificativas para exploração, violência e abusos contra robôs ou usando robôs. Poderíamos usar robôs como bem quisermos? Teremos obrigações jurídicas para com eles? E obrigações morais? Devemos criar supermáquinas inteligentes de guerra para destruirmos uns aos outros?
Há muitas questões neste texto, mas enquanto nos debruçamos sobre elas acabamos sendo levados a encarar alguns desafios filosóficos essenciais. O que sabemos sobre a consciência? O que nos faz humanos? E, claro, quais são nossas obrigações e direitos? Talvez, no futuro, a própria inteligência artificial possa nos ajudar a compreender estes tópicos da filosofia. Enquanto não podem, permanecemos aqui com nossas perguntas. Mas mesmo que possam, a filosofia continuará parte da experiência humana. Assim como não deixaríamos de criar nossas poesias e pinturas imperfeitas, mesmo que a inteligência artificial possa fazê-lo com mais técnica e maestria, também não deixaríamos de fazer filosofia, porque é isso o que fazemos.
Apoio divulgação científica: Samara Autopeças, Jornal Barbacena Online e SEAM – Serviços Ambientais.
Por Ísis Ruffo*, doutoranda em Filosofia na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e parceira da Casa da Ciência e da Cultura de Barbacena, coordenada pelo professor Doutor, Delton Mendes Francelino. (@casadacienciaedacultura)
** Nascida em Barbacena, Ísis é filósofa e doutoranda em filosofia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro desde 2020. Sua pesquisa atual explora especialmente as questões de ética contemporânea, o discurso moral e os desacordos. Sempre disposta a fazer novas perguntas, Ísis raramente tem as respostas, mas pode tentar.
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